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Re: Poesia sem poetas?

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29/1/2015 10:19
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Caríssimos.

Acerca do que se comenta sobre a I.A., percebo antes demanda por conteúdo básico do que efetivamente substituição do humano. Na fotografia, I.A. é utilizada para a edicção automática de instantâneos e mesmo quando é calibrada para obter resultados "artísticos" não alcança a complexidade da obra humana. É apenas "correta". Muita I.A. tem sido utilizada nas artes plásticas para gerar imagens de rápido consumo e muita tradução capenga inunda as páginas da web para transmitir informações rápidas-mas-superficiais. Se os poemas escritos por I.A. parecem relevantes é antes pelo olhar do leitor do que pela profundidade de arrazoados e efeitos de linguagem que obtém.

I.A. é importante porque nunca se consumiu tanto conteúdo em texto, imagem e som.

Há mais consumidores de conteúdo espalhados pelas redes sociais do que ideias e sentimentos a transmitir honestamente.

A arte de escrever em versos deve atrair menos atenção dos programadores de I.A. do que as áreas que mencionei, mas mesmo que eventuais escritores de última hora recorram à I.A. para desembolar uns versinhos para a namorada ou votos para uma cerimônia de casamento, nada de novo isso seria. O mesmo em se tratando de escritores profissionais que passam para aprendizes ou pupilos as encomendas que não têm muita paciência ou motivação em atender. Muita coisa se escreve para eventos e só tem valor n'aquele instante. Posso parecer pedante, mas sempre me repugnaram versos de ocasião. Jamais escrevi porque tinha-de escrever — poesia, ao menos — mas entendo que muitos não tenham ou não queiram ter essa escolha.

Para muitos, a motivação do dinheiro é essencial para sua arte. Trabalhei muitos anos com uma fotógrafa que era sobretudo motivada em sua arte pelos contratos que firmava. E havia arte legítima ali, no sentido de que a intenção de promover transmissão de ideias e sentimentos acontecia e causava impacto sobre o apreciador daquela fotografia. O uso da I.A. no trabalho dela ampliou exponencialmente sua produtividade e penso ser por isso que a I.A. seja tão sedutora.

Em arquitetura, o mesmo acontece. Muitas das etapas do projeto acompanhavam o desafio de representar o edifício em desenho. Com a I.A. desenvolvendo a ideia básica do arquiteto e gerando automaticamente uma infinidade de desenhos, o processo criativo muda e fica concentrado na ideia original. A produtividade aumenta muito, mas a capacidade de "amadurecer" a ideia original se torna rarefeita. Tendo a ver muita arquitetura audaciosa mal resolvida por esse método produtivo, mas não tenho dúvidas que talvez tenha de ser assim mesmo, em vista da grande demanda de trabalho que se cria diariamente em tudo o que fazemos.

A poesia, portanto, se salva da I.A. por sua desimportância econômica. Há mais gente escrevendo poesia do que gente pagando por poesia, ao contrário da fotografia e das artes plásticas ou mesmo dos roteiros de historinhas promocionais que encaramos o tempo todo nas redes sociais. Não lamento que a reportagem de uma fofoca seja escrita por uma máquina. Se é quase irrelevante, para quê ocupar uma pessoa com a redação de um texto de 3 frases?

Na verdade, frequentar sítios como o lusos se torna mais interessante como uma ilha de humanidade cercada por oceanos de produção escrita imediata.

Se fizerem poesia sem poetas também no lusos, acredito que os livros de poesia dos séculos passados ainda devem nos alertar sobre o carácter personalíssimo da escrita em versos.

É isso.

Abraços, RicardoC.

Criado em: 8/8/2024 12:37
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Re: Livros favoritos - "As Cidades Invisíveis", de Italo Calvino

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29/1/2015 10:19
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Compartilho contigo, caro Benjamin, a admiração por esse livro tão singular. Compilar narrativas fantásticas a partir da também fantástica viagem de Marco Polo foi de uma felicidade rara dentre as muitas que Ítalo Calvino nos presenteou com sua obra.

Também sempre trago para minha reflexão sobre a impossibilidade da felicidade humana o singelo quadro da cidade dupla, supra e subterrânea, onde os mortos têm uma existência tão distinta quanto possível de sua vida real. Penso que tais subterrâneos sejam também os nossos subconscientes onde as fantasias inconfessáveis e os sonhos irrealizáveis são fruídos intimamente. Que narrativa simples e profunda a um só tempo, não é mesmo?

Oxalá Cidades Invisíveis continue sempre nos inspirando a amar o ser humano e sua diversidade!!

Grande abraço, RicardoC.

Criado em: 22/11/2023 22:40
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Re: Comentário a "A VERDES", de RicardoC

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29/1/2015 10:19
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Caríssimo, li com grande alegria o apanhado de tua leitura atenta de meu trabalho. Muito me honra a atenção com que me distinguiste, bem como a profundidade com que me lês.

D'um modo ou d'outro, acredito que a poesia possa promover o encontro de sensibilidades, mesmo em oceanos de dados digitais como essas páginas do Lusos.

Muito bom ter acontecido!

Muito obrigado mesmo!

Abraços, RicardoC.

Criado em: 19/4/2023 14:32
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Re: Comentário a “Ecdise” de MarysSantos

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29/1/2015 10:19
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Comentário ao poema ECDISE e ao comentário

Concedo: O título é extremamente poético e acertado. Trazer do fenômeno metamórfico da larva do bicho-da-seda a ideia de trocar de casca sem se perder a essência é, sem dúvidas, uma imagem muito rica em si. Traz toda a poesia a simples palavra.

À luz do fenômeno evocado pelo título, contudo, o verso dos casacos se bastando para um abraço sem corpos — algo surreal, à primeira vista — sugere-me antes a transitoriedade da casca do que qualquer ideia de autossatisfação solitária. Penso n'um paralelismo, a saber: o exoesqueleto do bicho-da-seda está para o ser humano assim como casaco que o cobre. Mesmo sem os corpos, guardados em contacto, casacos lembram o carinho que já houve.

Abraços entre roupas não são inéditos. Penso em Chico Buarque "Se na desordem do armário embutido / Meu paletó abraça teu vestido ..." Sugerem um quê de abandono, mas também de intimidade, como se as roupas, às ocultas, também tivessem seus jogos afetivos de segunda pele. Fantasias do olhar humano a se projetar sobre as coisas... Enfim, poesia.

Não obstante, a sequência parece cortar o devaneio intimista do leitor com uma explicação objetiva, afinal, cada casaco tem uma função: um aquece e outro protege. Talvez a escritora os vista ao mesmo tempo, não sei... Um pode ser felpudo; o outro, impermeável... Pode ser. O facto é que têm uma razão de ser prosaica esse abraço, não a recordação amorosa da letra da música de Chico, por exemplo. Os casacos estão juntos porque costumam ser usados juntos. Ambos conformam o exoesqueleto a ser deixado de lado quando o eu-poético se despe.

Nudez que, aliás, se concretiza na última quadra. Sim, abandonados os casacos, a pessoa conquista outras peles (novas roupas? faz mais resistente a própria pele nua?) para se revestir protegida.

A metamorfose se completa: O exoesqueleto é deixado de lado e o tecido subcutâneo exposto cria casca.

Embora um poema curto, deixa uma ideia feliz de que estamos sempre em transformação.

No demais (como recria, à guisa de conclusão, a autora) agradeço ao caríssimo Rogério Beça a leitura atenta que me atraiu para esse primor de escrita da nossa MarysSantos. Dentro do oceano de palavras do Lusos, é bom seguir os percursos de nautas sensíveis a descobrir tesouros na vastidão.

É isso.

Grande abraço a Rogério Beça e palmas a MarysSantos.

RicardoC.







Criado em: 19/4/2023 12:03
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