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sem nome
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Criado em: 14/12/2011 9:42
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Re: Domingos da Mota escreveu Bolsa de Valores & Outros Poemas
Membro de honra
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17/7/2008 21:41
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Camarada,
Sobre a obra a que te referes: "Bolsa de Valores e Outros Poemas", cá vai um excerto da apresentação que tive o grato prazer de efectuar no Ateneu Comercial do Porto:

"Este livro, aparentemente dividido em duas parcelas, permite as mais díspares leituras o que só lhe acrescenta valor, melhor: cotação em bolsa.

Como tal, aquela que hoje vos apresento, só deve valer para mim, mas, naturalmente, até porque sou parte interessada, isto é: também sou o editor, espero que em vós, se é que uma leitura diga mais do que o que vale: uma leitura; permita que este livro, pelas vossas próprias leituras, mereça aquilo que eu considero um destino digno de um livro: rasgado porque mau ou gasto porque bom, isto é: que haja uma boa reflexão em torno deste; que não caia nas malhas da indiferença.

Já conclui apresentações assim. Hoje assim começo e faço-o porque este volume é um desafio, um desafio que inicia com uma das tais questões fulcrais: “o que é um nome?”, como se nos informasse a frio que há uma identidade a indagar e essa é a nossa própria identidade, a essência ontológica.

Só depois de um conjunto de interrogações é que Domingos da Mota nos diz que, afinal, há um livro à nossa espera, mas antes diz-nos de uma pedra, de uma madeira, de um pedaço de terra, sob a forma de um poema, onde as palavras se gravaram numa caligrafia que urge acordar.

E só há uma forma de entrar num livro. Há que descobrir a chave, mesmo que não chega a chave, mas uma chave, que seja nossa, para poder, posteriormente decifrar imagens.

Há portanto que escutar, apreendendo uma espécie de desejo, mesmo que fragmentado por nós, o que diz o poeta, e cito, fragmentado:

Um poema tomara: e que fosse
À raiz das raízes ou mais alto
(...)
que fosse ao coração do próprio ser

Fim de citação.

Isto é: buscar um ideário de Beleza, não do Amor que se faz, como adiante se verá, e os poemas subsequentes podem induzir, mas a verdadeira face do Amor, o que é, independentemente do tempo, mas dependente de quem o pode sentir ou meditar, aproximando-se do mundo, não só como conceito, mas, também, como algo que pode ser, sempre por aproximação, experienciado.

Ou como diz o poeta:

O amor permanece enquanto houver
Sede e fome entre o homem e a mulher

E a poesia, não só como expressão privilegiada de arte, mas como portadora do que é o mundo, pode interpelar o homem e a mulher a despertarem em si a tal fome e a tal sede.

Domingos da Mota traz-nos um manual sob a forma de valores que há a licitar, mas que nos conduzem, não só ao que dialogando com a pintura menciona, e cito:

Ao peso imponderável da beleza,

Mas, pela proximidade às coisas nos ensina a exigir, e volto a citar:

Que os espelhos devassem o desgaste
E foquem a nudez a meia haste

Aí os valores, talvez em dúvida pelo método, entregar-se-ão aos domínios de uma outra ciência, como se, tal como refere o poeta, e cito:

Sem a lei da mecânica quântica
Irrompe a incerteza na semântica

No entanto, note-se que o poema, titulado como “Princípio da Incerteza”, de onde se extraí este dístico, aliás dístico final de um, dos múltiplos, sonetos shakespearianos, que nos remete para Heisenberg, mas isso é outra conversa, ou talvez não, precede o poema que titula o livro, onde o poeta conclui, e cito:

Que a bolsa de valores, em substância
Retrata o poder e a ganância

Aproxima-se aqui, sem dúvida, para este leitor, claro, ao real, a este mundo em, que vivemos, mas também nos diz que há que proceder com atenção, isto é: não cair em tentação, não ceder à ganância.

Talvez por isso o autor nos apresente logo de seguida uma elegia ou uma geografia necessariamente mínima ou um ensaio sobre o esquecimento, quase diria, tal como refere o povo, que quem tudo quer tudo perde; mesmo antes de nos convidar para uma antologia, isto é: selecta de flores; à qual designou por outros poemas, mas que consubstanciam a primeira série deste volume, à guisa de notas, mas sem a devida referência.

No cômputo geral, estou em crer que “Bolsa de Valores e outros poemas” é uma obra que nos interpela para os ecos do mundo, como se nos dissesse que há que escutá-los e que nos facilita a vida porque o faz em poesia, através da arte, quase diria pura e dura.

Um exemplo: “Natureza morta com flores”, onde, aludindo a um conjunto de designações associadas a flores, isto é: palavras que associamos a flores; nos diz de uma imagem que se vai construindo em nós. Tudo sempre sob uma atenta construção musical, ritmada em que, por exemplo, o uso das aliterações nos dizem mais do que as próprias palavras de onde estas são geradas.

É Domingos da Mota em acção, um vero oleiro, na acepção de iniciador, que nos lega, não sei se por palavras ou por sílabas, um mundo outro que só a poesia e seus mestres podem legar."


Um abraço
Xavier Zarco

Criado em: 14/12/2011 10:07
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