QUANDO O FRIO VEM DE DENTRO

Data 16/04/2009 20:03:33 | Tópico: Crónicas

QUANDO O FRIO VEM DE DENTRO


O tempo está frio e o céu de chumbo. Só no Poente uma franja longa e esguia deixa espreitar o vermelhão do Sol que vai já longe no Atlântico. É a noite a entrar tarde dentro, que é Inverno.
Em casa não está ninguém. Está gélida como o tempo que faz.
Abandono-me no sofá, frente à televisão que desisto de ligar.
Embrulho-me no robe e decido-me a encarar de frente toda a verdade que impregna o frio que nesta hora me enche a casa, numa estranha necessidade de agarrar em toda a sua crueza a solidão que me cerca – também ela gelada.
O robe bem cingido ao corpo para esconjurar o frio, disponho-me a dialogar com ela – a solidão.
O olhar poisa aqui e além. Neste móvel em que o gosto dela foi decisivo, naquele bibelot que materializa a gratidão dum aluno, naquela pequena foto que marca um instante precioso de uma Era que já não “é”, que passou devorada por esse Tempo implacável, que por nada nem ninguém tem contemplação.
Os olhos, sinto-os húmidos. Mas as lágrimas jorram mais no coração.
Deixo que eles se me fechem como que para melhor me embrenhar no mundo do meu drama pessoal, mas em que há uma réstia de estranho fascínio, como que a avalizar o sentido das coisas, a possível razão de ser do próprio sofrimento.
Talvez embalado nessa etérea franja de “claridade”, adormeço, e por cinco longos minutos a minha mente voga por acalentadores e reconfortantes mundos.
Acordo com a alma mais quente, parece mesmo que está menos frio e, num repelão, tiro o robe e apresto-me para o mundo. Neste instante preciso de me misturar na multidão.

Antonius



Este texto vem de Luso-Poemas
https://www.luso-poemas.net

Pode visualizá-lo seguindo este link:
https://www.luso-poemas.net/modules/news/article.php?storyid=78678