Marcas e ciscos

Data 11/08/2009 15:49:51 | Tópico: Prosas Poéticas

De forma mecânica toquei meu antebraço e olhei as marcas roxas. Tremo e sinto a pulseira de pedras gelar e machucar as marcas dos dedos... Abraço-me. E me protejo do gelo da mesquinhez pintada de remorso gentil. É tão fácil ver! Mas não vemos. É como a água que tomamos todos os dias sem olhar para ela, apenas degustando e matando a sede recorrente, até que um dia, ao pousar a vista na água translúcida percebemos um cisco, um germe. Uma hesitação entre beber e não beber... se não beber? Um frouxo arrependimento de incerteza martelará a nossa mente: germe ou apenas cisco? Algo ergue o nosso braço e bebemos a água em grandes goles, limpando os lábios com as costas das mãos. Engasgamos. Tossimos. Mas engolimos... Porque morreremos sem ela(e)?
Furtamos uma alegria vã na falsa saciedade. É como tomar uma laranja linda nas mãos, que ao abrir os gomos, está ressequida, não tem sumo. Se a mentira, a traição, a farsa, o incêndio descoberto na água, não abortam a sede, qual punhalada ainda falta? O amor não se funda em um corpo, nem na cor dos cabelos, nos gestos... Ama-se primeiramente a idéia de amar, a emoção suspensa, qual respiração embaixo d’água. Na incompletude humana, alguns iniciam uma busca eterna onde nenhum “ser” irá satisfazê-los. Andarão em umbrais libertinos, sugando tetas de todas as espécies, com todas as portas e janelas abertas, infestando a casa de anjos e demônios inconexos... As marcas no antebraço estão amarelando, a pele voltará à sua cor natural.





Este texto vem de Luso-Poemas
https://www.luso-poemas.net

Pode visualizá-lo seguindo este link:
https://www.luso-poemas.net/modules/news/article.php?storyid=94313