Prosas Poéticas : 

Memórias da Baixa Verde

 
(Texto construído baseado em memórias da infância. Dedicado ao amado pai e inspirado em um doce e largo sorriso)
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Quando menina, minha Mãe me mandava para o Sítio de meu Avô, Ferreira,
no mês de julho ou janeiro,
que era a época das férias e eu adorava!
Lá nas brenhas da Baixa Verde me sentia livre e faceira,
de uma ousadia pueril, dona do meu pequeno nariz.
No balanço amarrado num galho de oiticica,
que Tia Donda mandou fazer pra mim, me sentia quase vitoriosa,
e num balanço muito alto, sentia-se imperiosa.
E com o amiguinho, por quem nutria grande afeto, gritava:
- empurra bem alto, que depois te dou um abraço!
- Olha! do último galho quase passo!
Mas não me sentia satisfeita,
por mais que alcançasse os galhos, o mais alto não tocava.
Daí cansava, me enfastiava
e procurava outra brincadeira que me entretesse... acalantasse.
Tia Donda se preocupava com tamanha “precundia” e dizia:
- Lêlinha, vai lá onde tá as galinhas,
cata os ovos e traz pra cozinha, princesinha!
Vixe, aí que eu ficava amuada.
Cruzava os braços, batia o pé e até chorava...
Pois, catar ovo só se fosse das guinés, que no mato brabo botavam.
Desse jeito, difícil, era como eu gostava
Tia Donda, coitada, desistia e não brigava.
Punha um chapelão de boa sombra em minha cabeça birrenta
e assim, eu seguia toda animada naquela quentura, naquele marasmo!
Tão branca que o sol batia na pele e “alumiava”!
Incandescendo a visão de quem olhava.
E embrenhada naquele sertão, que de longe parecia miragem,
com dois quartos de hora eu voltava toda resfolegante e suada.
Trazia dois ou três ovos na mão, mais nada.
Daí entrava em casa emburrada com aqueles guinés que “me ganhavam”.
Tia Donda, coitada, não sabia como me acalmava.
“Adulava”, cantava e nada.
Resmungando baixinho – Ô criatura sem freio!
À tardinha me chamava pro asseio
e em cima de uma pedra me lavava .
- “Areia” o pés que hoje “tu foi” por demais danada!
Quando a noite caía, naquelas bandas de sertão agreste,
e no céu as estrelas despontavam,
minha Tia, Mulico e eu descíamos pra casa grande de Vô Ferreira.
Lá naquele alpendre de cimento queimado,
Vô acendia a fogueira, que logo crepitava.
Em algumas noites eu lia versos de cordel em meio a barulheira
E nossa imaginação saía em carreira desabada.
Outras noites tocavam a viola e a meninada pulava e ria...
Mas eu logo cansava,
devido à traquinagem do dia.
Tia Donda me levava no colo pra dentro de casa,
acendia a lamparina e num instante eu já sonhava...
alumiada pela tênue luz que levemente bruxuleava.
Até hoje me recordo das minhas pelejas e teimosias.
E ainda me pego amuada e de vez em quando choro ou cruzo os braços...
mas sempre sigo a tino... ganhando ou perdendo,
vou construindo significados e assim ser feliz,
porque meu caminho...eu mesma traço.


o mais importante não se conta, se constrói com o não dito, com o subentendido, a alusão”. (Piglia)[/color][/color]

 
Autor
Maria Verde
 
Texto
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Enviado por Tópico
TRIGO
Publicado: 25/02/2009 13:32  Atualizado: 25/02/2009 13:32
Colaborador
Usuário desde: 26/01/2009
Localidade: Cabeça-Boa - Torre de Moncorvo
Mensagens: 2309
 Re: Memórias da Baixa Verde
Olá

...eu lia versos de cordel em meio...

Muito lindo

Beijinhos

Trigo


Enviado por Tópico
Marcelo
Publicado: 25/02/2009 15:14  Atualizado: 25/02/2009 15:16
Super Participativo
Usuário desde: 02/02/2009
Localidade: ARUJÁ (SP)
Mensagens: 104
 Re: Memórias da Baixa Verde
Olha!! dá gosto ler o seu texto, não há como não deliciar-se com esta estória vossa, você conta com maestridade e autoridade de uma inocência destacada, tem a inteligência de cruzar palavras simples e alfabeto rico, só posso te dar os parabéns, e dizer que meu deu vontade de voltar ser criança, em Portugal e porque não no sítio de seu avô... felicidades minha cara poetiza...
abraços do poeta Zacarelli.


Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 25/02/2009 15:29  Atualizado: 25/02/2009 15:29
 Re: Memórias da Baixa Verde
Antes de sair para trabalhar ( não sei porque inventaram que se tem q trabalhar depois do almoço na quarta-feira de cinzas rss,) não poderia deixar de passar aqui e dizer da beleza do seu texto. Lindo! Não há sorriso q não se abra ao lê-lo, ainda mais vendo que se inspira tambem num "doce e largo sorriso"!!!
Parabéns
Dill


Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 25/02/2009 16:32  Atualizado: 25/02/2009 16:32
 Re: Memórias da Baixa Verde
Ah, Maria!Que delícia de texto!Lembrou-me julhos e janeiros da minha infância na casa da minha avó materna.Quantas saudades...Obrigada por proporcionares tão lindas recordações!
Bjins, Betha.


Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 25/02/2009 17:24  Atualizado: 25/02/2009 17:24
 Re: Memórias da Baixa Verde
é tão bom termos memória e poder lembrar tudo que vivemos e de bom que passamos. quando somos criança, pensamos que podemos tudo. como é triste crescer e saber que não. mas é bom saber que temos o direito de escolher e mudar nosso caminho. gostei muito. bj


Enviado por Tópico
Hisalena
Publicado: 25/02/2009 23:01  Atualizado: 25/02/2009 23:01
Membro de honra
Usuário desde: 30/09/2007
Localidade: Leiria
Mensagens: 734
 Re: Memórias da Baixa Verde
Um belo texto. É bom recordar a nossa infancia, os momentos em que fomos felizes, os alicerces que fizeram de nós o que somos hoje.
Deu vontade de voltar a ser menina!


Enviado por Tópico
Garrido
Publicado: 01/03/2009 16:07  Atualizado: 01/03/2009 16:07
Muito Participativo
Usuário desde: 26/04/2008
Localidade: PORTO / AVEIRO
Mensagens: 94
 Re: Memórias da Baixa Verde
Traçar o caminho, escrevê-lo amorosamente... Obrigado por partilhar as pelejas e teimosias da sua infância.