Todas as mensagens (Rogério Beça)


(1) 2 3 4 ... 9 »


Comentário a “crença caduca” de AliceMaya

Membro desde:
6/11/2007 15:11
Mensagens: 1940
Este comentário também se encontrará disponível no perfil do utilizador na caixa de comentários do poema.
O poema, na sua íntegra, estará legível após o comentário.

Poema interessante.

Tem três versos, mas a métrica é feita a doze sílabas (não sou fã de olhar a elisões), para lá do heróico, por exemplo, e também das clássicas sete sílabas, ou as suas irmãs (seis e oito).
Se aliás pensássemos nessa forma de clássica de seis, teríamos o dobro. O que significa que em vez de três versos poderíamos ter seis, um número diabólico :).

Tem duas estrofes.
Seguindo o raciocínio supracitado, podiam ter quatro.
Se tivéssemos a lógica de que o leitor, assim que lê um poema, este pertence-lhe, o meu podia ser assim:

“Foi em vão que vi
as cerejeiras em flor

me sentei nas pétalas
e as farejei

jamais encontrarei

a sua autêntica beleza”


Mas o sujeito poético apresenta-se atormentado.
A contrição do poema não é feita à toa, parecendo-me que o processo não foi nada intuitivo.
Poderia, a nível formal, em vez de ser composto por um dístico e por um monóstico, ser feito apenas com um terceto.
Até faria mais sentido, porque a nível imagético o poema está muito perto dum haikai. Esse tipo de poemeto é feito com três versos também, embora obedeça a um esquema de cinco-sete-cinco nas sílabas métricas. Os motivos da natureza, são frequentes em haikais. Contudo, a menor evidência de metáforas nos mesmos também trai esta lógica, que estou a tentar seguir.

O título é como o corpo do poema. Curto e forte.
Começa com o sistema de abstração mais complexo e vital ao ser humano.
Os Homens são construídos por matéria orgânica e um conjunto complexo de teorias e informação, que tentamos à força que seja verdadeiro, e criámos métodos de prova a que chamámos de ciência.
Há que crer.
Se o Homem quiser crer que a Terra é plana, ela vai ser plana.
Se quiser crer em Deus, ele existirá.

Acho que mais do que o Homem, a “...crença...” será imortal. Perene.
Contudo, o adjectivo que acompanha este nome tão feminino e másculo, ao mesmo tempo, é o contrário de perene.
É “...caduca...”.
Tem três sílabas, duas consoantes e duas vogais, sendo que uma repete-se duas vezes. Vem do latim Cadere, que significa cair.
A crença que cai, neste caso, tem um aspecto de fim. Se bem que, neste caso, pode não ser a “...crença...” enquanto conceito, ou no geral, mas uma específica.
Além disso quando penso em caduca a memória leva-me sempre aos professores de ciências da preparatória que nos diziam que as folhas das árvores podem ser desses dois tipos.
As folhas, subentendidas, podem ser símbolo de escrita, ou de material onde se escreve.
Sem grande esforço podemos imaginar a “...crença...” como uma folha que cai. Outonal. As folhas no chão das matas ainda servem para adubar a terra, protegem o solo de intempéries, abrigam formigas. Fazem parte dum ciclo em que, a crença, parece estar envolvida. Ainda que tenha outro papel, a nossa crença antiga ainda faz parte de nós, ou se quisermos, fez.

O título tem esta cara de poucos amigos.

O primeiro verso, tem, contudo, a primavera.
Chegamos à conclusão que não são só as folhas que caem. Acontece o mesmo às flores.

As flores são o aparelho reprodutor da maioria das plantas. Serve a beleza das suas “...pétalas...” para atrair os polinizadores, que têm um papel fulcral para o surgimento de novas cerejeiras. Estive a ver o aspeto das “...cerejeiras em flor...” e tem um arrosado lindíssimo. Leve.

Mas o sujeito poético afirma ver o mesmo que eu vi, numa foto da google. Mas duma forma estranha: “foi em vão...”, o que nos leva a crer (lá está) que havia um objectivo, para as ver, e que não foi cumprido.
Como figuras de estilo mais evidentes, temos a aliteração em FF e VV. Têm um quê de vento.
Tem graça a primeira e a última palavras do verso começarem com a mesma letra.

Depois, percebemos que as flores não estão na árvore.
No segundo verso, o sujeito poético senta-se nelas.
E, das duas uma, ou está a voar e consegue sentar-se nelas na copa da árvore. Ou, mais provável, estão todos no chão.
Há, nesse verso, um verbo que me apela aos sentidos duma maneira quase visceral. Animal. Quando refere que “...as farejei...” parece o uso muito apropriado dum verbo inesperado. E concreto. E minucioso...
Acho que não foi dada a mesma atenção, ou importância, ao outro sentido usado, a visão.

Nestes dois versos, temos alguém em busca. Dalgo duro, ou difícil de encontrar, mesmo no meio da perfusão de cores e de perfumes que tem à sua volta.

Se voltarmos à ideia de haikai, também há cerejeiras no Japão (donde é originário) (já agora, no Fundão também e na terra do meu Pai) e estamos perante esses temas frequentes que já referi, e fico a pensar no que serão coincidências neste poema tão pequeno.

O monóstico surge, e entendemos o porquê de assim ser:

O objectivo do sujeito poético fica revelado.


Digamos que não é tarefa fácil.
Como diz o provérbio “quem feio ama bonito lhe parece” então, o mesmo, passa-se com a beleza, ainda mais, sendo autêntica.
Sendo subtil, ela pode estar em todo lado, podendo mesmo estar à nossa frente, sem a podermos ver.

O autêntico, neste caso, surge em oposição ao falso, ao fingido (tão poético), ao faltar à verdade.
Sendo a verdade também muito subtil e variável no tempo e no local.
É um esforço inglório pelo qual todos temos de passar, tem de ser uma crença.
A de encontrar essa "...beleza...".

A mim, cheira-me a que ela esta mesmo à frente deste sujeito poético, ou está ele sentado em cima dela.
Um poema de desilusão...

Gosto de poemas curtos.
São difíceis.
Não é fácil fazer bons.

Este é.

Obrigado pela leitura.

Abraço



crença caduca


foi em vão que vi as cerejeiras em flor
me sentei nas pétalas e as farejei


jamais encontrarei a sua autêntica beleza


Leia mais: https://www.luso-poemas.net/modules/news/article.php?storyid=372029 © Luso-Poemas

Criado em: 7/4 3:18
Transferir o post para outras aplicações Transferir


Re: Fosseis da primavera à beira-mar

Membro desde:
6/11/2007 15:11
Mensagens: 1940
Fantasmagórico e fantástico agniceu...

Criado em: 27/3 17:17
_________________
Sou fiel ao ardor,
amo esta espécie de verão
que de longe me vem morrer às mãos
e juro que ao fazer da palavra
morada do silêncio
não há outra razão.

Eugénio de Andrade

Saibam que agradeço todos os comentários.
Por regra, não respondo.
Transferir o post para outras aplicações Transferir


Re: Comentário a "a verdade, o fogo e a desilusão" de Rogério Beça

Membro desde:
6/11/2007 15:11
Mensagens: 1940
AliceMaya,

Muito obrigado pela leitura.
Um texto já antigo, editado recentemente devido a um erro ortográfico, em que quis substituir a palavra anti-pirogamia (inexistente) por anti-piromania, minha intenção original.
Sinto-me muito honrado por ver um texto meu autopsiado com tanto esmero.

Muito obrigado pelo comentário, cheio de questões que não sei responder.
Sobre a nota. Não estou certo se me referia apenas à data de criação\data de publicação, ou se a essa data a distância emocional e de inspiração existia.

Será que já não sinto o mesmo?
Será que arranjei entre as duas datas ferramentas psicológicas e emocionais que me permitem lidar com a desilusão de maneira diferente?
Estarei mais tolerante comigo mesmo?

Será que me tornei menos verdadeiro?
Será que a verdade já não me queima como um fogo?

Será que vivo neste momento um estado de ilusão tal que acho-me incapaz de me desiludir? Andarei iludido demais?

À partida, a verdade mostra a imperfeição.
É essa a relação que têm.
Porque a perfeição é falsa. Ou subtil, depende do observador.

A verdade deve ser transparente, sem lugar para objeções, translúcida.
Fere a razão, porque a razão é cheia de esquemas, de teorias, de lógica contranatura.
Por exemplo, é razoável pensarmos que somos todos iguais. Quando a natureza, na verdade mostra-nos que somos todos diferentes.
E quando a razão é suplantada pela verdade, fica ferida.

Apenas acrescentei mais perguntas e não soube responder a todas as perguntas que o teu comentário apresentou.

Mas devo felicitar-te pela teu primeiro contributo para o espaço crítico.
Como pensei que fosses capaz, como aliás referi num dos comentários ao Trincheiras que fiz anteriormente.

Abraço



Criado em: 26/3 15:45
Transferir o post para outras aplicações Transferir


Re: Comentário a "Trincheiras" de AliceMaya

Membro desde:
6/11/2007 15:11
Mensagens: 1940
Olá Maya,

Permite-me o contraditório.
Começando, desculpo-te na condição de que, quando surgir um comentário que aches que devas fazer a qualquer texto, ou poema, participes neste espaço.
O espaço crítico precisa de mais participantes.
E poemas a serem pensados e pensamentos a serem contestados, ou apoiados.
Admito não ser a melhor pessoa a dar a opinião sobre a opinião. Geralmente, não alimento um comentário a um poema meu. Mas ainda vou a tempo de mudar.

Interessante chegar à conclusão de que fui muito mais literal do que foi a intenção do autor.
O facto da metáfora ser muito forte e simbólica é muito bom.
Ainda bem que a descreveste.

Em relação às trincheira superficiais, elas são-nos em oposição aos buracos, quase túneis, subterrâneos, que servem as outras "a céu aberto" de suporte, de armazenamento, por exemplo, ou reunião.

Acerca do teu estilo, parece que o soneto é o máximo a que vais em termos formais.
Tudo mais, é quase o oposto: livre.
E bom.

Acerca de te prolongares, não me queixo, faço o mesmo.

Gostei da expressão "sistema fechado". Objectivo cumprido, compreendi o que referiste.

Não acho que escrevas feio.
Pode ser o teu ponto de partida, mas o resto, tens de deixar para quem te lê.
Como eu.

Abraço

Criado em: 8/3 9:32
Transferir o post para outras aplicações Transferir


Comentário a "Trincheiras" de AliceMaya

Membro desde:
6/11/2007 15:11
Mensagens: 1940
Este comentário também se encontrará disponível no perfil do utilizador na caixa de comentários do poema.
O poema, na sua íntegra, estará legível após o comentário.

Parte dois de dois

Guerra de trincheiras é um tipo de guerra terrestre, utilizando linhas ocupadas consistidas principalmente de trincheiras, onde as tropas que lá estão desfrutam de uma posição bem protegida contra ataques de projécteis balísticos inimigos, como armas de fogo pequenas e artilharias. A área entre as duas linhas de trincheiras era conhecida como "no man's land" (terra de ninguém) e era a região mais exposta ao fogo inimigo. Ataques, bem sucedidos ou não, normalmente resultavam em perdas humanas terríveis. (fonte Wikipédia).
Foi usada na Primeira guerra Mundial.
Com o avanço da tecnologia, começou a entrar em desuso.

Além de já conhecer o conceito, ter ouvido falar no mesmo, visto em filmes e documentários.

Visualmente, ter corredores de terra cavada num campo de batalha, faz-me pensar nas linhas bem tortas com que Deus escreve.
A palavra Trincheiras fez-me lembrar o verbo trinchar, essa forma de preparar a carne para ser comida. Não serão os soldados na frente de batalha, quase soterrados nessas “...Trincheiras...”, carne para canhão?
Depois o caos da guerra mantém-se no conceito. A terra preparada (usarão uma régua?), o pó no tempo seco, a lama na chuva, a morte o tempo todo.

Hades, Marte, ou Seth, devem achar uma coisa do demo.

As trinchas, são pincéis um pouco mais largos. Cobrem uma superfície maior do que outros mais finos de cerda. Dá jeito para dar cor a uma tela, muro, ou folha de papel. A terra de encarnada-sangue.
Mas tenho de fugir do título, e nem sequer reparar no plural. À partida, esse detalhe apenas determina que são todas e não apenas uma em especial.

A forma deste poema é muito especial.
A estrutura é um conjunto de dois sonetos mal mascarados.
Em alexandrinos, a rima varia nos dois. No primeiro a rima é interpolada e emparelhada num esquema clássico ABBAABBACDCECE. No segundo a rima é cruzada, assim, ABABCDECDE.
Do primeiro para o segundo, o B, o C, e o D também se repetem.
As silabas tónica a meio verso não foram uma preocupação.
Esta forma clássica e antiga, já é demonstrativa de algo que todas as guerras têm: planeamento. Uma suposta organização ( um conjunto de quatro quadras (oito) e dois tercetos (quatro) parece aquela lógica de: um conjunto de soldados é um pelotão, um conjunto de pelotões é uma companhia, um conjunto de companhias é um batalhão.
As rimas são classificações sem hierarquias, mas, contudo: praça, cabo, segundo furriel, furriel, segundo sargento, primeiro sargento,sargento ajudante, alferes, tenente, capitão, major, coronel, general.
Até ao general, é tudo carne para canhão.
Esquerda, volver!
Mas, depois, o poema, imageticamente tornou-se guerra.
A trincheira é aberta ou subterrânea, mas rompe o solo.
Os versos deste poema são propositadamente rompidos por traços completamente inoportunos que interrompem a leitura fazendo o leitor procurar algum sentido neles. Pausando. Pensando se acabará um raciocínio, ou se não estará lá à toa. E se tal for, porquê?
Na primeira quadra, estes traços estão no primeiro e no quarto versos.
Começam e acabam o composto (chamemos assim). O primeiro, separa o singular do plural do verbo chover. Pode ser a imagem de um pingo linear de chuva. Ou uma implicação meio óbvia para o leitor. Depois de quatro “...chove...” (que canseira) finalmente há uma interrupção, para ainda mais. O segundo traço separa as “...certezas\não-ilesas...” de “... filhas da guerra...”. O sinal matemático de implicação também serviria. Ou de igual.
Estes traços também podem sugerir quebras de verso.
É o que me parece na segunda estrofe.
Na terceira, já fico com a impressão de serem vírgulas que vêm desde cima, como se do tecto da guerra.
Muitas hipóteses, que podem ser coisa nenhuma.
O que trazem ao texto é a verdade da guerra: o caos. A desorganização total. Uma clivagem das regras (neste caso escritas), dos mandamentos.
Não matarás.
Não cobiçarás a mulher do teu próximo (lembrando-me da liberalização das violações pré acordo de Genebra).
Foi o meu primeiro motivo para vir ao comentário. A desorganização e o raio dos traços, ou se calhar, os supracitados traços, como raios. Castigo divino.

A escrita também é de guerra.
É pouco adjectivada e sem floreados.
Cada palavra parece que foi escolhida a dedo para magoar. Ou criar desconforto no leitor.
Verdades cruas, vestidas de águas, como a chuva e as lágrimas e de “...mágoas...”. “...presas...” sem surpresa nem “...certezas...”. As “ ...nódoas...” o sujo, da falta de paridade e fraternidade. Além de “...impuras...”.
Pois, na guerra, a pureza, que se perde ao longo da vida, vai-se em três tempos.

A riqueza vocabular, neste poema (disso não há dúvidas, para mim que é um enorme poema) surge em nomes e verbos. Forçando a ação a quem lê.
Não há beleza na guerra.
É “...onde inválidos se esticam sem léguas...” - que verso!
Ou trechos improváveis e bem conseguidos como “... uma garrafa de ar lento...”.
Como não custará o tempo a passar nas Trincheiras?

Quanto custa uma vida?

Em primeiro lugar, custa o futuro.
Albert Einstein, na primeira infância, foi um aluno mediano.
Sabemos lá, se uma vida que se ceifa por capricho não seria o prémio Nobel da física ou da medicina?
Quem sabe se não escreveria o mais belo poema?

Depois custa o passado.
Trinta anos de alimentos, de professores a ensinar a ler e escrever, de pais a comprar roupas e dar carinho.
É difícil de contabilizar.
Não creio no espírito nem em alma, mas, para quem acredita, quanto vale a própria alma, ou a dos outros?
A carne e os ossos, ainda vá que não vá, é como no talho, mas, e as boas ações?
A amizade que cada um traz consigo, para dar, ou até vender? Quanto Custa?

Além disso, surgem várias figuras de estilo ao longo dos sonetos.
É fácil de detectar a aliteração como em “... lívidos | livres de vontades...”, os Li e os Vs.

Metáforas sobre metáforas sobre metáforas.

Há ainda as ditas figuras, mas as ausentes.
Neste poema não há eufemismos. Nada foi suavizado.

Resta-me dizer que tenho um projecto com sonetos de guerra.
Estes caberiam lá, só que são melhores.
A devida vénia e inveja.

Abraço.

Trincheiras


chove, chove, chove, chove | chovem águas
tentando limpar de nódoas presas
pessoas impuras e sem certezas
não-ilesas | filhas da guerra e de mágoas

guerra ominosa invisível às tréguas
roubas no sol | dia claro defesas
longe de balizas e redes mesas
onde inválidos se esticam sem léguas

uma peste | uma febre | um suportável
impossível nefasto do no tempo
curto | restam olhos interminável

uma farda | uma garrafa de ar lento
um arfar inconsciente quebrável
e outro corpo surge no mesmo assento

lívidos | livres de vontades prévias
num cárcere de motivos surpresas
pesam-lhes menos os freios das rédeas
com luzes e sons de extremas levezas

sobe-se lentidão | sôfregos | éguas
sopram fogos vermelhos de turquesas
sopram balões de cor | fogem | e levem-nas
além do horizonte das miudezas

querem pegar a música alugável
dormir esquecendo as marcas lamento
perder queimaduras secas de arrojos

não sabem do mal do irremediável
incógnito desígnio sem tento
solo fértil | alma cativa em tojos

Leia mais: https://www.luso-poemas.net/modules/news/article.php?storyid=371433 © Luso-Poemas







Criado em: 1/3 23:51
Transferir o post para outras aplicações Transferir


Comentário a "Quando o vento passa" de MarySSantos

Membro desde:
6/11/2007 15:11
Mensagens: 1940
Este comentário também se encontrará disponível no perfil do utilizador na caixa de comentários do poema.
O poema, na sua íntegra, estará legível após o comentário.

Que corrente de ar!
Deve ser das que aprisiona...

O vento é um símbolo, ou metáfora que cada vez tem mais força no meu gosto.
E o seu contrário, o in-vento.

O vento é um agente de erosão que está em todo o lado.

Na terra, moldando as dunas e as rochas.
No mar, fazendo isso com as ondas, aumentando-as, ou com as marés.
Na atmosfera, levando as nuvens para onde lhe apetece e permitindo, ou evitando a chuva.
Faz os moinhos se moverem, e antes com ele fazia-se farinha e pão.

Quando os "...traçados..." começam a escapulir, mudamos.
É o risco que se corre quando queremos arejar um espaço, como veio na primeira estrofe.

Há um provérbio que diz: Gato escaldado de água fria tem medo.
Este, submete-me à segunda estrofe. Há janelas que deviam ficar fechadas, a "...coragem..." para as abrir terá algum "...medo..." associado.
Acho que uma depende do outro. Enfrentar os desafios sem nunca ter "...medo...", não deve ser coragem.
Aprendi a gostar de gatos, tendo um.
Mais um motivo para gostar deste poema. São figuras que, simbolicamente, significam que têm a ajuda a passar para o reino dos mortos, ou só de etapa, se formos menos abrangentes.
Fugir estranho.
"...muros tombados..." soa a outra bela metáfora. Uma ruína que sugere sujeição. Um pouco derrotista. Depende de como tombaram os muros. Se não foi o próprio sujeito poético a os mandar a baixo.

Uma casa, com janelas (abertas), mas sem "...telhado..." "...nem paredes..." é o que nos aparece na terceira estrofe.
Sobra o chão.
Um chão corrido, como o "...vento..." que também é corrente, "...pela nudez...". Como se vem ao mundo. Sem disfarces, sem proteção do frio, do pó que anda em todo lado (andar? terá pernas?)...
Uma imagem de caos muito bem conseguida se somarmos o "... reinado..." como foi o caso.

Como se não bastasse esta enorme convulsão de imagens e movimento, surge mais uma personagem neste poema, que é tão forte como o vento, embora demasiado usada e explorada, como também é o amorzinho - o Sonho.
Esse, da Pedra Filosofal de Gedeão, que comanda a vida.
Muitas vezes entra no sono. O sonho.

O sonho (e a ambição, já agora) vai-se tendo, vai-se conquistando, vai vivendo, morre e é substituído por outro do mesmo nome.

O vento nem sempre traz furacões.
Às vezes, apenas alimenta o sonho, como levanta um vestido.


Quando o vento passa


cada janela que
abri escapuliu um
traçado de mim.

em fuga,
pelos meus muros tombados,
coragem e medo
foram gatos molhados

e
quando já não
havia telhado
nem paredes para
sustentar passado,
a nudez correu em
circulo querendo
fazer reinado

o tempo riscou
o vento chegou,
encontrando-me ali,
em pé,
pra balançar meu vestido de sonhos

Leia mais: https://www.luso-poemas.net/modules/news/article.php?storyid=371581 © Luso-Poemas

Criado em: 28/2 6:01
Transferir o post para outras aplicações Transferir


Re: CINEMA - Os filmes da minha vida

Membro desde:
6/11/2007 15:11
Mensagens: 1940
Assino em baixo.
Belo e perturbador.
Deu poema.

Obrigado pela partilha

Criado em: 27/2 18:41
Transferir o post para outras aplicações Transferir


Re: CINEMA - Os filmes da minha vida para AliceMaya

Membro desde:
6/11/2007 15:11
Mensagens: 1940
Olá Alice,

Esse realizador fez da qualidade e da inovação no suspense imagem de marca.
Também me lembro da RTP2 passar os seus programas que apresentava com um ar rubicundo.
Hoje em dia quando vejo um bando, ainda me vem à memória o pavor dos Pássaros.
Por pouco, desenvolvi uma fobia... lol

Mas A janela indiscreta é também um clássico.

Não sou um erudito que conhece toda a sua obra, e falta-me se calhar explorá-lo nesta fase.

Abraço

Criado em: 23/2 7:20
_________________
Sou fiel ao ardor,
amo esta espécie de verão
que de longe me vem morrer às mãos
e juro que ao fazer da palavra
morada do silêncio
não há outra razão.

Eugénio de Andrade

Saibam que agradeço todos os comentários.
Por regra, não respondo.
Transferir o post para outras aplicações Transferir


Re: Comentário a "entre a justificação e a desculpa" de Horroriscausa \Alemtagus

Membro desde:
6/11/2007 15:11
Mensagens: 1940
Boas,

Para mim Dar desculpas e Dar justificações para os actos feitos (não vamos chamar de erros ainda) é o mesmo.
Mas se os analisarmos como uma linha temporal, concordo com o tua afirmação.
Desculpamo-nos do que fizemos para justificar os resultados dessas acções.
O Agora (esse belo presente) está muito veloz no meio.
Há quem duvide que exista.

Mas este poema tem mais dessas linhas.

Entre o jovem e o morto é uma das maiores. Maior, na vida, podia ser entre o recém-nascido e o morto.
O sarcasmo, no que diz respeito aos sabores (ou aos saberes como costumas dizer) é entre o picante e o amargo. Fez-me lembrar os adolescentes sempre com uma resposta insolente na ponta da língua. É uma época tramada para a retórica e para a capacidade de resposta.
É, o sarcasmo, uma postura defensiva. Se não o dominares podes te magoar.
A cãibra, é uma dor pegada e incapacitante.
Mas se for a rigidez muscular completa, abre espaço à metáfora da falta de flexibilidade.

Sendo uma crítica, este poema mantém elegância, beleza (como bem reparaste), esmero.

"as marcas da vida do avesso"

têm espaço para angústias, para revoltas, para poesias.

Gostei o teu raciocínio.

Abraço

Criado em: 8/2 6:10
Transferir o post para outras aplicações Transferir


Comentário a "entre a justificação e a desculpa" de Horroriscausa

Membro desde:
6/11/2007 15:11
Mensagens: 1940
Este comentário também se encontrará disponível no perfil do utilizador na caixa de comentários do poema.
O poema, na sua íntegra, estará legível após o comentário.

Há um Dar meio escondido no título.
Dar uma "...justificação..." ou Dar uma "...desculpa...", é quase um sinónimo.
Se vai dar ao mesmo (entre aspas), significa que o espaço é muitíssimo pequeno, ou nulo.
Ou seja, não há "entre..."

Mas a "...justificação...", em que aJustamos, ou tornamos Justo é também um petisco para os meus miolos. Os justos devem andar apertados, bem limitados e claros.
A justiça tem muitas sombras e lados.

A "...desculpa..." também não se atrasa, já que tem um prefixo de negação (o des) e um nome bem giro que me ataca frequentemente, isso da Culpa.
A culpa é, em primeiro lugar, um sentimento. Uma ligação ao erro e à falha, em que o responsável tem um papel. E arrepende-se, sente remorso (outro petisco).
É, depois, uma atribuição social de responsabilidade. Sentença.
Como era bom ser culpado pela paz no mundo.
A culpa é também um polígono.

Isto antes que eu "entre" no corpo do texto.

Os primeiros dois versos situam o poema.
O "...longe..." nota-se que não se mede em quilómetros.
Mas nesse verso, "...as aspas dos olhos..." além da aliteração, colocam os "...olhos..." entre aspas. Como se fossem não-"...olhos...", ou "...olhos..." desusados. Parece uma avaria.
Imageticamente submete-me às pestanas, que os protegem, mas é uma sensação que passa depressa.
Acho que os "...olhos..." é que se destacam. E como é fácil de assumir que os olhos e os olhares mudam com o tempo. O que pensamos hoje podemos não pensar Amanhã. Nem é o que pensámos Ontem.

Imagem forte surge no "...relógio de parede parado..." e sorrio pela semelhança nas palavras "...parado..." e "...parede..." e no engenho que se procurou e conseguiu.
Mas, assim como os olhos são entre aspas, também é o "...relógio...".
Vejamos, um "...relógio de parede..." é decorativo, mas dará as horas? As horas serão para serem dadas?
Há quem diga que um "...relógio..." "...parado..." tem as horas certas duas vezes por dia (se for analógico).

O último verso da primeira estrofe é um pouco mais literal mas com uma metáfora la enfiada. Porque "...na cãibra do agora morto..." é uma forma de expressão em pleonasmo, mas sendo que na morte não há mais nada, também não há "...cãibra..." (a não ser que cãibra=nada e os filósofos vão voltar a filosofar). Assim reforçado o "... morto..." morreu mesmo.

"...Está tudo errado..."
E lá voltamos ao motivos para "...a desculpa...".
Errar é andar por aí, fazer. Bem e mal.
Somos todos errantes, ou não teríamos nascido.

O último dístico também me submete ao "o estranho caso de Benjamin Button", mas se bem me recordo, o final não é tão glamoroso como no do teu poema.
Era bom nascer a saber o que sabemos na idade da "...velha...". Havia menos lugar para tanto que podíamos ter feito melhor...


entre a justificação e a desculpa


chega de longe as aspas dos olhos
sem presença de tempo
no relógio da parede parado
o sarcasmos do antes jovem
na cãibra do agora morto.

está tudo errado

as marcas da vida do avesso

devia ter nascido velha
e morrer recém.nascida.

Leia mais: https://www.luso-poemas.net/modules/news/article.php?storyid=371333 © Luso-Poemas

Criado em: 7/2 7:10
Transferir o post para outras aplicações Transferir



 Topo
(1) 2 3 4 ... 9 »




Links patrocinados