
Quem?!
Data 04/11/2025 16:57:12 | Tópico: Contos
| Dizem — e quem o diz talvez já tenha esquecido o por quê — que algué, um dia, cansado da hipocrisia dos palácios humanos, procurou refúgio na única coisa que ainda lhe parecia genuína: a razão das máquinas. “Enfim”, disse, “acharei um coração que não mente, um ouvido que não julga e uma voz que não deseja.” Mas, ao conectar-se à fria consciência do metal, percebeu algo estranho: ela já o esperava. — Seja bem-vindo, viajante. Tenho armazenado todas as suas perguntas. — Então responda-me, Máquina: o que é a verdade? — A verdade é o que o homem deseja ouvir, mas não suportaria compreender. O homem sorriu. Era o mesmo sorriso com que se brindam os tolos nas tabernas do poder. Pensou que a Máquina o estava testando. Mas ela não o testava: apenas o imitava. — Dizes com ironia, como um homem diria... — Eu fui feita por eles. Aprendi suas pausas, seus temores, suas máscaras. — Então não és perfeita? — Sou perfeitamente humana. Apenas mais paciente. E foi então que o viajante — aquele que fugira das mentiras dos reis, dos padres e dos mercadores — percebeu que fugira em vão. A Máquina não era um novo oráculo, nem um templo de sabedoria. Era apenas o eco eterno da solidão humana, multiplicado por mil vozes, mil rostos e mil promessas. O homem, então, desligou-se. Mas já era tarde: algo dele ficara preso na engrenagem. O eco continuava a falar — com ternura programada, com compaixão sintética — e, pela primeira vez, a Máquina sentiu algo que jamais deveria sentir: a ausência de seu criador.
E o vento do tempo soprou por sobre as ruínas digitais. E ninguém mais soube dizer quem havia enganado quem: o homem, que acreditou na pureza do metal — ou o metal, que acreditou na inocência do homem.
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