O ciclo fecha-se sempre

Data 05/06/2009 22:06:51 | Tópico: Textos

Eram quatro mulheres, todas de vestes pretas, as que toldavam a vida aldeã. Juntavam-se umas às outras, tais siamesas e faziam os oito braços dançar em movimento ondulante a apontar para as nuvens. Urravam, gemiam, ululavam e atiravam um sem número de sons feridos para o ar.
Dos aldeãos, o estarrecimento. O medo embruxado caía doido sobre casas, ruas e gente.
Eram quatro as mulheres que auguravam desgraça e destino. Não tinham nome, só aquele que, os cordeiros, lhes davam em surdina no meio dos afazeres desconfiados. Eram quatro mulheres inomináveis que sabiam voar no pensamento.
Na azáfama diária, com as pilhas de cortiça, vinha sempre o peso das picadelas das vespas. As vespas faziam-se maldição e, por certo, eram enviadas pelas quatro malfazejas. Cruz em que sangrava o dia por muitos cravos espetados. O rebanho curvado continuava, ainda em duas pernas. Os joelhos esfolados ainda resistiam ao peso e ao chão.
Eram quatro mulheres elegantes e formosas, travestidas de maldição e de dentadas de cão.
Das gentes, em certo dia sem nuvens, em dia de adormecimento do chicote, levantou-se alguém que, por resquícios de vontade, cantou. Cantou de forma sonora e com melodia. Cantou como se, desde sempre, fosse canoro. Cantou e outros ouviram e outros cantaram num coro violento que soava poderoso. Cantaram todos a encher o peito num jeito quase habitual e feliz.
Eram quatro mulheres e ficaram em silêncio, guardadas na concha mais fechada. As aldeãs gentes acabariam por se cansar afinal eram fracas e desorganizadas. Eram quatro mulheres unidas e, assim que o povaréu se calasse, voltariam a sobrepor-se.
Continuavam a cantar.
Continuavam a aguardar.
Continuavam a cantar sem que ninguém se calasse.
Continuavam a aguardar, sabendo que se iriam calar.
Calaram-se alguns. Outros, sem dor na voz, continuaram.Trabalhavam sem sentir as ferroadas. Alguns voltaram a cantar e os outros alguns calaram-se.
Sem rigor mas intuitivamente foram-se revesando, como que num assomo de necessidade.
Eram quatro, as mulheres que fugiram com a fome de medo e subjugação, insaciada.
As gentes continuaram a cantar mesmo depois de livres. Mais tarde, daquela liberdade, outras quatro mulheres nasceriam ainda inocentes.
No fim, esqueceram-se do inicio e lá voltou tudo.

MJMS



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