
Reencontro
Data 04/12/2025 23:41:29 | Tópico: Textos
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Dizem que todo poeta guarda dentro de si uma nascente secreta — um fio de água silencioso que insiste em correr, mesmo quando o mundo parece rocha dura. Mas há dias em que até essa nascente seca. Foi assim que ele amanheceu: com a pena na mão, o papel aberto, e um deserto dentro do peito.
O poeta, perdido na própria quietude, tentava decifrar o vazio que o rodeava. Não era falta de palavras; era falta de direção. A inspiração, que antes dançava ao redor de seus dedos como brisa fresca, havia escapado pela fresta da madrugada. E naquele silêncio que só os verdadeiros criadores conhecem, ele se perguntou: onde teria se escondido sua musa misteriosa?
Ela — ah, ela. Uma presença líquida, que nunca se descreve inteira. Surgia sempre em hora inesperada: no tilintar do café caindo na xícara, na sombra atravessando a rua, no último raio dourado tocando a tarde. Era uma figura que não se explicava, apenas acontecia. E quando acontecia, inundava toda a sequidão do poeta, transformando pedra em mar, pó em semente, silêncio em canto.
Agora, contudo, ele estava sozinho. O papel continuava branco, olhando para ele com certa impaciência.
Com a pena presa entre os dedos, o poeta meditou. Tentava recordar o instante exato em que seu coração havia sido roubado. Não lembrava quando ela chegou — talvez nunca tivesse chegado; talvez sempre estivesse ali, silenciosa, entre as margens de suas indecisões. O que sabia é que, desde o primeiro sopro dela, seu peito nunca mais voltou ao formato original. A musa misteriosa moldava suas emoções como quem molda argila: com cuidado e com uma força que ele não ousava contrariar.
Quem roubou seu coração? Ele sorria, sem resposta. Talvez ninguém tivesse roubado. Talvez ele mesmo o tivesse oferecido, distraído, àquela presença de passos leves e olhos invisíveis.
A pena, que há pouco pesava como pedra, agora parecia leve. Uma gota de tinta escorreu, desenhando a primeira palavra.
E assim o poeta percebeu: a musa nunca havia partido. Apenas se recolhera para que ele a procurasse — e, nesse gesto, reencontrar a si mesmo.
A crônica, afinal, não era sobre perda. Era sobre reencontro. Sobre o instante em que a fonte volta a correr. Sobre o coração que, mesmo roubado, continua inteiro — porque ama ser habitado pelo mistério.
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