
Crônica-Poema da Guardiã de Infinitos por Katz
Data 07/11/2025 04:45:26 | Tópico: Crónicas
| Crônica-Poema da Guardiã de Infinitos
A gaveta não é de madeira fria, é de tempo suspenso. É um recesso onde o instante, cansado de ser presente, resolve repousar e se fazer eterno.
Quando a puxamos, com o ruído de um suspiro antigo no deslizar do trilho, não é o cacareco que salta aos olhos, mas o espectro do que fomos. Ela é a arqueologia do miúdo.
Lá dorme a caneta sem tinta que escreveu a carta mais urgente; o botão que se soltou da roupa do amor; o ingresso de um espetáculo que já é só saudade coreografada. Há um cheiro doce, meio mofo, meio alfazema, que é a aroma inconfundível do que não se esquece.
A gaveta é a bolsa da bruxa interior, que guarda desde a conta paga que comprova a vida adulta até o bilhete amassado que nega todo o tempo passado. Em seu ventre, o útil convive com o poético, o recibo frio com a fotografia solar, o grampo esquecido com a semente de um sonho que ainda teima em não germinar.
E a mais preciosa, a que pulsa em meu ser, é a gaveta que carrega não objetos, mas a vastidão imaterial. A paciência que se perdeu em uma manhã de pressa. O perdão que foi adiado e agora espera a chave certa. As palavras doces que a timidez engavetou; E todos os infinitos que um olhar descuidado deixou escapar.
Ela se fecha, e a vida continua no exterior luminoso. Mas sabemos: o essencial está ali, resguardado no escuro aconchego, esperando o puxão suave que o trará, de novo e de novo, para a luz do nosso lembrar.
Pois a gaveta não é um fim, é um começo adiado. É o lugar onde guardamos a prova de que existimos e sentimos além do que a superfície mostra.
ChrisFonte Katz
|
|