
Histórias de Camacupa e outras paragens da vida (1º Episódio)
Data 15/12/2008 23:25:19 | Tópico: Textos
| Vai longe e frio o tempo em que do meu jardim brotavam flores. Não fora a tempestade que levou essa pomba branca para outras paragens e seria ainda Verão no parapeito da minha janela. Era criança, brincava à chuva, mas guardo esse sonho. Assim como guardo aqueles em que a minha cama resolvia voar a meio da noite até ao alto de um prédio muito alto. Ficava furioso quando acordava antes dela bater no chão. Fica acordado cinco ou dez minutos (pareciam!) e depois tentava retomar outra vez o sonho. Em vão… Houve tempos em que a minha janela se abria para uma imensa savana africana e cheirava a catinga e a capim. E estava aquela pomba pousada, quieta no ar, pregando paz. Ora o calor, ora a trovoada dos trópicos, pintava o céu da mesma cor de um ovo de porcelana que havia lá em casa. Era nesses dias que a minha mãe resolvia evocar lembranças e passávamos tardes a ver fotografias da metrópole. Dos avós e dos tios e dos primos que conhecia mas não me lembrava. E se o meu pai saía a cortar picadas pela selva… Ah…. Então, lá íamos nós (eu e o meu irmão) dormir na caminha dos pais. E ouvíamos histórias de adormecer e de medo. Quietinhos adormecíamos à espera que o meu pai chegasse no outro dia com uma prendinha. Tomara que amanhã fosse um dia límpido. Assim podia sair pelo eucaliptal e ver os serradores de madeira e cheirar a madeira e o ar. E podia afagar a Laica, uma cadela pastor-alemão, sofrida depois de um ataque de um enxame de abelhas. Pobre. Houve um dia em que fui ao cinema. Não lembro o filme. Sei que era um daqueles filmes de cowboys em que no fim ele morre e ela casa com o cavalo! Seria? Sei apenas que o Josué, vizinho, nos levou, a mim e ao meu irmão e para não variar fomos à bulha o caminho todo. Sofreu um pouquito. Era o mais novo. Lembro também quando o Josué, me disse que o buraco pequenino, negro, que havia a meio do pano do cinema de Camacupa tinha sido fruto de um tiro de um cowboy num filme que passara quando ele era miúdo. Acreditei e esse foi o meu mal. Esta história começa a uma segunda-feira, algures por 1973 ou 1974, quando fiquei em casa doente. Negava-me a sair de casa e a ir à Escola (aliás Pré-Primária), depois de ter visto no Sábado anterior o meu segundo filme: um filme sobre a Guerra do Vietname. Confesso que nem sei bem se foi um filme ou um daqueles documentários que passavam antes do filme da sessão (a preto e branco). Fiquei traumatizado… (continua)
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