e tu, para sempre, tu.

Data 20/09/2008 21:11:38 | Tópico: Poemas

eras novo ainda, penso enquanto rasgo a tua foto,
querendo que fosses tu a rasgar-me por dentro,
não onde me rasgavas, mas de onde não te apago.

apagar a luz,
voltar a ouvir o motor sorrateiro,
pensar em ver o fogo do teu olhar,
faz com que me cresça a fome entre as pernas.

escassas horas que ficaram na eternidade morta do meu corpo,
que treme como tu tremias, quando os meus lábios se queimavam ao sol.

e o teu sorriso,
as sedas a dançar na praia,
os morangos no mel do teu quintal,
como apagar?

são tudo fotografias de um mar de memórias, bem sei.
mas pegar nas crianças, sair à rua,ver os jardins,
é matar-me, matar-me mais, como se ainda fosse possível
matar toda a vida que fizeste nascer dentro de mim.

e agora, vou fazer o jantar para o meu marido?
acariciar-lhe a impotência?
comprar a amizade das empregadas?
eram estes os sonhos que me escrevias todos os dias?

eras novo ainda, bem sei.
chegaste descalço, vestido com a cumplicidade dos gatos,
a lamber as janelas da noite da minha vida e foste o homem,
o príncipe que nunca tive.

fizeste de mim a adolescente que esquecera
e que agora voltara às tardes de paixão da secundária de cascais.

dias a contar os minutos da exacta hora do teu estacionamento
em frente ao quarto do meu corpo, encheste-o de lua cheia e partiste,
para onde as estrelas se despenham, mas continuaste a brilhar,
penso que pelo prazer de me ofuscar.

eu fugi, fugi de mim, subi ao primeiro andar e fugi para longe, durante três meses,
mas cansada de inventar ausências, procurei-te em todas as ruas, atravessei dois oceanos
só para ver os teus olhos rodeados de corpos nus e palmas, muitas palmas.

eras novo ainda, mas quando foste, levaste contigo a minha vida quase toda,
não fossem os pequenos que dormem lá em cima, o resto dela é este fogo
que vai morrendo à minha frente e só ficam, só ficaram as cinzas, e tu, para sempre, tu.


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