Eu amanhã

Data 08/02/2009 14:27:57 | Tópico: Poemas -> Reflexão



Antônio Antunes Almeida



Vejo-me amanhã com tuas pernas hoje vacilantes, porque os músculos cansados já não respondem ao esforço mobilizado pela vontade.

Vejo-me amanhã com teus braços hoje já sem forças, porque o desgaste natural do tempo já impossibilita à necessária destreza que a idade consome.

Vejo-me amanhã com tuas mãos hoje trêmulas e marcadas, porque à energia debilitada já não flui como antes.

Vejo-me amanhã com teus olhos hoje deficientes e opacos, porque às trilhas nervosas já desgastadas impossibilitam o trafego da luz.

Vejo-me amanhã com teus ouvidos hoje silenciosos, porque às fibras já endurecidas pela saturação do tempo não permitem as vibrações necessárias ao som.

Vejo-me amanhã com tua boca hoje repetitiva ou calada, porque os estímulos nervosos já cansados não correspondem precisamente ao cérebro também fatigado.

Vejo-me amanhã com teu rosto hoje enrugado, porque a pele desnutrida, desidratada, carcomida pelos verões da vida já não tem mais o tônus de antes.

Vejo-me amanhã na tua solidão hoje vivida, porque os assuntos já não correspondem à atualidade e as reminiscências já não interessam mais.

Vejo-me amanhã no teu leito hoje abandonado em algum asilo, porque já não produzo mais e a presença desconforta os familiares porque o assunto é repetitivo.

Vejo-me amanhã no teu catre hoje tristonho de morte, rodeado de hipócritas lágrimas, porque à hora é chegada e a média é necessária.

Vejo-me amanhã na tua campa hoje silenciosa e calma, porque as trombetas soaram e fora feito o convite à vida.

Vejo-me amanhã quando hoje olho para o alto e lá estou eu a brilhar. Iluminando com todo carinho e amor, o caminho daqueles que amei na vida terrena, para que as pedras não firam os teus pés nem os espinhos à pele, daqueles que comigo hoje cruzam calados ou me desprezam sem entender, que o carinho, a bondade e a paciência são a tríplice argamassa na construção da ponte que nos leva a Deus.



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