Memórias da Baixa Verde

Data 25/02/2009 13:17:20 | Tópico: Prosas Poéticas

(Texto construído baseado em memórias da infância. Dedicado ao amado pai e inspirado em um doce e largo sorriso)
..............................................

Quando menina, minha Mãe me mandava para o Sítio de meu Avô, Ferreira,
no mês de julho ou janeiro,
que era a época das férias e eu adorava!
Lá nas brenhas da Baixa Verde me sentia livre e faceira,
de uma ousadia pueril, dona do meu pequeno nariz.
No balanço amarrado num galho de oiticica,
que Tia Donda mandou fazer pra mim, me sentia quase vitoriosa,
e num balanço muito alto, sentia-se imperiosa.
E com o amiguinho, por quem nutria grande afeto, gritava:
- empurra bem alto, que depois te dou um abraço!
- Olha! do último galho quase passo!
Mas não me sentia satisfeita,
por mais que alcançasse os galhos, o mais alto não tocava.
Daí cansava, me enfastiava
e procurava outra brincadeira que me entretesse... acalantasse.
Tia Donda se preocupava com tamanha “precundia” e dizia:
- Lêlinha, vai lá onde tá as galinhas,
cata os ovos e traz pra cozinha, princesinha!
Vixe, aí que eu ficava amuada.
Cruzava os braços, batia o pé e até chorava...
Pois, catar ovo só se fosse das guinés, que no mato brabo botavam.
Desse jeito, difícil, era como eu gostava
Tia Donda, coitada, desistia e não brigava.
Punha um chapelão de boa sombra em minha cabeça birrenta
e assim, eu seguia toda animada naquela quentura, naquele marasmo!
Tão branca que o sol batia na pele e “alumiava”!
Incandescendo a visão de quem olhava.
E embrenhada naquele sertão, que de longe parecia miragem,
com dois quartos de hora eu voltava toda resfolegante e suada.
Trazia dois ou três ovos na mão, mais nada.
Daí entrava em casa emburrada com aqueles guinés que “me ganhavam”.
Tia Donda, coitada, não sabia como me acalmava.
“Adulava”, cantava e nada.
Resmungando baixinho – Ô criatura sem freio!
À tardinha me chamava pro asseio
e em cima de uma pedra me lavava .
- “Areia” o pés que hoje “tu foi” por demais danada!
Quando a noite caía, naquelas bandas de sertão agreste,
e no céu as estrelas despontavam,
minha Tia, Mulico e eu descíamos pra casa grande de Vô Ferreira.
Lá naquele alpendre de cimento queimado,
Vô acendia a fogueira, que logo crepitava.
Em algumas noites eu lia versos de cordel em meio a barulheira
E nossa imaginação saía em carreira desabada.
Outras noites tocavam a viola e a meninada pulava e ria...
Mas eu logo cansava,
devido à traquinagem do dia.
Tia Donda me levava no colo pra dentro de casa,
acendia a lamparina e num instante eu já sonhava...
alumiada pela tênue luz que levemente bruxuleava.
Até hoje me recordo das minhas pelejas e teimosias.
E ainda me pego amuada e de vez em quando choro ou cruzo os braços...
mas sempre sigo a tino... ganhando ou perdendo,
vou construindo significados e assim ser feliz,
porque meu caminho...eu mesma traço.



Este texto vem de Luso-Poemas
https://www.luso-poemas.net

Pode visualizá-lo seguindo este link:
https://www.luso-poemas.net/modules/news/article.php?storyid=72048