Padecer
Ausência sua, tristeza minha.
Solidão... Realidade covarde e mesquinha, vida a esperar.
Lamento no sorrir, conformidade em meramente existir,
poesia que se perde na estranheza dos dias
que passam dolorosamente devagar.
Indiferença no sentir, padecer disfarçado na frieza do olhar.
Encanto negado, irreparável pesar.
Sorrisos apagados, jeito mais triste de se chorar, pranto calado.
A ilusão do real que o sonhar silencia,
toda a agonia no sussurro do grito sufocado.
Amargura que tudo contagia e adoece,
sina sofrida, emoção contida que a alma
eterniza e jamais esquece.
Sinapse do Desencanto
Do bem e do mal despertaram os meus desencantos.
Na escuridão do mundo vejo fantasmas,
demônios e santos.
Desalento em descrente oração.
Saudade descabida do não ser, do que não foi,
da palavra nunca dita.
É sempre noite no meu coração.
Obscuridade do viver sem vida,
quando quem deveria ficar
deixa-se morrer em despedida,
rostos vazios na multidão.
Existência de rastros
com os olhos rendidos ao chão,
sonhando com os astros,
mediocridade por devoção.
Portas fechadas, entrada somente para raros,
beco sem saída, pensamentos fora do fluxo,
sinapse em desconexão.
Alma se desmanchando por aí perdida,
sem nada de mim, solidão...
Entre Céus
Meu amor está além da cadência do tempo,
Ergue-se além das estações dançantes,
Está na urgência de um beijo que vem no vento.
Eternidade contida em um só instante.
Caminhamos juntos sob diferentes céus,
Contemplamos as mesmas estrelas, em margens distantes.
No mistério que o coração tece em seus véus,
Revela-se por trás do gesto em sutis nuances.
Meu amor está na respiração que acompanha o verso,
Na palavra que traz pra perto,
na inspiração dos dias e noites, além do improvável,
nas cores de um mar intenso.
Além do caos da vida e do inevitável.
Meu amor está numa música perfeita,
Na voz que abraça, excita e acalenta,
Na sua fé rebelde e inabalável, no toque ausente que oferta,
Transcende o espaço, desafia o aceitável e nos liberta.
Vaga-lumes
Vaga-lumes se acendem a parecer magia,
iluminando a escuridão nos campos.
Luzes voando em sincronia, dançam os pirilampos.
Estrelas com asas que brilham no chão.
Vaga-lume, vaga lindo, vaga livre,
despertando o ciúme dos astros na imensidão.
Eternas velas, pequenas faíscas do céu esquecidas
que sem queimar cabem na palma da mão.
Vaga-lumes, riscando a noite... Vagam muito e vagam tão pouco,
lâmpadas acesas no ar que num piscar de olhos se resumem e
se apagam diante de todos.
Filhos da Noite
Filhos da noite, almas perdidas,
dançando e rodopiando sob o luar.
Andarilhos insones de muitas vidas
que em sonhos estranhos costumam vagar.
De épocas distantes, em ruas reconhecidamente percorridas,
repetindo os mesmos passos que levam sempre ao mesmo lugar.
Sem rumo, voltando ao início, labirinto sem saída.
Acendam a chama do coração e no escuro caminhem sem tropeçar.
Filhos da noite esqueçam a proteção humana prometida,
atendam ao chamado da centelha divina no seu sangue a queimar.
Testemunhem o sagrado e ao mundano, sabedoria convertida num único pulsar.
Filhos da noite ouçam a música profana que rompe a realidade entorpecida,
e sem temor venham a sua glória reivindicar.
Liberdade, utopia de outrora não consentida...
Expiem os pecados do mundo nesta triste madrugada com seu inebriante valsar.
Ecos ( Dueto HorrorisCausa e Aline Lima)
Palavras uníssonas voam projetadas na sombra de cada passo nosso dado.
Batem nas costas, abanam os braços, abrem-se em forma de leque
Para aquele abraço.
Voam pelos céus onde compõem musicais pensamentos migrantes, tal andorinha que anuncia um novo ciclo, planta sementes.
E não me sinto só , apenas estou só sem me sentir.
É o começo de um corpúsculo orbital que se propaga pelo oceano, ecoa no ar.
Forma moléculas químicas depositadas em tubos de ensaio que o tempo reagente fez brotar sucos cristalinos na pele da cumplicidade inexplicável.
Agora vejo-te, agora sei que existes, aqui e agora
E de tão longe estás e de tão perto ficas.
E não me sinto só, apenas estou só sem me sentir.
Desafiando limites da lógica e espaço sideral
esbarra duas almas irmãs que se reconhecem sem se saberem.
Singular e rara circunstância de um acaso predestinado,
Escrito certamente por um universo a conspirar.
Estou só, ou não mais estou,
Tento compreender esta unicidade ou então deixo que penetre a estranheza tão absoluta e real que vai além do racional ou qualquer expectativa inventada no caos do meu equilíbrio.
Pretensa paz que me cerca,
Dádiva da vida, reciprocidade na partilha,
Estou só, mas sinto-me mais completa.
Elemental
Quando o sol toca o alto da montanha,
e o mundo todo acende em cores que cintilam e incendeiam,
neste instante, parece que uma faísca basta
para que o beijo entre eles aconteça.
Fecho os olhos e sinto o calor que derrete a neve,
num rio de água pura, que corre seu curso sem que nada o impeça.
Então, natural como tudo o que nasceu para ser,
o fogo do meu sangue responde à força tranquila da terra,
pois assim como ele queima e ela sustenta,
ninguém é só chama ou só pedra.
Intensidades que se reconhecem, elementos que se entrelaçam,
em céus que se misturam e se anseiam.
Equilíbrio que traz sentido e me completa,
o abraço que me faz inteira.
(Coisa de Áries com ascendente em Capricórnio- Fogo e Terra.)
A Flor de Ícaro
De vez em quando esqueço as sombras que me ocupam
e me recuso a aceitar o fim.
Se no silêncio houver a palavra,
sinto tudo à flor do sol,
e, para ele, mesmo sem asas, quero voar,
talvez derreter-me e cair, cair...
E, na queda, saber que
a morte não está no ontem, nem no futuro; está no agora,
nada mata mais do que a vida mal vivida, meu amor.
Rego jardins de pedra, não espero flores,
quero quebrar regras, ser a espada,
desafiar os deuses e o mar,
e somente então... florescer.
Apatia
Num limbo de incertezas e desistências,
Entre o voo e a queda, sem chão ou céu para descansar,
Apenas encaro o abismo que nos resta,
Sem emoção e sem nenhum pesar.
Percebes tão bem o desconforto latente e a minha frieza,
Sabes que não sou o teu lugar, então, por que não te retiras?
Se queres brasa e eu sou gelo,
Se não compartilhas do que me habita,
E te assustas com a minha estranha natureza.
Que traz nas entranhas uma saudade que eu nem sei de quê,
E que por mais que eu facilite a letra, não consegues ler.
Faço-me chuva, para não terminar deserto,
Sofro dos excessos que guardei,
Calo meus medos, perco o juízo,
Semeio sonhos em segredo,
Num vislumbre do que fui ou ainda quero ser.
E assim eu sigo, não sofro, não sinto,
não morro, mas também não vivo...
Até quando?
Mares Não Rasos
Em dias doentes, em meio a nuvens de tristezas,
os céus recuam e não oferecem doçura ou alívio algum.
Quando tudo parece não caber, tento traduzir o indizível
num desaguar de palavras a chover por dentro.
Onde a dor é livre e pura, subverte e despe qualquer ilusão do querer.
No silêncio, a minha voz, uma sutileza da minha loucura,
mundos surgem na minha mente, mares não rasos, sentimentos improváveis,
conversas profundas, paisagens imaginárias,
lugares onde possam morar os meus pensamentos cansados
e as melhores batidas do meu coração.
Que muito sente, pouco se guarda,
que é de verdade até pra quem é imaginação.
E assim, entre o dizer e o sentir, ou o não fazer de nenhum deles,
o sonho se vai todo dia, mas o absurdo fica,
na intensidade de quem sempre busca,
nos olhos que falam, no tocar de palavras não ditas,
que podem ser lidas na pupila, mas que raramente são.
Vontade inquieta, que não se distrai, nem se explica,
que pode levar uma vida inteira para passar ou que às vezes não passa nunca.
Sina de quem tenta ser poeta, sem nunca ter sido poesia.