o teu rosto é a minha casa

Data 03/08/2008 21:06:01 | Tópico: Textos

há entre os teus olhos uma curva apertada onde me espetei algumas vezes, fica-te no início da cana do nariz e ainda assim teimo em ir por lá passear, ficar até, sentada na tua testa a ver o mundo do ângulo em que sempre o viste. aqui o mundo é pequeno, consegues distanciares-te de tudo, ao ponto das pessoas serem como formigas e dos montes serem do tamanho do teu dedo mindinho. às vezes passo aqui mais de vinte e quatro horas, gosto de me recostar, aconchegar a cabeça à tua sobrancelha e ver o dia fechar pelos teus olhos, abrir pelas tuas mãos sobre a persiana e daqui a vida parece-me fácil.
com o tempo aprendi a descer-te até aos lábios enquanto dormias, gosto de te ver dormir e sentada nos teus lábios com as costas apoiadas na ponta do teu nariz ouço-te o respirar compassado, devagar, agora que o teu destino está entregue a sonhos. quando o diga chega escondo-me no teu bolso e durante a viagem por dentro das tuas camisolas a única recordação da minha presença que tens são as cócegas leves que sentes. o teu bolso esconde outro mundo, mais pequeno ainda, mais sincero, teu, esconde umas chaves com ferrugem, umas moedas pequeninas, um papel amarrotado, um anel, um anel bonito e se te não conhece-se a solidão diria que te preparas para pedir alguém em casamento.
e do teu rosto faço um lugar de sempre, um sítio a que posso chamar casa como se o teu nome já não me chegasse.



Este texto vem de Luso-Poemas
https://www.luso-poemas.net

Pode visualizá-lo seguindo este link:
https://www.luso-poemas.net/modules/news/article.php?storyid=46841