O baile de máscaras

Data 18/06/2009 22:28:13 | Tópico: Textos -> Outros

Há um estranho misterioso, sentado naquela poltrona de veludo grená, ao canto, junto da janela de vidraças foscas, que lhe reflectem a sombra.

Chegou com pézinhos de lã sem que ninguém desse por isso e após um breve olhar em seu redor, logo se acomodou no melhor lugar que encontrou vago no salão onde desfilam todas as vedetas do momento. Silencioso, de olhos semi-cerrados, observa-as sem ser notado graças à pouca luminosidade existente naquele canto obscuro da sala...

É vê-las nas suas bizarras fatiotas. Todas elas muito produzidas em espampanantes figuras de arrasar qualquer rival que ousasse atravessar-se no seu passeio de fama. Elas não sabem ainda, mas é tão efémero quanto fatal, aquele jogo de sedução e competição em que entraram a partir do primeiro passo que deram ao transpor a porta para o lado de dentro do salão. Agora são as peças de um jogo viciado e ao mesmo tempo viciante, mas que dura apenas o tempo que os jogadores conseguirem aguentar as máscaras que ostentam no rosto e que lhes oculta a verdadeira face.

Algumas, são mais sabidas, pois que já são por demais batidas naquele soalho do velho salão de festas, que as conhece de gingeira. Trazem indumentárias antigas, de épocas já passadas. Conheço-lhes o cheiro de naftalina entranhado nos fios do tecido envelhecido, ainda que esteja bem dissimulado com o famoso channel nº 5, quase tão antigo quanto elas.
Acotovelam-se as damas de olhares invejosos que se adivinham por detrás das máscaras. Pisam-se as caudas dos vestidos...

E o vulto daquele homem misterioso e silencioso, permanece sentado na velha poltrona de veludo grená. De perna traçada e de charuto que segura entre os dedos de uma das mãos, lá vai largando de vez em quando algumas baforadas de fumo em argolas que se dissipam no ar saturado de outros cheiros que se vão misturando com a música saída das mãos de um tocador que pisa com genica as teclas de um cravo antigo.
Segura também, um sorriso malicioso nuns lábios bem desenhados, mas que ninguém vê, pois que o jogo prossegue animado no centro da sala onde tudo vale, onde tudo acontece...

Os risinhos das meninas efusivas e estreantes destas andanças, os cochichos das comadres, as estridentes gargalhadas dos cavalheiros que embora ligeiramente afastados em pequenos grupos, lá vão deitando o olho de soslaio em direcção ao das jovens damas esganiçadas, que se arrepelam por uma dança...

E tudo isto é observado daquele canto estratégico e obscuro da sala, tão discretamente como o é a presença do estranho que ninguém viu entrar, mas que fuma um charuto e vai bebericando de um balão, um gin que leva à boca de quando em vez. Descontraído, aquela estranho misterioso que parece invisível, dissimulado na sua própria sombra, diverte-se com todo aquele teatro do reinado do faz de conta.


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