Fatos e Obviedades
Doçura não é falta de firmeza, sensibilidade não é fraqueza,
sinceridade não precisa ser sinônimo de grosseria e ser bom, não é o mesmo que ser tolo.
Silêncio não significa concordância. Compreensão está longe de ser subserviência.
Intuição, graças a Deus não é loucura !
E paixão, por ser intensidade , não deve ser confundida com falta ou qualquer tipo carência.
O amor inevitavelmente rima com dor,
traz em si contentamento, encanto
e também uma certa tristeza, mas por ser profundidade
e generosidade em essência, nunca,
mas nunca mesmo, nasce da vaidade, do orgulho e certamente não combina com superficialidade
ou falta de inteligência.
Estar perto nem sempre é estar junto, há saudades que são bem mais que uma ausência.
Viver passa depressa demais ... O tempo como um vendaval tudo traz, tudo leva, tudo desfaz.
Por sermos tão breves , sejamos leves.
O melhor que podemos fazer é nos deixarmos em paz.
É... A vida de vez em quando pode até ser doce,
mas assim como uma boa *rapadura, definitivamente, não é mole não.
*rapadura- doce de origem açoriana ou canária , produzido a partir do caldo de cana-de-açúcar de massa bem sólida, muito conhecido por ser uma sobremesa típica da região Nordeste do Brasil.
Vento
Gosto do vento porque ele não tem forma,
porque ele pode ir e vir de qualquer lugar,
sem que ninguém possa vê-lo,
e ainda sim, ter a certeza de que ele está lá.
Aprecio o sentimento de liberdade
que somente o vento é capaz de me dar,
a sua capacidade de constantemente mudar.
Admiro que ninguém possa tê-lo, e que a todos ele possa tocar.
Vento que transforma, que traz e que leva , que me faz voar .
Me arrebata num vendaval, ou me acaricia numa suave brisa.
Seja sopro ou ventania...
Vento que me hipnotiza... Que me faz sonhar.
Na sua lógica natural e intangível, prova que nem tudo o que é real,
é necessariamente visível.
Gosto do vento porque ele me faz crer no impossível.
Que existe mais do que os meus olhos podem ver.
Gosto do vento, porque ele me lembra você.
Reescrito, pois a direção do vento mudou.
Umbigo
Há um tambor que não se cala
mesmo quando o ventre não verteu.
De lá vêm os passos,
desnorteados, como se dançassem
em volta de um berço que nunca houve, uma fogueira que não ardeu.
Às vezes acordo jovem,
com o corpo suado de um parto sem filho.
Às vezes velha,
com os seios cheios de uma fome que não sei saciar.
Fui todas,
a que rompe, a que afoga, a que gira,
a que ouve a música dentro da terra
e a mastiga, sem engolir.
Não me dei, herdei,
pari e sangrei.
E tu, que assistes de fora,
nunca saberás se danço para chamar ou para cuspir o mundo.
Vaga-lumes
Vaga-lumes se acendem a parecer magia,
iluminando a escuridão nos campos.
Luzes voando em sincronia, dançam os pirilampos.
Estrelas com asas que brilham no chão.
Vaga-lume, vaga lindo, vaga livre,
despertando o ciúme dos astros na imensidão.
Eternas velas, pequenas faíscas do céu esquecidas
que sem queimar cabem na palma da mão.
Vaga-lumes, riscando a noite... Vagam muito e vagam tão pouco,
lâmpadas acesas no ar que num piscar de olhos se resumem e
se apagam diante de todos.
Filhos da Noite
Filhos da noite, almas perdidas,
dançando e rodopiando sob o luar.
Andarilhos insones de muitas vidas
que em sonhos estranhos costumam vagar.
De épocas distantes, em ruas reconhecidamente percorridas,
repetindo os mesmos passos que levam sempre ao mesmo lugar.
Sem rumo, voltando ao início, labirinto sem saída.
Acendam a chama do coração e no escuro caminhem sem tropeçar.
Filhos da noite esqueçam a proteção humana prometida,
atendam ao chamado da centelha divina no seu sangue a queimar.
Testemunhem o sagrado e ao mundano, sabedoria convertida num único pulsar.
Filhos da noite ouçam a música profana que rompe a realidade entorpecida,
e sem temor venham a sua glória reivindicar.
Liberdade, utopia de outrora não consentida...
Expiem os pecados do mundo nesta triste madrugada com seu inebriante valsar.
Instruções para não chegar
Não há como fugir do vazio
sem primeiro tocá-lo com as próprias mãos.
Quando a matéria se quebra e se desfaz,
como se só existíssemos nas pequenas frestas
entre a intenção e o gesto.
Onde o corpo desaprende a entrega
e navega sem guia ou paz.
Sem margem, resta apenas um ponto onde o som se afoga.
A mão pousada, ou quase.
O instante em que o passo recua,
sem saber se era avanço, e se perde.
De resto, o tempo faz o que sempre fez:
desenha ausências.
Como se ver fosse sempre tarde
e o sol, um equívoco que repetimos.
Ainda assim, às vezes, a água alcança e toca.
A Flor de Ícaro
De vez em quando esqueço as sombras que me ocupam
e me recuso a aceitar o fim.
Se no silêncio houver a palavra,
sinto tudo à flor do sol,
e, para ele, mesmo sem asas, quero voar,
talvez derreter-me e cair, cair...
E, na queda, saber que
a morte não está no ontem, nem no futuro; está no agora,
nada mata mais do que a vida mal vivida, meu amor.
Rego jardins de pedra, não espero flores,
quero quebrar regras, ser a espada,
desafiar os deuses e o mar,
e somente então... florescer.
Taciturno
Na quietude profunda, lá está ele, taciturno.
Com os seus olhos de gelo e semblante noturno.
Existência feita de luz e de sombras onde se esconde,
Nos cantos ocultos, sua dor e alegria ao coração respondem.
Seus pensamentos, estrelas na névoa, reluzem.
Sua pele feita da noite, na escuridão tem acesso.
Refletindo segredos, onde as trevas em açoite seduzem.
No silêncio, ele suporta sozinho o peso.
Caminha pela vida com passos sérios e lentos,
Um observador solitário, nos seus olhos, tormentos.
Tão distante e quieto, atrai e afasta com seu encanto singular.
Superfície calma, tempestade na alma a brilhar.
No palco da existência, ator enigmático,
Desperta em mim o destino sonhado.
Talvez um dia, a prudência se desfaça,
E a paixão que há em ti seja enfim seu destino e nossa casa.
Por Trás do Vento
Sobre a vitória do silêncio,
o sortilégio no som do vento
e a coragem das palavras que nunca acabam.
Dor de quem se doa sem domínio ou verbo,
letras de um corpo em fragmentos,
vazio de abalos, sem febres,
sem preces e de alma sendo incêndio.
Compondo o pranto feito um pássaro,
pairando no limite entre o delírio e o razoável.
E no seu canto, faz-se livre ao que arde,
ao que sofre e ao que vive.
O Nada
Com asas envernizadas de piche, ambivalente,
voa o tempo, denso e escorregadio que não me pertence.
Senhor de tudo e de todos,
da eternidade do universo e dos instantes que somos.
Ceifador e maestro de uma sinfonia
de batimentos pesados e frios,
em marcha constante e fúnebre.
Marcando o sofrimento do viver
insuficiente e vadio
e o rito sombrio do morrer que precede a própria morte.
Ontem mesmo, no absurdo da existência,
senti que morri...
Nas diferentes dimensões da morte,
na erosão das horas, nos dias que desaparecem,
nem a covardia, nem a coragem nos salvam.
Morremos todos, observando a vida que passa.