Apresentação do livro: “Para além do tempo”, de José Ilídio Torres
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17/7/2008 21:41
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Camaradas,
Partilho convosco o texto que serviu de base para a apresentação do livro: “Para além do tempo”, de José Ilídio Torres (Temas Originais, 2010) na Biblioteca Municipal de Vila Verde, a 26 de Março de 2010

Um abraço
Xavier Zarco






Muito boa noite.

Pela segunda vez tenho a tarefa de apresentar um livro do José Ilídio Torres. E faço-o com um grande prazer, isto porque é um autor que aprecio. Um autor que veste através da internet a pele de polémico e rezingão.

Por vezes, imagino o anão da Branca de Neve sentado frente ao monitor do seu computador a observá-lo, atentamente, e dizendo para os seus botões: “este Torres vai longe, um destes dias contrato-o para meu duplo”.

E isto é mesmo verdade.

No entanto, o autor de livro, quer no caso do “Diário de Maria Cura”, mas sobretudo neste “Para além do tempo”, despe-se da polémica (não no “Diário de Maria Cura”, onde o tema é, pela nossa visão do mundo, polémico) e deixa também de ser rezingão.

No livro que hoje nos traz aqui, José Ilídio Torres leva-nos ao Minho, ao coração simbólico, lendário e vivenciado do Minho.

Esta dimensão regionalista, opção que foi também linha primordial de outros grandes contistas portugueses como, por exemplo: Manuel da Fonseca ou Miguel Torga; tem a capacidade quase diria metonímica, de transnominação, nomeando os espaços como se nomeasse o mundo, sobretudo porque a sua forma de escrita, tal como refere no excelente prefácio a esta obra Luís Manuel Leite Cunha, está contaminada por “momentos de verdadeira prosa poética” e o signo poético tem essa capacidade de transcender o valor comummente atribuído à palavra.

Há poucos dias na apresentação de um outro título da Temas Originais, citei Luís Sepúlveda. Volto aqui a fazê-lo. Este autor afirmou o seguinte:

Em certo sentido, toda a minha literatura tem sido uma grande homenagem à memória, que é, ela própria, uma forma de ficção. Nunca conseguimos reproduzir as coisas exactamente como elas foram. Quando recordamos o que se passou ontem, já estamos a ficcionar.

Fim de citação.

José Ilídio Torres, ao recolher para a sua memória as impressões do que e dos que o rodeiam, burila-as, como no processo alquímico, para a transmutação que aqui nos lega.

Como afirmei em Braga sobre o que considero ser o mister do escritor, José Ilídio Torres, escreve porque tem memória e porque quer legar aos outros memória.

E fá-lo numa perspectiva heideggeriana, ou seja, como escreve este filósofo alemão no seu livro: “A origem da obra de arte”; e passo a citar:

Embora a obra só se torne real na realização da sua criação e, assim, dependa desta na sua realidade, a essência da criação depende da essência da obra.

Fim de citação.

Por outras palavras, José Ilídio Torres funda o seu acto de escrita na escrita da voz que escuta. Furta ao tempo colhido pelos seus passos as faces, os gestos e as palavras com que enforma cada um destes seus contos.

No fundo, pergunto: que outra mulher o fazedor de arte encontra, perde e procura, senão uma de nome Helena, tal como a de Tróia?

O que procura aquele que molda as palavras senão a sua Margarida, dona das mais belas palavras, aquelas que só no silêncio habitam?

Citando José Ilídio Torres: “contei como me contaram”, volto a perguntar: o que contamos para além do que nos contaram e assim resgatamos ao olvido o que contamos?

O que se procura, enfim, não será o mesmo que Mariquinhas descobre em Alberto?

Para concluir, “Para além do tempo”, pela sua concisão, pela fórmula aplicada pelo autor na construção das narrativas, pelo ritmo que nos mantém despertos e presos à leitura até ao desenlace de cada história, é, sem dúvida, um livro que merece a atenção.

Obrigado

Criado em: 28/3/2010 18:15
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