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A QUALQUER AMIGO.

 
Tags:  meus 15 anos!!  
 

Eia! lá se foram 45 anos que escrevi esta carta!
SAUDADES DOS MEUS 15 ANOS!!



A QUALQUER AMIGO
(uma carta aberta)

Cá estou. Jamais ficarei neutro sobre o que penso. Talvez
esta lhe pareça atípica por não ter local, data e assinatura. Talvez
lhe pareça mais um pedaço de papel escrito... arcaico demais para
os nossos dias.

Quero seguir contigo a tua casa, se tiveres. Escutar teus sonhos,
tua fala da vida. Aceite-me como teu filho ou irmão, sem eu ter de
chamá-lo de pai ou irmão, mas de imagem.

Amigo... sei que não tens o traço do meu sobrenome e meu país
só conheces em mapas coloridos. Tu, que não consomes enlatados,
mas descrês em nacionalismo. Tu! conhecedor de histórias, temes
a guerra, fugirás dela -, mas jamais aceitarás monarcas modernos
via informática. Serás (contra nossa vontade) a fera da era atômica
pelo teu livre-arbítrio, sem ser um leão trazido da selva e solto na
avenida. Tu, que poder e ambição seduzem, sabes que estas não farão
parte do passado, pois tens de fracasso a imperfeição e, de vitória,
o entendimento.

Amigo, ainda não o encontrei, mas és minha palavra ao povo e
do povo qualquer face; és o abastado e o mísero da colheita... e,
se pelo pão trabalharmos a massa, outros, de outras profissões,
sentar-se-ão conosco.

É, amigo... quero crer, neste teatro urbano, em alguém que
estando sujo neste rio não se banhe. Quero chorar a esse alguém,
mesmo que ele esteja viciado pelas contendas, mesmo que ele esteja
descalço sobre espinhos, mesmo que seu lar forem estradas do nada,
mesmo que babéis irônicos possam, 'neste tentar', mostrar-nos à
distância, a frigidez do convencional.

Amigo, és o simples: sabes viver, conviver. Não ambicionas além
da tua competência. Conheces teus limites possuindo forças para
superar-se; conheces as tolices, ciente de elas serem inevitáveis para
não 'encontrar-se só', ciente de elas lhe saírem do intestino; ciente de elas
serem as armas de quem se esconde.

Amigo, cometestes grandes erros... mas penso que a vida pode ser
feita de recomeços. Mas veja que a esperança, no desespero, é a
utopia da felicidade. O que é a esperança senão a sequência daquilo
que admites e queres. A esperança é inerente a nós, nasce nos
primórdios do entendimento. E a desesperança começa a partir
do último suspiro de um corpo que ao pó retorna. Portanto,
desesperança é ficção para o eu, passageira como turbulências
na natureza. Tudo é a frente, o verso e o reverso. Tudo tem seu
oposto... são as leis naturais... e as sobrenaturais ficam na
mente viva do oposto corpo-espírito. Tudo é... tudo tem.

É amigo... meu povo... já não pertenço mais a ele. Com uma das
mãos lhe aceno; com as duas mostro-lhe a força da igualdade por
serem elas o agasalho teu corpo defender, sem que me chames de
pai ou irmão, de senhor, de V. Exa., quem sabe pelo pós-pão,
quem sabe pela pureza anônima destas palavras normais...
até impensáveis, qual uma gota incolor flutuando no mar de quem
não crê em aceitação.

Amigo, por que não procurá-lo? O nada real só é nada quando
o espelho não o reflete. Por eu saber, sei que é algo. Sei que os
animais não possuem inteligência(?), contudo eles reconhecem seus
pares, seus filhotes, seus ninhos. Reconheça-me, por mais que eu
lhe pareça igual. E por que ouvir o bradar do difícil nas quatro
direções, nas quatro estações, se nas quatro direções está o sentido
da procura?, se nas quatro estações está a vontade?

Amigo, és o que não se embebedas para esqueceres da fera
interior. És aquele que em fúria hasteas tua bandeira branca à
frente de qualquer semelhante. És o que conheces muitos homens
notáveis, os quais aceita-os sem invejá-los. Amigo, não me importa a tua
idade, tua religião, teu grau de instrução. Vamos! divida o teu pão! E,
nesta escola da vida, mostre tua cartilha, ensina-lhes tua lição.

É, amigo... existe a ilha... e o homem construiu a nau para
abordá-la... contudo foi ele quem inventou a solidão. Existe a
noite... e o homem copiou o Sol. Existe o olhar ao nada, o olhar para
o nada... sabendo disso, já é algo.

Amigo, quero ser culto, comandar minha vontade. Se nos perdermos,
não perderemos o que junto semeamos, ou talvez, o que por estas
palavras tua presença ao meu alcance não se distancia. Sabes que
sou tua palavra ao povo, e, do povo, qualquer face, porque és
o mísero e o abastado da colheita...

Amigo, não vou omitir-me da verdade, porque por si própria ela
é insegura e, só é falsa, quando minto pra mim mesmo. Talvez eu não
tenha lhe dito tudo. Mas, por mais que eu diga e escreva, sempre faltará
algo esperando no tempo, às vezes longo demais para nossas vidas.

Amigo, sou capaz de rir e chorar muitas vezes por um mesmo
motivo e, apenas uma vez, por vários. Mas quando choro muitas
vezes por um é porque minha procura nunca houve de tardar.
Saiba que... a distância não apaga um pensamento, nem o pensamento
escurece os olhos, nem os olhos veem a distância aumentando dia-dia...

Por isso te escrevo. Devemos conversar, conviver. Nem o tempo
pode apagar essa procura. Nem essa procura deve cair no esquecimento,
pois o esquecimento só tem de inimigo o não querer lembrar.

No mais, imagine-se rodando o mundo, parado. Verás meu rosto em
qualquer face e seremos dois como um todo. E o todo será dois pelas
casas em todas as nações.

Amigo, por que não procurá-lo? Sei que tu existes, senão eu
desacreditaria em mim mesmo.

Não há a adeus ou até logo neste final, somente um 'prazer em
conhecê-lo'... quero seguir a tua casa, se tiveres... escutar teus sonhos,
tua fala da vida... Aceite-me como teu filho ou irmão, sem eu ter de
chamá-lo de pai ou irmão, mas de imagem.

Aceite-me como a ti mesmo.


(1975, textos de minha juventude).


Rehgge Camargo
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"o poeta absorve, filtra e exala."

 
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Rehgge
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Enviado por Tópico
Rehgge
Publicado: 28/11/2025 14:56  Atualizado: 28/11/2025 14:56
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 Re: A QUALQUER AMIGO.
parece que foi ontem!
relendo, percebi o quanto fui moldado e contaminado
pelo tempo ilusório...