
A QUALQUER AMIGO.
Data 28/11/2025 14:48:17 | Tópico: Textos -> Outros
| Eia! lá se foram 45 anos que escrevi esta carta! SAUDADES DOS MEUS 15 ANOS!!
A QUALQUER AMIGO (uma carta aberta)
Cá estou. Jamais ficarei neutro sobre o que penso. Talvez esta lhe pareça atípica por não ter local, data e assinatura. Talvez lhe pareça mais um pedaço de papel escrito... arcaico demais para os nossos dias.
Quero seguir contigo a tua casa, se tiveres. Escutar teus sonhos, tua fala da vida. Aceite-me como teu filho ou irmão, sem eu ter de chamá-lo de pai ou irmão, mas de imagem.
Amigo... sei que não tens o traço do meu sobrenome e meu país só conheces em mapas coloridos. Tu, que não consomes enlatados, mas descrês em nacionalismo. Tu! conhecedor de histórias, temes a guerra, fugirás dela -, mas jamais aceitarás monarcas modernos via informática. Serás (contra nossa vontade) a fera da era atômica pelo teu livre-arbítrio, sem ser um leão trazido da selva e solto na avenida. Tu, que poder e ambição seduzem, sabes que estas não farão parte do passado, pois tens de fracasso a imperfeição e, de vitória, o entendimento.
Amigo, ainda não o encontrei, mas és minha palavra ao povo e do povo qualquer face; és o abastado e o mísero da colheita... e, se pelo pão trabalharmos a massa, outros, de outras profissões, sentar-se-ão conosco.
É, amigo... quero crer, neste teatro urbano, em alguém que estando sujo neste rio não se banhe. Quero chorar a esse alguém, mesmo que ele esteja viciado pelas contendas, mesmo que ele esteja descalço sobre espinhos, mesmo que seu lar forem estradas do nada, mesmo que babéis irônicos possam, 'neste tentar', mostrar-nos à distância, a frigidez do convencional.
Amigo, és o simples: sabes viver, conviver. Não ambicionas além da tua competência. Conheces teus limites possuindo forças para superar-se; conheces as tolices, ciente de elas serem inevitáveis para não 'encontrar-se só', ciente de elas lhe saírem do intestino; ciente de elas serem as armas de quem se esconde.
Amigo, cometestes grandes erros... mas penso que a vida pode ser feita de recomeços. Mas veja que a esperança, no desespero, é a utopia da felicidade. O que é a esperança senão a sequência daquilo que admites e queres. A esperança é inerente a nós, nasce nos primórdios do entendimento. E a desesperança começa a partir do último suspiro de um corpo que ao pó retorna. Portanto, desesperança é ficção para o eu, passageira como turbulências na natureza. Tudo é a frente, o verso e o reverso. Tudo tem seu oposto... são as leis naturais... e as sobrenaturais ficam na mente viva do oposto corpo-espírito. Tudo é... tudo tem.
É amigo... meu povo... já não pertenço mais a ele. Com uma das mãos lhe aceno; com as duas mostro-lhe a força da igualdade por serem elas o agasalho teu corpo defender, sem que me chames de pai ou irmão, de senhor, de V. Exa., quem sabe pelo pós-pão, quem sabe pela pureza anônima destas palavras normais... até impensáveis, qual uma gota incolor flutuando no mar de quem não crê em aceitação.
Amigo, por que não procurá-lo? O nada real só é nada quando o espelho não o reflete. Por eu saber, sei que é algo. Sei que os animais não possuem inteligência(?), contudo eles reconhecem seus pares, seus filhotes, seus ninhos. Reconheça-me, por mais que eu lhe pareça igual. E por que ouvir o bradar do difícil nas quatro direções, nas quatro estações, se nas quatro direções está o sentido da procura?, se nas quatro estações está a vontade?
Amigo, és o que não se embebedas para esqueceres da fera interior. És aquele que em fúria hasteas tua bandeira branca à frente de qualquer semelhante. És o que conheces muitos homens notáveis, os quais aceita-os sem invejá-los. Amigo, não me importa a tua idade, tua religião, teu grau de instrução. Vamos! divida o teu pão! E, nesta escola da vida, mostre tua cartilha, ensina-lhes tua lição.
É, amigo... existe a ilha... e o homem construiu a nau para abordá-la... contudo foi ele quem inventou a solidão. Existe a noite... e o homem copiou o Sol. Existe o olhar ao nada, o olhar para o nada... sabendo disso, já é algo.
Amigo, quero ser culto, comandar minha vontade. Se nos perdermos, não perderemos o que junto semeamos, ou talvez, o que por estas palavras tua presença ao meu alcance não se distancia. Sabes que sou tua palavra ao povo, e, do povo, qualquer face, porque és o mísero e o abastado da colheita...
Amigo, não vou omitir-me da verdade, porque por si própria ela é insegura e, só é falsa, quando minto pra mim mesmo. Talvez eu não tenha lhe dito tudo. Mas, por mais que eu diga e escreva, sempre faltará algo esperando no tempo, às vezes longo demais para nossas vidas.
Amigo, sou capaz de rir e chorar muitas vezes por um mesmo motivo e, apenas uma vez, por vários. Mas quando choro muitas vezes por um é porque minha procura nunca houve de tardar. Saiba que... a distância não apaga um pensamento, nem o pensamento escurece os olhos, nem os olhos veem a distância aumentando dia-dia...
Por isso te escrevo. Devemos conversar, conviver. Nem o tempo pode apagar esta procura. Nem esta procura deve cair no esquecimento, pois o esquecimento só tem de inimigo o não querer lembrar.
No mais, imagine-se rodando o mundo, parado. Verás meu rosto em qualquer face e seremos dois como um todo. E o todo será dois pelas casas em todas as nações.
Amigo, por que não procurá-lo? Sei que tu existes, senão eu desacreditaria em mim mesmo.
Não há a adeus ou até logo neste final, somente um 'prazer em conhecê-lo'... quero seguir a tua casa, se tiveres... escutar teus sonhos, tua fala da vida... Aceite-me como teu filho ou irmão, sem eu ter de chamá-lo de pai ou irmão, mas de imagem.
Aceite-me como a ti mesmo.
(1975, textos de minha juventude).
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