Vilar Formoso.
16 de setembro, 10h30.
Peço um café.
Sabe a despedida,
sabe a pouco,
sabe a nada.
Lá fora os camiões respiram fumo.
No canto do balcão,
uma mulher cujo nome termina em X
lê um poema chamado Bonnie Tyler
e sorri do princípio ao fim.
Retira um guardanapinho do suporte;
escreve:
“originalidade inigualável.”
Um enfermo arrasta-se
e fala alto,
jura que muitas cantoras contemporâneas
estão enterradas ali,
na loja de conveniência.
Enumera-as vagarosamente,
com a língua pesada da medicação:
Taylor Swift.
Lola Young.
A jovem que o ampara
inclina-se sobre ele;
sussurra:
“Vamos, senhor A.”
Ainda presa
ao pesadelo recorrente
do próprio afogamento na praia da Nazaré,
a funcionária
distrai-se cantando:
It ain’t over till it’s over.
It ain’t over till it’s over.
Com mãos magrinhas,
alinha isqueiros,
empilha maços de tabaco
e conta
trinta e quatro sonhos desfeitos.
E penso:
fodeste-me o verão, Rita.
Obsessivamente,
habitas-me a cabeça,
os olhos,
a língua,
a pele.
Na loja ecoa a canção,
que as colunas partidas devolvem em estalos:
It ain’t over till it’s over.
It ain’t over till it’s over.
E sinto o rasgo no peito —
como me fodeste o verão, Rita.
Provavelmente muitas outras estações,
talvez todas.
Talvez me tenhas fodido a eternidade.
Por isso cruzo a fronteira,
em direção a Sevilha, Marselha ou Nice.
Tanto faz.
Hoc mihi restat.
Sempre que o desespero encontra o meu corpo,
procuro outras latitudes,
razões que me libertem da ideia do suicídio.
Mas o Lenny fucking Kravitz
canta na rádio
e alimenta a obsessão.
So many tears I’ve cried,
so much pain inside,
baby, it ain’t over ‘til it’s over.
E percebo:
fodeste-me o verão, Rita.
Isto nunca acaba.
It ain’t over till it’s over.
It ain’t over till it’s over.