isabel

Data 13/06/2008 14:07:12 | Tópico: Textos

isabel guarda nos olhos rasgados um meio mundo de sonhos e nas pontas espigadas dos cabelos meio mundo de realidades. isabel guarda nas dobras das rugas das mãos o silêncio em tons de músicas antigas, dessas que ainda não conheceram outra casa senão o disco vinil. a roupa é velha como as pedras da calçada por onde sempre caminha, os pés tão gastos que entre os dedos guardam a subida e a descida sempre pelo mesmo lado. isabel já não cobre de palavras as rédeas da sua pele, já desconhece as chuvas num Verão acabado de começar. o passeio é dela quando se senta e olha o céu onde o azul já tremido se encolhe na menina dos seus olhos rasgados.
isabel tem passos de caracol e um sorriso que nunca conheceu meias medidas. veste tons escuros e há muito que é viúva, viúva de queixo caído num chão de cores neutras. isabel escureceu a vida com o preto dos seus olhos rasgados e nunca conheceu ninguém que lhe conseguisse destrancar o coração. trazia pendurado no coração um contrato de arrendamento.
isabel contava meia dúzia de histórias devagarinho com a mesma destreza com que cosia os retalhos de uma vida meia estragada. gostava de pescar a vida à tarde quando o sol se escondia atrás do mar. isabel regava a aurora com as suas lágrimas.
isabel guarda nos olhos rasgados um meio mundo de sonhos e nas pontas espigadas dos cabelos meio mundo de realidades.




Este texto vem de Luso-Poemas
https://www.luso-poemas.net

Pode visualizá-lo seguindo este link:
https://www.luso-poemas.net/modules/news/article.php?storyid=40744