Prefácio do Livro «Para além do tempo» de José Ilídio Torres, por Luís Manuel Cunha
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Prefácio

Foi Roland Barthes quem afirmou que a narrativa se identifica com a própria vida, daí decorrendo o seu carácter documental e sociológico. Através dela, o escritor assume-se pela linguagem numa relação com o leitor através de um universo comunicacional em que o texto se torna veículo de saberes, de ideologias, de crenças, de experiências humanas vividas ou ficcionadas.
Vem este parágrafo a propósito de introduzir um texto necessariamente curto que servirá de prefácio a um excelente livro de contos, genericamente intitulado “Para além do tempo”, da autoria de José Ilídio Torres, um jovem escritor já com provas dadas em outras áreas da escrita.
De indiscutível pendor literário, não raramente documentado em momentos de verdadeira prosa poética, os contos desta colectânea revelam claras reminiscências populares, através de acções centradas em personagens invulgares, sobretudo femininas, onde o ritual mágico do maravilhoso reenvia o leitor para um universo muitas vezes simbólico e fantástico com acentuadas influências das tradições dos contos populares.
Aliás, essa dimensão simbólica ficcionada começa desde logo no próprio título – “Para além do tempo”. É pois para além do tempo real, cronológico, na sua irreversibilidade, na sua inexorabilidade imparável, que as personagens destes contos procuram recuperá-lo, num anseio impossível mas sempre perseguido de o superar, seja na busca do mito inalcançável da “eterna juventude” (“Zé Tempo”), seja plasmando-o imagisticamente num “belo rosto de mulher sorrindo para além do tempo” (“As mãos de Helena”), seja no anseio de tudo abranger numa espécie de sonho mítico de um tempo único abrangendo todo o passado e todo o presente numa espécie de tempo sem tempo (“Dèjá vu”), seja reinventando-o numa dialéctica vivencial passado / presente à procura do tempo perdido, como diria Marcel Proust, evidente na personagem Mariquinhas, “uma mulher que sabia domar o tempo” (“A velha senhora dos gatos”), seja ainda associando-o à morte para, logo a seguir, a superar, reafirmando a vida numa espécie de transcendência mágica de “milagre” fantástico (“A estranha história de Júlio Chuva”).
A esta pluralidade simbólica da dimensão do tempo associam-se alguns signos recorrentes ao longo da obra, também eles semanticamente ligados à imagística temporal, sobretudo a água - fonte de vida, meio de purificação, centro de regenerescência… Porque é esta vida, esta purificação, esta regenerescência que se procura recuperar numa tentativa permanente de derrotar a irreversibilidade do tempo e a inevitabilidade da morte.
Nesta “caminhada” simbólica de libertação do tempo e da morte, surgem dois temas recorrentes ao longo das diferentes narrativas – a Mulher e o Amor.
Os arquétipos femininos apresentados ao longo da obra apontam-nos para verdadeiras belezas angélicas, divinizadas, intencionalmente idealizadas, que têm de comum um carácter de intangibilidade, um halo de mistério que as rodeia e protege. Como se através da “sua” beleza, fosse possível vencer o tempo e a própria morte.
Temos então a Mulher no esplendor da sua beleza natural (“A rapariga que falava com o vento”), uma beleza sublime, também ela uma emanação da natureza plasmada na “menina de olhos de água a quem chamaram Roma” (“Rio do Esquecimento”), uma espécie de “eterno feminino”, da mulher-anjo que exerce verdadeiro fascínio mágico de pureza, representada em Angélica (“só assim se podia chamar uma mulher de formas tão celestiais”), o sonho de Jorge, um sonho poético, idealizado, do conto “Déjà vu”.
Associado à Mulher, surge o Amor. Um amor que conduz ao milagre numa espécie de liturgia da criação (“Rio do Esquecimento”); um amor que se reinventa com e no tempo e que conduz à reconciliação com a vida em toda a sua plenitude (“A velha senhora dos gatos”); um amor que, numa espécie de ritual associado ao maravilhoso, acaba por superar a própria morte (“A estranha história de Júlio Chuva”); um amor concretizável em comunhão com a mulher e com a natureza numa recuperação do paradigma do “paraíso” romântico, de que é exemplo “A Casa Encantada”, de facto “um conto feito canção”.
Em suma, este livro de contos de José Ilídio Torres merece bem ser lido atentamente, porque potencia aquilo que a leitura também é, ou seja, uma actividade criadora. E indicia, a meu ver, que o seu autor não vai demorar muito a brindar-nos com uma obra narrativa de maior fôlego. É isso que os seus amigos, e em especial os seus leitores, naturalmente esperam.



Barcelos, Janeiro de 2010
Luís Manuel Leite Cunha


Criado em: 2/5/2010 9:45
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Re: Prefácio do Livro «Para além do tempo» de José Ilídio Torres, por Luís Manuel Cunha

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6/8/2009 19:29
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Olha meu amigo, lendo o prefácio já posso ter uma noção do seu livro. Vejo que você tem utilizado estudos de simbologias e isto me deixa bastante feliz. Os livros são iguais frutos de árvores, cada um tem seu sabor singular.

Abraço amigo, com bastante sucesso pra vc!

Helen de Rose.

Criado em: 5/5/2010 14:08
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Helen De Rose
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