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Crônica-Poema da Guardiã de Infinitos por Katz

 
​ Crônica-Poema da Guardiã de Infinitos

​A gaveta não é de madeira fria, é de tempo suspenso. É um recesso onde o instante, cansado de ser presente, resolve repousar e se fazer eterno.

​Quando a puxamos, com o ruído de um suspiro antigo no deslizar do trilho, não é o cacareco que salta aos olhos, mas o espectro do que fomos. Ela é a arqueologia do miúdo.

​Lá dorme a caneta sem tinta que escreveu a carta mais urgente; o botão que se soltou da roupa do amor; o ingresso de um espetáculo que já é só saudade coreografada. Há um cheiro doce, meio mofo, meio alfazema, que é a aroma inconfundível do que não se esquece.

​A gaveta é a bolsa da bruxa interior, que guarda desde a conta paga que comprova a vida adulta até o bilhete amassado que nega todo o tempo passado. Em seu ventre, o útil convive com o poético, o recibo frio com a fotografia solar, o grampo esquecido com a semente de um sonho que ainda teima em não germinar.

​E a mais preciosa, a que pulsa em meu ser, é a gaveta que carrega não objetos, mas a vastidão imaterial. A paciência que se perdeu em uma manhã de pressa.

O perdão que foi adiado e agora espera a chave certa. As palavras doces que a timidez engavetou;
​E todos os infinitos que um olhar descuidado deixou escapar.

​Ela se fecha, e a vida continua no exterior luminoso. Mas sabemos: o essencial está ali, resguardado no escuro aconchego, esperando o puxão suave que o trará, de novo e de novo, para a luz do nosso lembrar.

​Pois a gaveta não é um fim, é um começo adiado. É o lugar onde guardamos a prova de que existimos e sentimos além do que a superfície mostra.

ChrisFonte Katz


Sou Mundos!


Chris

 
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Katz
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