Comentário a "Convite à Loucura" de Aline Lima |
||
---|---|---|
sem nome
|
.
Link para o Perfil da Poetisa Aline LIma O poema comentado (Análise 2) encontra-se no final deste meu texto. Podem lê-lo também através do link que aqui coloco (acima). Olá, Aline. Parto de um pressuposto: o narrador é uma poetisa, parte ativa, participante. Aquilo a que os poetas chamam o sujeito poético ou o eu poético. Permito-me a liberdade de, sendo ainda assim um texto, ainda que não narrativo, chamar narrador a quem escreveu aquelas palavras, daquela forma. Se formos procurar o significado de loucura no dicionário vemos que pode ser “uma alienação mental”, uma “imprudência”, uma “extravagância” ou “ato descontrolado ou irrefletido”. Logo, um convite à loucura, à loucura da poetisa, é um pedido para que a “variável não prevista”, “você” (V.), se junte a ela nessa imprudência, nesse ato descontrolado, nessa extravagância. Será que a tua alma é capaz de compreender e amar a minha loucura? Aqui reside, do meu ponto de vista, o convite do título. É capaz surge como sinónimo do que se lhe segue. Porque também poderia dizer-se: Será que a tua alma compreende e ama a minha loucura? No presente, no agora, no aqui. Porque a extravagância assim o exige. Já! Não espera. Não pode. Não consegue. E é à sua alma que é dirigido o pedido. Ao âmago, à consciência, à essência de V. Porque se rasga em versos, nas folhas finas do papel. Recolhendo fúrias... O uso do verbo rasgar indica um fim de um quase-poema (os versos que vêm a seguir), quase-romance, quase-amor; porque as folhas são finas, frágeis, delicadas, como esse quase-. Recolhe-se, coleciona-se, junta-se o que aparece, ou não, para tentar preencher o que agora já não há. Procura-se encher. Mas existe revolta porque o que se recolhe, efetivamente, são fúrias. Para que servem? Para desgaste interno da energia acumulada naquele amor? Para que ajude a alienada a ganhar coragem, enfurecida como leoa, para alguma coisa ainda mais louca? Ainda que possa ser interna. Temos alguém que, desesperadamente (um universo inteiro saindo do meu peito), procura que a alma de V. a compreenda e a ame naquele estado: à loucura que é sua, àquela alienação mental intrínseca, e entranhada. Pensamos, como leitores de um imaginário poético, que esse é o estado permanente da poetisa enamorada: louca, logo extravagante. Mas continua: será que o teu infinito é maior que o meu? Ora, infinito é infinito... ou não? É eterno, não tem fim (como adjetivo) ou tempo e espaço, o universo, o absoluto, o que a razão humana não pode alcançar (como nome) – a loucura? Será que a tua loucura é maior que a minha? Será que o teu universo é maior do que o meu? Recordo que o seu ela própria o rasga. E se a loucura e o universo de V. forem maiores do que os dela, que fará com eles? Parece que já não os consegue alcançar. É o sonho que lhe dá a resposta: enganar a vida, imaginar. Poupar palavras, como se começa. Mergulhada, imersa na frieza: no gelo, na indiferença, pensamos. Mas logo vemos que não. Porque o mundo tem infinitos diferentes, rasgam-se versos e há universos inteiros que se perdem. Um universo inteiro não é uma vida? E do irremediável, se encontram soluções ímpares. Como tomar café e conversar com a própria loucura. Consigo própria!? Porque não se quer sozinha... porque se desperta a meio da noite, e se escreve, por imperativa necessidade, como que para gravar, recordar, memorizar, aquilo que existe apenas na imaginação. Porque V. não respondeu... Parabéns pelo excelente poema, querida Aline e por me ter proporcionado estes momentos de leitura e análise de que tanto gostei. Espero que goste também, como eu. Beijinhos. Convite à Loucura Mergulhada na frieza, poupando palavras Me rasgo em versos Nas folhas finas do papel. Recolhendo fúrias, Um universo inteiro saindo do meu peito, Me pergunto, será que o teu infinito é maior que o meu? Será que a tua alma é capaz de compreender e amar a minha loucura? Na dúvida, para não deixá-la sozinha, convido-a para tomar um café, somente nós duas. Falamos da vida, falamos do tempo e de você, A variável não prevista, Como um sonho que me acorda no meio da noite Trazendo a resposta para minha procura. Desperto e escrevo o que não acontece, engano a vida. Então imagino, só isso mesmo, apenas imagino.
Criado em: 31/3 21:42
|
|
Transferir |
Re: Comentário a "Convite à Loucura" para AliceMaya |
||
---|---|---|
Membro desde:
2/4/2012 17:15 De Brasília- Brasil
Mensagens:
720
|
Querida Alice,
Antes de tudo, quero agradecer pela sua generosidade e pelo tempo dedicado à sua análise. Fiquei muito feliz com sua leitura perspicaz do meu poema. Sua atenção aos detalhes me proporcionou novas percepções sobre o que tentei escrever e me fez refletir sobre minhas próprias intenções. Vamos ao divã... Vou tentar fazer uma "autoanálise", considerando tudo o que você tão gentilmente explorou. O convite à "loucura" no poema não se refere à insanidade literal, creio que tentei abranger um sentido menos restritivo da loucura, se é que isso é possível. A "loucura" a que me referi seria relacionada àquilo que nos torna únicos e especiais: nossas idiossincrasias e características peculiares que nos distinguem da multidão. Então, podemos dizer que temos um convite à liberdade de viver os desejos e as emoções com plenitude. É uma tentativa de explorar a ideia de romper com as normas e convenções. Ao escrever o poema, me questionei se a forma de ver o mundo e a "loucura" de uma pessoa poderiam encontrar compreensão e acolhimento em outra, no caso, a pessoa desejada. Logo, há inegavelmente um contexto romântico no poema. Certa vez, li um texto do filósofo Gilles Deleuze em que ele afirmava que só amamos de verdade uma pessoa quando percebemos sua "loucura". Partindo dessa ideia, se só amamos de verdade tendo essa percepção, para sermos amados, precisamos da coragem para mostrarmos nossas "loucuras", mesmo com o receio de possíveis rejeições. É extremamente difícil encontrar pessoas que se mostrem tanto, que demonstrem sua "loucura" e outras que sejam capazes de percebê-las e abraçá-las. A maioria prefere viver de acordo com a normalidade, seguindo regras para obterem validação e aceitação. O poema vai no contrafluxo dessa tendência, uma vez que há um apelo por compreensão fora desses padrões. Fiquei muito feliz ao ver a sua interpretação da metáfora sobre a possibilidade de um universo ser maior que outro. Confesso que me arrependo de um verso que deixei de escrever e que talvez pudesse responder à sua pergunta sobre o que a poetisa faria, caso a "loucura"/universo do outro fosse maior que o dela. Imaginar esse cenário é algo muito interessante. O rasgar em versos é alma exposta, uma tentativa de dizer o que poupamos de falar na vida, valendo-se para isso de um meio supostamente frágil. "Recolher fúrias", representa conter a paixão e o fervor, uma internalização forçada. Seu entendimento foi perfeito sobre o acordar no meio da noite e do escrever por imperativa necessidade. O que vejo neste diálogo com a própria "loucura" é a busca por uma espécie de conforto que pode existir na autocompreensão, diante da consciência do que somos na intimidade das nossas mais profundas verdades diante do encontro das nossas ausências ou as de outra pessoa. Uma lucidez na loucura, será? Para finalizar, agradeço por estes momentos de reflexão que você me proporcionou. Se gostei da sua análise? Adorei cada palavra. Tanto que, para o próximo café, estou pensando seriamente em te convidar para estar à mesa conosco. Seríamos quatro: eu, você e as nossas "loucuras", que pelo visto, podem se entender muito bem. Beijos, Aline.
Criado em: 1/4 17:23
|
|
Transferir |
Re: Comentário a "Convite à Loucura" para AliceMaya/AlineLima |
||
---|---|---|
Administrador
Membro desde:
15/2/2007 12:46 De Porto
Mensagens:
3754
|
olá
escrevo estas palavras à frente dos vários graus de loucura que tenho a satisfação de conhecer, o que supõe implicitamente os vários graus de realidade que igualmente tenho a satisfação de conhecer. procurarei, no que vou dizer, não repetir o que tenho dito em anteriores "análises literárias", embora o eco seja transversal a todas ( meu particular apreço ao ler) porque encontro um acolhimento da interpretação individual, a estreita relação do autor, dos poemas em questão com o seu "crítico"/leitor, fazendo com que invariavelmente sejam o elevar da Língua Portuguesa. muito obrigada a ambas, continuem por favor. loucura, loucura... beijo atenciosamente HC
Criado em: 2/4 16:45
|
|
_________________
" An ye harm none, do what ye will " |
||
Transferir |
Re: Comentário a "Convite à Loucura" para HC |
||
---|---|---|
Membro desde:
2/4/2012 17:15 De Brasília- Brasil
Mensagens:
720
|
Olá, minha amiga.
Diante das suas palavras, digo que a mesa é grande, e a loucura é farta, então considere-se convidada para o meu próximo café, já considero que seremos seis. Beijos. Aline.
Criado em: 3/4 18:49
|
|
Transferir |
Re: Comentário a "Convite à Loucura" para AliceMaya p/ Aline Lima |
||
---|---|---|
sem nome
|
Minha querida Aline:
O que me apetecia era agora comentar o teu comentário. E Nunca mais saímos daqui. Muito, muito obrigada por essa partilha tão afetuosa e envolvente, quase emocionante. E cito: É extremamente difícil encontrar pessoas que se mostrem tanto, que demonstrem sua "loucura" e outras que sejam capazes de percebê-las e abraçá-las. O poema vai no contrafluxo dessa tendência, uma vez que há um apelo por compreensão fora desses padrões. Fiquei muito feliz ao ver a sua interpretação da metáfora sobre a possibilidade de um universo ser maior que outro. E como fico feliz por saber que a Aline existe, assim como é e que, ainda por cima, tive o prazer de ler o que escreve e tenho o prazer de ser sua amiga, Abraço grande, da Alice NOTA: O que se encontra riscado: sou eu a concordar
Criado em: 9/4 21:06
|
|
Transferir |