meu querido cancro

Data 21/06/2008 11:34:26 | Tópico: Textos

e morres-me devagar, devagarinho. a cama de hospital é pequena para tanta morte e eu de braços cruzados espero com a minha vida presa na chiclete colada na sola dos meus sapatos. é um cancro, um cancro aqui ou ali, pouco me interessa que parte do teu corpo ele habitou, qual é a sua casa, pouco me interessa. é um cancro e ainda por cima é desses que são pior que chicletes coladas na sola dos sapatos, inquilinos mal comportados que gostam de se mudar de um lado para o outro sem avisarem, não pagam ao condomínio. é um cancro meu amor. conheci-te em Abril e para mim apartir de então todos os anos são compostos por doze “Abris” por isso eu não sei em que mês estamos, que tempo faz, também não interessa, é amor e todos os meses serão de amor num ano de amor para a eternidade de amor mesmo após a tua morte, meu amor.
morres-me devagarinho na fala dos enfermeiros, médicos, auxiliares, amigos, familiares, nas condolências adiantadas, nos sentires pesados. quero lá saber disto tudo, não me interessa que morras só me incomoda que te matem, meu amor eu não quero que te matem tanto quanto não quero que morras mas parece que tens a habitar o teu prédio um só inquilino safado que se recusa a sair, já fui tratar dos papéis com um advogado mas precisamos de um mandato e do jeito que a justiça está em Portugal nem daqui a três meses conseguimos um. meu amor, até lá morres-me devagarinho nesta cama de hospital onde o branco que tanto odeias toma conta das últimas recordações que de ti terei.


*este texto é dedicado a todas as pessoas que viram a sua vida ser invadida por esse inquilino safado, cancro.

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