Apr.: "Angústia, Razão e Nada", Henrique Pedro
Membro de honra
Membro desde:
17/7/2008 21:41
Mensagens: 2207
Camaradas,
Como já bem sendo hábito, abaixo insiro o texto que serviu de base à apresentação de: "Angústia, Razão e Nada”, de Henrique Pedro (Temas Originais, 2009), que ocorreu no Ateneu Comercial do Porto, no sábado, dia 19 de Setembro de 2009.
Na expectativa que este meu texto sirva de aperitivo para a leitura integral deste excelente livro, um abraço
Xavier Zarco




Muito boa tarde.

Conheci hoje pessoalmente o autor de: “Angústia, Razão e Nada”, o Henrique Pedro. Embora já virtualmente o tenha descoberto, melhor, tenha descoberto o seu registro poético há já uns bons tempos. Foi, aliás, um dos primeiros autores que a Fortuna me trouxe aquando da minha entrada no Luso-Poemas.

Com o passar do tempo, habituei-me à sua presença constante nesse sítio da Internet e na sua também constante presença na minha leitura.

Como homem pouco ou nada posso dizer, mas como autor de livro, no sentido de obra de corpo íntegro, aí já me é possível, não só dizer para onde e por onde me levou este seu novo livro, mas também especular um pouco.

É um autor que edita desde 2001, o que pode significar o aguardar pelo tempo certo para a edição. Já na casa dos cinquenta anos, talvez o tempo da possibilidade de uma interpretação da relevância de todas as coisas do mundo, ou como diz o poeta:

As pirâmides de Gizé são meras bolhas de espuma
Se comparadas com os penedos paleozóicos de onde foram extraídas
E estes não passam de insignificantes grãos de poeira cósmica


Foi necessário então esperar para que a vida proporcionasse a exacta mesura do mundo para que o livro nascesse. Desconheço se, na altura, já estaria de regresso à terra onde nascera: Vale de Salgueiro, mas desconfio que sim.

E digo-o porque agora, em 2009, volvidos oito anos após a primeira publicação em livro, neste seu volume, que compreende poemas de 2005 a 2009, respira-se um caminho de pátria, no sentido de casa, de lar pelo que, o livro de 2001, intitulado: “Poemas da Guerra de Mim e de Outrem”, pela relevância que encontrei no título que hoje se apresenta: “Angústia, Razão e Nada”, só poderia ser organizado aí, em Vale de Salgueiro, em solo pátrio, em casa.

Naturalmente que é uma especulação. Mas não é a poesia a arte que melhor lê o mundo? Não é ela que é cantada? Não é ela capaz de nos abrir escancaradamente as janelas da alma? Especulemos então, mas desta feita em torno deste seu novo livro porque do homem, do autor pouco mais posso acrescentar para além disto, que é escasso, bem sei, ou da nota inserida na contracapa deste seu novo título.

Na sua dissertação de mestrado, Ivana Pinto Ramos menciona o seguinte:

O título funciona (...) como forma de exteriorização e democratização do texto

Citando Maria Augusta Babo, acrescenta:

É que o título é uma etiqueta; o título é o nome próprio do livro. Espacialização e exteriorização são pois dois modos de sociabilização, senão mesmo de dessacralização e democratização do texto.

Continua, afirmando que

O espaço privilegiado, ocupado pelo título, propicia ao autor uma articulação ideológica, que incita o receptor em potencial a ler o texto, transformando-o em leitor. Assim, o título impõe significações com o intuito de valorizar um objeto ou um sujeito existente no texto.

Fim de citação.

No caso em concreto, Henrique Pedro, mais do que atribui o tal nome próprio pelo qual o seu livro será distinguido no meio, digamos assim, da multidão.

Após a leitura, mas sobretudo na releitura, encontrei nele como um reflexo da própria alma do livro. Alma no sentido do que proporciona o movimento. São portanto estes três elementos – ou potencialmente; o pulsar do coração deste seu livro, o que marca a sua caminhada pelas palavras.

É curioso porque neste volume, angústia aparece-me quer numa visão próxima do pensamento de Schopenhauer, em que viver basicamente tem como fundamento o próprio sofrimento, leia-se, por exemplo, o poema “Infinita eternidade”, onde o poeta afirma, e passo a citar:

Em função da angústia
E do sofrimento que sinto por mim a dentro
Em infinita eternidade


Como, também me surge sob a visão de Jean-Paul Sartre, em que a angústia surge ao homem no exacto instante em que este se apercebe da sua condição de ser livre, melhor da sua condenação à liberdade. Na voz de Henrique Pedro, e cito:

Sou livre de espaço e de tempo
Não tenho Sul nem Norte


Mas a angústia neste livro, tem para mim o efeito de catalisador de catarse. Ou seja: o poeta, tornando-a racional, note-se que razão é o segundo elemento do título, liberta-se do sofrimento, ou, pelo menos, apazigua-o através da arte, muito aliás na linha do que refere o filósofo alemão Friedrich Nietzsche, sobretudo quando se debruça sobre a tragédia grega.

E esta referência a Nietzsche não é inocente. Com ela fazemos a ligação entre a angústia, a razão e o nada, o niilismo. Como se tudo o que fizéssemos, todo o empenho colocado à demanda do significado das coisas do mundo fosse inútil. No fundo, como escreve Henrique Pedro:

Na Terra não passo de um proscrito
De um condenado à morte


Mas é, neste passo, o do Nada, que o poeta reverte a questão. Este Nada, no meu entender, é exactamente o reverso da moeda. E esse pormenor levanta em mim a questão do por quê da inserção no título do signo Nada. Será que a angústia, a demanda de um significado, de uma justificação, se é que esta palavra aqui deva ser utilizada, através dos mecanismos da razão conduzem a algo? Será que a razão conseguirá destrinçar este estado?

Diz o poeta o seguinte:

Lembro-me apenas de ter perdido a memória
Perdi Ciência
Ganhei Consciência


Talvez resida aqui, neste terceto, a resposta. Se a angústia for analisada pela via racional, isto tendo em consideração as diversas propostas que o pensamento filosófico a esta condição nos oferece, o resultado final seria para o Homem o nada. Mas o poeta afirma, tal como citei: “Perdi Ciência”.

Há então necessidade de procurar algo que não esteja dependente da razão. Este Nada é algo de diverso. Representa, usando dois versos de Henrique Pedro, são, e cito:

coisas de dentro de ontem fora do tempo
de entre Alfa e Ómega


E, apesar das palavras, Alfa e Ómega, estarem maiusculadas, arrisco-me a dizer que significam, não o princípio e o fim, mas o nada e o tudo, o caos e a ordem.

Portanto, acima da razão para a compreensão da angústia, só uma das chamadas virtudes teologais: a Fé. Citando São Tomás de Aquino:

(...) quanto à inteligência [leia-se aqui: Razão] são acrescentados ao homem certos princípios sobrenaturais que somente podem ser compreendidos pela luz divina. Estes são os mistérios da fé, para os quais é a virtude da fé.”

Fim de citação.

Aliás, poucas páginas após o início do livro, o poeta traz-nos um verso lapidar, o qual nos indicia que há caminho para além do caminho propriamente dito, aquele onde gravamos os passos, digamos assim, concretos. E esse verso é o seguinte:

Fico dependurado no Cristo que trago preso ao peito

Cada um leia este Cristo, que nos surge também maiusculado, e que está junto ao peito, isto é: ao coração; como entender. É um signo, um ponto de partida para uma extraordinária viagem, a viagem que só cada um de nós pode empreender: a da descoberta do que cada coisa no mundo em nós representa. Por mim, faço minhas as palavras do poeta:

Que outro César me poderá poupar à morte
Senão o Amor
Que me condena a amar...
E a morrer
... Devagar!?


Obrigado.

Criado em: 20/9/2009 10:55
Transferir o post para outras aplicações Transferir


Re: Apr.: "Angústia, Razão e Nada", Henrique Pedro
Colaborador
Membro desde:
17/9/2007 20:42
De Barreiro
Mensagens: 1273
Confere. Abriste-me o apetite para ler o livro do Henrique. Um excelente poeta aqui da nossa casa.

Parabéns Henrique por este livro. Creio que vai ser um sucesso, tal como mereces


Pedra de Toque

Criado em: 20/9/2009 11:38
_________________
Stone
***********

Pedra Filosofal
O sonho comanda a vida...


http://stoneartportugal.blogs.sapo.pt/
Transferir o post para outras aplicações Transferir







Links patrocinados