às vezes
não voo
com medo
de cair
não sonho
com medo
de acordar
não canto
com medo
de não
saber cantar

custa-me
fincar os pés
no chão
firmar o corpo
abrir os braços
e chegar a ti
na viragem
do tempo
se o presente
é só rebeldia
nas entrelinhas
do meu canto

às vezes
não choro
com medo
de não sorrir
não grito
com medo
de não ferir
não creio
com medo
de não
acreditar

quero pensar
que fui
para nunca
mais voltar
a ser a dona
do meu pesar
prefiro no canto
odes ao vento
e nós
imortais
na poesia
e no amor
porque
às vezes
também não amo
com medo de sofrer

Já não sei se a melhor carta de amor, será a única via possível para fomentar o encontro amoroso que já existe em nós, no entanto meu amor, eu escrevo por nós e para nós. Sei que esse encontro dá-se da forma mais habitual; o ritmo dos dias, a cobrança das noites, a fuga para lugares distantes, sempre na espera do mediático olhar que te trouxe a mim. Esse é um olhar manso, sempre que de dentro dele, extraio um pouco de tudo que já medrou nos nossos corpos enlaçados.
Vê como se transforma a vida na sua mais recente aquisição - Nós!
Vê como se dilatam as noites em que acordados, vemos um mundo a formar novas formas; umas obscuras, outras claras, outras dissidentes, outras resistentes e outras ainda a finarem-se em cada poro da nossa pele.
Vê como se aglutinam os dias e as horas que passamos longe, quando as distâncias são um desejo a crescer, profanando os vultos nascidos no nosso olhar.

Sei de um tempo de cansaços e de esperas, mas sei também de naturais momentos em que nos cingimos e fomos um na espera do tempo que nos unisse e nos fizesse ser um só corpo, uma só alma, um só desejo a crescer nos nossos corpos ainda quentes. Mas as mãos meu amor, as mãos, que são as tuas, são também as minhas. Colocam no meu corpo, sementeiras nobres do tempo em que nada havia, a não ser uma dádiva por todos os traços que são fidedignos destinos a fomentar encontros, a igualar os gestos, a eternizar olhares. Até que se acomodem nos bolsos e retirem deles a irmandade prestes a nascer de novo, para que o amor se renove, se transforme para sempre em vida a crescer, como um desejo profano, eu estou aqui e sou o teu desejo, a tua fome a tua devoção na tua mão. Este, será a água benta dos nossos dias, a temperança das nossas noites, e tu meu amor, a renovação interna do meu querer Ser em ti.

Bem hajas por seres o Amor em Pessoa, a vida prestes a renascer no meu corpo

Para sempre tua
Dolores Marques

Sempre me incomodou, pensar que o Luso poderia cair num equívoco onde a poesia tem um papel preponderante.

Dar voz ás palavras! Um ponto comum a todos.

De fato, nem sempre assim foi, porque se passaram a utilizar as palavras de uma forma metafórica, mas numa inconstante vocabulização despropositada em alguns casos , e que envolveu pessoas que agora tentam resgatar o luso e fazer dele o que sempre foi, ou, digo antes, o que me lembra desde o inicio que aqui cheguei.

Penso que ainda provei um pouco desse estado enérgico, onde a comunicação tinha lugar e dava espaço a novas movimentações sempre a pensar no bem comum a todos. Aqui neste estado mais valorizado, também faziam parte alguns dos membros que agora tentam fazer algo por ele.

Depois tudo se desmoronou!

Haveria tanto a dizer sobre isto, se houvesse um espaço adequado, ma penso que este novo espaço, é um espaço a ser recuperado, para transformar o luso num movimento aberto a todos quantos quiserem partilhar emoções, sensações várias, onde a poesia ganha formas novas para se abrir à nova semente que quer germinar.

Às vezes é preciso saber pausar e esperar, e se há um grupo de pessoas, disposto a reiniciar, porque não acreditar e esperar para ver. (Diariamente, existem tantos toques na tecla reiniciar e tudo corre pelo melhor, porque não acreditar então neste reiniciar com mais calor humano e bem mais aliciante).

Sempre gostei de esperar para ver. Isso dá-me sempre uma nova esperança para prosseguir viagem e considera-la mais um prémio, pela minha espera.

Estou neste movimento, e estaria em outro com outras pessoas, porque a intencionalidade é boa. (Resgatar o Luso, e devolvê-lo a quem bateu com a porta sem sequer se despedir).

E principalmente porque gosto de acreditar sempre!

Abraços


Dolores Marques

Já está a minha contribuição, JLL

Beijos e abraços para todos

um poema
esbatido
no olhar
é o canto
no canto
da boca

nos lábios
a pele
ressequida
na língua
a folia
arrependida

um poema
a lembrar
um dilema
no corpo
que antes
foi de mulher
e agora
é estátua
caída

Este dia
não foi um dia solto
na semana

soltou-se
pela mão direita
e aventurou-se
pela mão esquerda
enquanto encolhia o corpo
e m’ entregava
a Deus
e a todos os Santos
da mesma guarda

fechei as mãos
direita sobre a esquerda
e dobrei os dedos
à espera que chegasse
a minha hora

um tempo que marcasse
para sempre
as palmas das minhas mãos
ainda em estado latente
mas presente
em cada gesto
em cada traço
marca do meu e do teu tempo

alvos e calorosos corpos
mostram-se afins
sem a tirania dos ventos
que rasgam a terra
com braços de ferro
e semeiam novas
flores silvestres
na terra amolecida
pelas minhas mãos

migram os dedos todos
pelos atalhos ainda frescos
de uma segada alheia
e já não sabem encontrar
as formas obscuras
que amolecem os torrões
deixados ao relento

as sementes crescem
enquanto o sol adormece
no cume da serra
e os corpos desajeitados
na espera da última levada
que irrigará a terra
sucumbindo na sua
última morada

torpes são os olhos
que não acreditam
em visões noturnas
e desencadeiam
um novo tumulto
para conseguirem
enxergar as bátegas
d’água que chegam
sorrateiramente
e batem na porta
ainda entreaberta
para todos os incrédulos
numa transcendente busca
mais além de mim
de ti e de nós
onde o amor é ungido
com flores de jasmins

Quero a face da lua
A descobrir nas noites
Um universo
De fragrâncias soltas
E aguardar pelo último sol
Nascente no meu rosto

Encontras-me sempre
No aroma das flores silvestres
Num traço castigando
Os poros a descoberto
No meu corpo
Enquanto os meus olhos
Envoltos em fios luz
Tão fina mas tao gasta
Dançam no teto liso
De uma casa sem paredes
Nem janelas
Para me aventurar
Nos caminhos
Da nova Andrómeda

Ao deitar talvez me lembre
Da face última da lua
Quando dormia sob
O seu domínio
E renascia no seu corpo
Como uma flor
Que vive para sentir
Que os movimentos
São cíclicos sempre
Nos meus olhos fechados

Existe um outro querer
No espaço em branco
Das quatro estações
Que me diz onde encontrar
Um amor que não vem
Mas que acontece sempre
No avesso de mim

vivo em demasia
a loucura
do mundo todo
que há mim

talvez um sonho
ou uma verdade
que se quer
vontade minha
que desconheço

essa ingrata
que se quer
inteira e livre
só para mim
expõe-se assim
sem limites
desenquadrada
do espaço
que me aguarda
sempre