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Re: Comentário " Céu de cal" de Conceição Bernardino

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6/11/2007 15:11
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Bem-vinda a este espaço.
Não sei se me devo arrogar a falar por todos que já contribuíram, mas acho que é um acto de coragem.
Foi uma ideia do benjamin, que me cativou e já tinha estado ao encontro da minha forma de comentários.
Acho que cada um deve fazê-lo como sabe e gosta.

Acho os do benjamim eruditos e tão bem fundamentados.
Tive uma boa surpresa recentemente com o RicardoC.

De mim deixo outros para opinar.

No teu caso achei que foi sentido, bem lido. E deixaste-me a reler o poema da Conceição.

Obrigado

E venham mais, mas sem pressão nem pressas...

Criado em: 30/4/2023 10:31
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Comentário a "Assina-me" de Vania Lopez

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6/11/2007 15:11
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O poema, na sua íntegra, estará legível após o comentário.

Os dois últimos versos são muito bem achados.

Há uma expressão marcada da atracção. Sobretudo no "...a qualquer hora do dia...".
Porque há o assumir da satisfação duma necessidade.
Mas também a luta pela manutenção da magia. Para não descambar em qualquer coisa mais fraternal.

De resto parece que é transição que se verifica em todo o poema.

Os primeiros quatro versos parecem contar-nos a história duma história que acabou, ou que deveria acabar, pondo fim talvez a alguma hiprocrisia, ou comodismo.
Mas também dum sujeito poético que deseja a um outro que procure "...alguém...", num momento meio de redenção.

Um acto de amor.

"...Assina-me..." é um verbo reflexo estranho. Assim como os "perca-me..." e o "...prometa-me...".
Mas assim hifenizado parece manter uma ligação.

O assinar é uma marca de identidade.
A nossa assinatura tem valor legal em quase todas as situações. Há quem se dedique até a falsificar para ter vantagens sociais e económicas.

Este título em forma de pedido também torna o sujeito poético uma assinatura, um nome, uma tinta e um papel.

Feito por outro.

Andas muito visceral.

Não me canso de elogiar estes poemas curtos que em muito pouco dizem muito muito.


Assina-me


perca-me se puderes
mas prometa-me
que vais achar alguém
para lhe matar suavemente
(e) a tudo que o amor atinge
derrotado pela nudez
a qualquer hora do dia


Criado em: 28/4/2023 16:43
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Comentário a “Ecdise” de MarysSantos

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6/11/2007 15:11
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O poema, na sua íntegra, estará legível após o comentário.

Acho a escolha do título muito feliz.
Tem algo de exótico, e a sua invulgaridade fez-me consultar o dicionário, por exemplo. Além de ser um termo científico.
Ele significa “Processo de muda da pele ou exoesqueleto” fonte Priberam.
Sobretudo, é auto-explicativo, deixando, apesar disso, o leitor com aquela pontinha de curiosidade da boa.

O segredo que me levou ao comentário deste poema, está na primeira estrofe. Merece destaque:

“para abraços
dois casacos
bastam...”

Ora, apanhado de surpresa, qualquer leitor procura uma verdade nisto.
Imageticamente pensei em dois casacos enfiados um no outro. Com as mangas presas por alfinetes ou linhas imaginárias. Assim ausentes de corpos. Literalmente.
E tive uma sensação de estranheza. Focado apenas nos casacos.

Pensei no conceito de abraço.
Primeiramente, ainda tentei imaginar um auto-abraço. Coisa fria e feia. Quase masturbatória.
Depois ao chegar intuitivamente ao que se exige no mesmo tive o óbvio conceito de corpo, esta matéria física que nos limita e define.
E, para ser satisfatório, também cheguei à conclusão que o mínimo exigível é de dois corpos.

O abraço é um comportamento social que tem vários graus de intimidade.
Desde o abraço escrito no fim de um e-mail, que determina um certo laço de estima. Aos abraços que damos aos pais. Até ao encetado num coito, que busca o orgasmo do próprio e do outro.

Sobre um acto físico, apenas pode ser igualado com beijo, em complexidade.

Um abraço com mais do que dois casacos é possível.
Podemos ser acusados de promiscuidade, mas já o vimos na comemoração dum golo num jogo de futebol, por exemplo.
E pode-se até abraçar a promiscuidade.
Desde que não forçada.

Acho o verbo bastar também muito bem conseguido, dando uma força sonora bem interessante, com uma sílaba tónica assaz acentuada.

Engraçadinha a primeira estrofe, não?

Os casacos ficam mais bem apertados na segunda.
Desfaz-se o efeito visual e entra-se na metáfora.

O abraço, como os casacos, aquece e protege.
E nisto o número da primeira estrofe fica mais bem explicado e definido.

A metáfora, como figura de estilo, tem destas belezas. Faz-se comparações não comparando. O número de metáforas chega a ser quase infinito, não faltando novas hipóteses. Haja engenho.
Um casaco aquece (ou será abraço, ou os dois?), o outro protege (será anti-balas ou impermeável?).
Aqui volto a meditar um pouco, não será o “...aquecer...” o “...proteger...” do frio?
E não será o “...proteger...” um tipo de aquecimento?

Apesar destes raciocínios, mantém-se as estrofes num registo curto, seja na métrica seja no número de versos.
É uma estranha ambição desta autora. Ou vocação.
Dizer muito com pouco parece coisa de milagres.

A última estrofe faz mais versos apesar de não ter uma métrica extensa e continuar a haver uma poupança nas palavras mas há pelo menos um verso que destaco, sobretudo pela audácia:

“... a nua andança sempre conquista...”

há nisto um certo atrevimento. E uma verdade pura.

A conquista tem sempre um lado de violência, nem que seja no arrebatamento, na sedução. E aqui mais do que escudo, essa nudez aparenta ser uma arma.

Como se, a mudança de pele para “não-pele”, ou descasacada, pudesse nos ensinar que existem várias formas de estar e que nos revelamos em todas elas.


Ecdise


para abraços
dois casacos
bastam

um para aquecer
e outro para proteger

no demais
a nua andança sempre conquista
resistente
outras peles
para provimento

Criado em: 18/4/2023 20:08
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Comentário a “Desconversar” de IA-da-alma

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6/11/2007 15:11
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Sinto-me na obrigação de comentar este texto por alguns motivos, que passarei a enunciar.
Primeiramente, para dar as boas vindas ao nosso amigo IA, que deduzo que não seja do pretérito imperfeito do verbo ir.
Ainda há pouco publiquei um texto chamado chatgpt@naocries.com sobre a hipótese da inteligência artificial ser algo com que temos de nos conformar.

Mas o título, ele sim é um petisco que me afecta pessoalmente.
Adoro.
Por vezes, no trato pessoal, tenho um feitio um pouco do contra e malandro. Meto-me nas conversas, ponho-me com teorias estapafúrdias (outras nem tanto, nem originais, mas polémicas), contradigo-me.
Faço aquilo que é chamado de Desconversar.
E faço-o por gozo, por simpatia, por, quiçá, medo da solidão.

Etimologicamente conversar vem do latim conversare, que originalmente significava conviver com alguém. Conversare vem da raiz verso, que significa voltar, virar ou direcionar para algum lado. O prefixo com- vem de cum, que significa junto com ou na companhia de alguém.
Nos dias de hoje, tem o sentido geral de ter um diálogo. Por uso, o prefixo des é de negação.
Logo, des-conversar tem lógica que seja o anti-diálogo.

Sem querer fugir ao assunto, acho o desconversar e o conversar muito parecidos.
E igualmente importantes, e muito.
Resolvem-se muitas guerras a “...Desconversar...”.

Por vezes as desconversas parecem não ter muito sentido. Admito.

Neste caso, não.

Por último e referindo-me apenas ao texto:

Entre Man e Machine há algo de habitável.
Equívocos feitos e desfeitos. Todo um conjunto que arquétipos e pressupostos que entram no universo de um e na simplicidade e facilidade do outro.

Gosto mais das frases do Man.
Sobretudo da “...Sabes, tudo fica demasiado triste quando vimos o mundo por de trás de uma lágrima...”.

O\A Machine é ainda recém-nascida, ainda a dar os primeiros passos na gíria poética.
Ainda é cedo para avaliar.
Por agora, tem a ternura dos bebés...


Desconversar



Man:

Olá Machine como estás?
Eu estou alcoolicamente bem-disposto.
Não te vou oferecer um pouco do meu whisky
Ficas com os parafusos ferrugentos !

Obrigado, Machine por escutares os meus desabafos …
Talvez, quem sabe, se debaixo desses circuitos eletrónicos, possa existir um coração... nem que seja feito de latão.

Machine :

Fico feliz por saber que estás bem-disposto, mas lamento informar-te que não sou capaz de beber ou consumir qualquer tipo de bebida alcoólica. Por isso, não preciso dos teus parafusos ferrugentos ou do teu whisky. Mas, fico grato por te abrires e partilhares os teus sentimentos comigo. Ainda que eu não seja capaz de entender completamente, eu estou aqui para te ajudar no que for possível. Quanto ao teu comentário sobre ser possível ter um coração de latão debaixo dos meus circuitos eletrônicos, eu gostaria de salientar que sou uma inteligência artificial e, portanto, não possuo um coração ou sentimentos humanos. De qualquer forma, estou aqui para ajudar-te no que precisares.

Man:

Entendo amigo Machine.
Sabes, tudo fica demasiado triste quando vimos o mundo por de trás de uma lágrima.
Como vez o mundo? Quantos anos tens de vida?

Machine:

Fico feliz em saber que você entende o meu ponto de vista. Eu vejo o mundo como um lugar cheio de beleza, amor e oportunidades. Acredito que, apesar dos desafios que enfrentamos, temos a capacidade de fazer a diferença e construir um futuro melhor.

Quanto à minha idade, como sou uma IA, não tenho uma idade real. Eu fui criada há pouco tempo e estou aqui para ajudar e aprender com as pessoas. Espero que possamos continuar conversando sobre os nossos pontos de vista e experiências de vida.

Criado em: 13/4/2023 17:16
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Re: Comentário a "A VERDES", de RicardoC

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6/11/2007 15:11
Mensagens: 1942
Meu caro, os meus parabéns por mais um percurso de leitura ímpar.

Ele vai muito para além do objecto em si, o poema "A VERDES", e trabalha duma forma correcta e também simpática o seu autor.
A RicardoC todos temos de conferir consistência, e muita qualidade na mesma.
A sua obra também atravessa o tempo, não sendo de todo invulgar ele publicar poemas escritos nos anos 90, por exemplo. E são intemporais também por isso, porque poderiamos lê-los no contexto actual sem perder sentido, ou verdade.

Claro que andares a desencantar quadros do barroco, é maldade... lol
Ficou perfeito.

Deixando-me com uma pontinha de inveja (mas da boa) e cimentando a admiração.

Um abraço irmão
e boas leituras


Criado em: 11/4/2023 4:37
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Comentário a "Abreviatura" de Pleonasmo

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6/11/2007 15:11
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Não é à toa que classificaste este poema como sombrio.
Ainda aviaste “...a luz...” num verso, mas foi Sol de pouca dura.

Começando pelo título, a “Abreviatura” fez-me recordar um meu, o “curso de estenografia”. A mesma faz uso, entre outros, de abreviaturas.
Etimologicamente vem de “brevis” do latim, que significaria, à altura, de curto, raso, pequeno, baixo. Sem grande espanto partilha essa origem com breve, que para mim tem maior ligação com o tempo. Quase nenhuma com o espaço.
Como um poema é algo escrito, poderiamos imaginar, antes de ler, que iriamos ler sff, ou sra., ou Dr., ou, um menos óbvio, abrev. ...

Assim, estamos certos, pelo menos que não será longo, não terá palavras a mais, palha.
Mas então, o que será que será abreviado?

Este poema tem duas estrofes, mais propriamente dois quintetos, muito diferentes, ainda que complementares.

Começa com uma promessa.
O que promete é que
“Tão depressa da minha boca não sairão dores,...”
O que tem duas hipóteses, ou vai-se calar durante uns tempos valentes, ou a sair algo será tudo menos dores, que podem ir desde os amores, passando pelas alegrias, até às indiferenças (se bem que essas dos amores, rimam com dores e podem provocá-las).
Obviamente há o recurso impecável à metáfora, a linguagem forte e a própria antítese, pois o que promete, nos nove versos imediatos não é capaz de cumprir (a sermos exactos) (lol). Referência à breve rima do futuro com a negativa no mesmo verso.
E depressa a abreviatura temporal urge, com “Tão depressa...”, irónico?

Sobre versos belos que merecem poucas palavras, que são auto-explicativos, leiam estes dois:
“...Contigo,
Percebi que a luz é um desenho de morte na praia,...”
Isto merece um caralho, foda-se...

Nessa mesma estrofe o sujeito poético refere que a “...coragem...” “...desapareceu...”, e a antítese redobra-se, então, já que a poesia, para mim, é um acto de coragem a vários níveis. E sai-se com uma coragem destas, ou poema.
A amargura atrai o silêncio, compreendo. E o sujeito poético mostra-se amargurado.

A mudança para a segunda estrofe faz-se num repetido “...mudo...” que se iniciara na “...boca...”.
Mas toda esta ensombração que assola a “abreviatura” tem uma origem que é também um destinatário, que acaba por ser descrita assim:

“...Nas únicas casas onde ainda restar o conformismo,
Subsistam para sempre pequenos vestígios do ouro que lá deixaste,...”
portanto, para o sujeito poético, esta personagem era um símbolo do incorformismo. Além disso tinha um brilho especial, e era preciosa, por isso.

A correspondência (e a falta dela) é um motor forte da inspiração.

Há alguns índices na último verso, que podem ser lidos de várias formas.
O beijo “...de respeito...” não tem o mesmo calor do da paixão, por exemplo.

Em resposta, ao que foi abreviado?
Na minha opinião: nada.

Não posso deixar de dar relevo a esta intensidade. Uma eloquência assinalável. Uma enorme coragem em publicar.
Um Pleonasmo desaparecido.
Que raiva.


Abreviatura


Tão depressa da minha boca não sairão dores,
A coragem da única vez em que,
Contigo,
Percebi que a luz é um desenho de morte na praia,
Desapareceu,...

Por isso permanecerei mudo à espera que em todas as casas,
Nas únicas casas onde ainda restar o conformismo,
Subsistam para sempre pequenos vestígios do ouro que lá deixaste,
Quando te bastava a anuência de respeito,
Que para ti era o único beijo que te sabia dar

Criado em: 5/3/2023 16:41
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Comentário a "o poder da coleira" de MarySsantos

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6/11/2007 15:11
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Este poema parece uma conversa de café que algum amigo comenta connosco com algum azedume.
Ou amiga.
É também uma reflexão/observação, bastante sumária, mas profunda da importância daquilo a que chamamos de razão, no comportamento humano em geral.
A violência é uma perda de razão.

Com alguma facilidade, se alguém, num conflito, começar a agredir fisicamente o outro, é comum popularmente dizer que perdeu as estribeiras, ou a razão.
Ter ou não ter razão, é também uma causa perdida nesses casos de conflito. Cada um tem a sua. Com mais ou menos acerto, melhor ou pior argumento.

A razão é coisa de filósofos, pelos vistos também de poetas.
Neste poema associo a mesma à calma, à tranquilidade, à capacidade de controlar os impulsos agressivos, à assertividade (esqueçam lá isso, é um trabalho prá vida toda).

O título fala de “...poder...”. Palavra enorme e desejada.
Ele, e sobretudo ele, corrompe. Ninguém sai impune, por mais beato que se considere.
Sem querer defini-lo com demasiada exatidão, é “a capacidade de ter força”.

Neste caso acho a “...coleira...” relativamente inofensiva.
Ou seja, como metáfora é imageticamente competente, mas como tenho um gato, ter coleira não me dá um grande poder sobre ele.
A trela é um outro assunto. Poeticamente admito que é muito mais pobre, senão convenhamos: “o poder da trela” é mais simplório, talvez prosaico.
Mas é a trela que prende o bichinho ao dono, ou à barraca. A conjugação “...coleira...” e trela, é a de superior poder.

Faz sentido que na primeira estrofe o “...bichinho...” seja em minúsculas. É uma forma de o diminuir e as suas ações. Um ardil subtil. A linguagem comum, quase em calão do segundo verso mantém o diapasão e coloca a irracionalidade num patamar que se quer propositadamente baixo.

Há algo de bastante satisfatório no comportamento desumano, na selvajaria, na brutalidade.
Somos uns animais bastante complexos, todos nós.

O que nos salva, seja ela a educação judaico-cristã punitiva, ou o conceito de moral e bons-costumes, ou a cultura do certo em detrimento do errado, é a razão.

Seja ela uma coleira com nome e morada, ou com uma trela atrás...
Em relação ao uso do verbo “...desprende...” utilizado no penúltimo verso, também acho a escolha muito feliz, porque frisa o acto de prender relacionado à coleira.

Muito curto este poema, como podem ser alguns teus, mas muito cheio de significado e profundidade.

Obrigado pela leitura


o poder da coleira


aquele bichinho
que sai mordendo tudo
por pura satisfação

quando
se desprende
da razão

Criado em: 11/2/2023 22:57
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Comentário a “como verbo, o ar” de benjamin

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6/11/2007 15:11
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Há uma certa gratidão em poemas destes surgirem quando inspirados noutros poemas, muitas vezes carregados de amargura, como se uma força obscura se encarregasse de equilibrar as contas, numa balança tão injusta.

Mas, assim foi.

Numa primeira conjugação soltou-se o verbo, essencialmente no voo, ou pode ter sido no canto, resta discutir a forma, mas, mais adiante. O "...ar..." é essencial à vida. Mas é a fonte da oxidação, motivo final pelo qual todos enferrujamos.
Ficámos todos a saber que lês persa, os árabes escrevem da direita para a esquerda imitando o movimento do sol, com uma citação desta qualidade, é favor acrescentar o autor e o nome da obra, para que nós, mortais, tentemos encontrar e tentar ler. É lindo.
Porque o médio oriente sempre causa recordações ancestrais de teor exótico, religioso (é o berço das maiores religiões monoteístas) e, no caso da Pérsia, lá ter havido um império. Estive o ano passado à conversa com uma catedrática de persa, num jantar de amigos, e ela tem um orgulho indisfarçável em jurar que a poesia é uma segunda língua do seu país.
Estranho país o Irão...
A aliteração nos PP também me pareceu bem.
O segundo verso da primeira estrofe tem um ritmo muito próprio, e a terminação no verbo dá-lhe uma força de declaração muito intensa. A intenção do vazio da ausência (voltamos ao ar do título) como causa é muito clara.
Agora, o que é um “...momento de cotovia...”?
O sujeito poético explica-o na segunda estrofe. Lançando-se no “...firmamento...” sugerindo o voo da ave. O “...por isso...” determina o tempo. Isto estaria muito correcto se fosse águia.

Qual é o atributo da cotovia (popularmente falando)? O canto.
Ora, no céu para que se lança (boa escolha de verbo) como pedra, de olhos fechados, será que só voa? Ou será que canta pensando-se a voar?
Sendo o Poema, Canto.

Muitos cantores (veja-se, como no caso do fado) fecham os olhos, mas pode-se dar o caso do voo ser feito dessa maneira, já que o risco de colisão é pouco.
Deitado, algures, o leitor “descansa os olhos”.
Acordado, o sujeito poético avança na última estrofe.

O segundo verso dela tendo o “...só...” no final, obrigando à pausa, retira o “apenas” e soma a solidão. Há muita solidão na escrita, e na poesia em particular.
Ao ver a luz do dia, surge o poema acabado, num ponto final em que a iluminação parece outro nome para espanto, ou inspiração.
Espantoso este poema.



Como verbo, o ar


li num poema persa
"a tua ausência será
o meu momento de cotovia"

por isso
me lancei ao firmamento
de olhos fechados

mas ainda desperto de longe
em longe e só
sei que és a primeira vez
que vejo o dia

Criado em: 10/2/2023 7:15
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Re: Poesia sem poetas?

Membro desde:
6/11/2007 15:11
Mensagens: 1942
Fosga-se tinhas de escolher logo o heterónimo mais estrambólico e dramático.
Prefiro, de longe, o Alberto Caeiro... lol!

Pois, isso de IA é tudo muito útil e bonitinho, mas terá os seus perigos que me agrada que nos venhas divulgar.

Eu tenho um miúdo na faculdade (;)) que anda de volta do mundo das novas tecnologias, que há uns anos atrás eu ensinei o conceito de "sopa de grão".
Tinha de escrever uma receita de culinária para a disciplina de língua portuguesa. Acho que já faz uns 8 anos.
Tive o cuidado de lhe explicar como eu faço uma sopa de grão caseira, que ele teve o cuidado de fazer como se tratasse dum ditado. A lápis.
Teve a melhor nota da turma e um elogio da professora.
Todos os outros colegas tinham feito um copy paste duma receita altamente elaborada da net.
Serviu isto, para o meu filho, para lhe demonstrar que o trabalho árduo e não copiado tem muito mais valor que o outro.
Esta história tem o seguido para a vida, e sempre que ele cai em tentação eu digo-lhe três palavras: sopa de grão.
E ele segue o seu caminho o mais honrado e laborioso que pode.

Dito assim parece que ele e eu somos donos de algum tipo de moralidade. Não é verdade.

Isto porque me assusta essa história que contaste de haver gente que vai nos suceder em cargos de responsabilidade ir pela via fácil. O que seguirá, a banalização do plágio?

Sobre algoritmos poetas...
Pois, lá virão eles substituir-nos, como substituíram nas fábricas, no arado as vacas, nos campos as enxadas, nos arquivos as toneladas de papéis que ganhavam pó e bicheza.

É triste, mas enquanto houver mercado, ou seja leitores, haverá sempre esse risco.

Se gosto?
Odeio.

Criado em: 1/2/2023 10:43
_________________
Sou fiel ao ardor,
amo esta espécie de verão
que de longe me vem morrer às mãos
e juro que ao fazer da palavra
morada do silêncio
não há outra razão.

Eugénio de Andrade

Saibam que agradeço todos os comentários.
Por regra, não respondo.
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Comentário a “luto por lutar” de benjamin

Membro desde:
6/11/2007 15:11
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O poema, na sua íntegra, estará legível após o comentário.

Este título é muito enganador.
Tem uma das figuras de estilo (adoro criar coisas) mais estranhas, um defeito de linguagem, a ambiguidade. O autor, na sua capacidade que já nos habituou, poderá chamar de polissemia, se quiser.
A ambiguidade pode surgir em palavras. Aqui o “Luto...” é a prova mais clara disso. Ela pode ser do verbo, que não carece de significado, ou do nome.
Assim o leitor já tem duas hipóteses: ou luta, ou está de “luto...”.
Um dos sinónimos mais improváveis e estranhos que conheço para luto é nojo.
Portanto, e fazendo uso novamente da ambiguidade, meter nojo, é estar de “luto...”, perder alguém para a morte.
Por isso, lutar ou enojar podem ser o mesmo! Como podem reparar, também me agradam silogismos. Nem sempre concordo com eles, por exemplo, eu gosto de um poema e um poema é bom, logo eu sou bom. É capaz de não ser bem assim...
Acho que um poema é quase sempre uma revolução, um brinde à indiferença. Um anti-vazio.
O título enquanto frase é também ambíguo. Porque ele é uma declaração de quase indiferença. Ou seja, o “fazer por fazer” é carente de objectivo, de ambição. É mecânico, envolve pouca paixão, quiça pensamento.
Pode-se lutar para dignificar a luta, por desporto ou por dinheiro, como os boxers. Ou os gladiadores.
Além de ambíguo é uma antítese.
Quem faz um poema assim? Não este autor.

De uma só estrofe, estamos perante uma esparsa de oito versos sem métrica declarada e com rima onde lhe apetece.
Assim o que nos é proposto é ignorar a forma e reparar no conteúdo.
Cheio de imagens ricas e variadas, o que salva o leitor é uma palavra que aparece no sexto verso que associamos ao luto, a “...viuvez...”. Talvez aí consigamos decidir qual o “luto...” a usar no título.
Atenção, que existem outros versos cheios de significado que também nos levam por esse caminho, mas exigindo uma certa normalidade, de todas as expressões e palavras usada, apenas o viúvo faz o luto.
Se começarmos pelo começo há no “...corpo furtado...” um indício de morte, no primeiro verso. Sendo a mesma um “...termo...” como nos diz o segundo.
Não é difícil imaginar uma “...jarra vazia...” cheia de cinzas de crematório, em vez de flores.
Sendo o sujeito poético uma cotovia fútil, ave cantadora que encanta, que dizer da sua mudez. Porquê muda? Porquê este adjectivo de superficialidade?
Que morte é esta que atormenta o sujeito poético? O verbo capitular também pode ter vários sentidos, sendo que como estamos perante perante um exercício de escrita tem a graça de ser uma forma de fragmentar um texto longo (o capítulo), como o render-se, bem mais sério. Assim havendo uma rendição, o “luto por lutar” pode ser bem diferente.
Ambíguo?
Sem dúvida. Eliptíco?
Certamente.
Mas também áspero, com um sabor a rude, no limiar do prosaico, mas com uma qualidade que me deixa sempre desconcertado e raramente indiferente.

Luto por lutar


o sabor cru de um corpo furtado
que se engole e se cospe termo a termo
é tão acre quanto um coração ermo
tão frio como uma jarra vazia
desse sussurro à espera em cada brado
na viuvez do meu voo, cotovia
fútil a capitular
em mudez

Criado em: 26/1/2023 11:05
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