Comentário a "A escrita também morre quando a matam" - de Valdevinoxis |
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6/11/2007 15:11 Mensagens:
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O poema, na sua íntegra, estará legível após o comentário. Agora mais a sério (não vamos discutir a seriedade da poesia...), como pode morrer a escrita? Não me compete ter certezas, mas o assunto parece um caso sério (outra vez?!) de filosofia, ou de incerteza existencial que me apeteceu explorar. O título obedece a esse facto. Quando se mata algo, ele morre. Esta é uma forma engenhosa de personificação. Muito simples, parece, mas deste modo o autor coloca a escrita (que é tinta sobre papel, ou pixels em ecrãs, ou onda sonora, entre outras que me esqueço) no mundo dos vivos. Como um peixe, que nasce, cresce, reproduz-se e morre. E vive. Além disso o título põe a nu um crime. Uma espécie de homicídio da escrita. Um escriticínio (?!). Seja voluntário ou involuntário, acidental ou premeditado esse crime mereceu um poema composto por duas estrofes de tom acusatório. A aposta na rima cruzada tem o tom de colocar uma cruz na sepultura da vítima. Além de conceber ao poema melodia e algum ritmo. Na primeira estrofe é quebrada nos últimos três versos. Com nove versos, a primeira estrofe apresenta a teimosia e a pureza como culpadas. Sendo o adjectivo “...rosas...” também um nome, essa subtil ambiguidade diverge-me entre os espinhos (apesar do perfume) e aquele tom desmaiado de vermelho que dá um tom feminino a tudo. O que embeleza também pode tornar feio. Sendo que o apelo à flexibilidade e à tolerância visível face à forma como se associa a fealdade à supracitada teimosia. Uma estrofe forte que também nos fala de “...vontades...” e “...verdades...”. Acho muita graça ao uso do plural na segunda. “verdades” no singular é ilusória. Cada um tem a sua, embora achemos muito conveniente que as várias “...vontades...” coincidam. Desculpem, “...verdades...”. Porque, no fundo para se manter viva, a escrita deve ter vontades e verdades diferentes e não deve ser teimosa nem pura. A segunda estrofe tem um erotismo qualquer que roça o estranho. Composta por cinco versos como os dedos duma mão, a rima mantém-se idêntica à maior parte da estrofe antecedente, apesar do som final mudar. Como que nos quisesse dizer que são as várias camadas de roupa que tornam a vida mais atraente, pois o tom pesado mantêm-se. Gosto dos versos: “...Que presas a fundas crenças, Se mostram vestidas de nuas...” sobretudo da antítese do segundo. Mas também da justificação que o primeiro significa. Porque, no fundo as crenças, apesar de nos sustentarem enquanto pessoas e nos ajudarem no dia-a-dia, por exemplo a tomar as mais variadas decisões, não nos podem levar para caminhos fundamentalistas, nem à violência física ou psicológica. Talvez por isso tenha gostado muito deste poema, por ter uma forte moral sem se tornar demasiado moralista. Seja em “...rimas e as prosas...”. A escrita também morre quando a matam Noutras vontades, Teimosas, teimosas, Noutras verdades Tão puras e rosas, Caíram de fealdade As rimas e as prosas... Em formas mortas, Todas tortas... Polutas. Tristes presenças De letras cruas Que presas a fundas crenças, Se mostram vestidas de nuas Em linhas disformes e tensas.
Criado em: 13/1/2023 9:29
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Re: Comentário a A escrita também morre quando a matam de Valdevinoxis |
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Tão fútil e substancial é o sacrifício De todos os que morrem silenciando Testemunhos, testamentos firmados De loucura espontânea de dizer solene Verdade exprimir natural emoção Perante a indiferença solúvel num Copo de água de sabor nulo, figura Sem testa, tão estéril quanto sabão De besta ou mula prenhe
Criado em: 13/1/2023 10:01
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Re: Comentário a A escrita também morre quando a matam de Valdevinoxis |
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sem nome
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Talvez eu veja por outro lado mais penso que tenho a liberdade de tomar outro caminho, nessa morte da poesia ou talvez adoeça , penso que com a inteligência artificial se for usada de forma livre vai ser um benefício para a comunicação e então não vai morrer e espero fazer parte desse renascimento e com esperança trazer evolução, o exterior talvez seja capaz de mudar o coração.
A escrita sempre renasce, ela não tem corpo e o próximo coração a resgata, então ninguém é capaz de matar embora a qualidade é outra coisa a pensar.
Criado em: 13/1/2023 10:57
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Re: Comentário a A escrita também morre quando a matam de Valdevinoxis |
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Administrador
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27/10/2006 19:09 De Aguiar, Viana do Alentejo
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Bem, é difícil um autor não reagir e, acima de tudo, ter palavras para reagir a este tipo de desconstrução do que escreveu. Eu não tenho.
É, de facto, um trabalho ímpar que nos transporta para a leitura de quem faz a análise e mostra uma sensibilidade interpretativa muito apurada. Não se pode ficar indiferente a esta obra analítica (que tem, claramente, um cunho muito pessoal). Confesso-me rendido e agradecido por ter deixado terra para esta seara. Obrigado
Criado em: 13/1/2023 22:07
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Re: Comentário a A escrita também morre quando a matam de Valdevinoxis |
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Membro de honra
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24/12/2006 19:19 De Montemor-o-Novo
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Gosto da rima, ponto. Sou adepto e fã da dita. Quando leio um poemas sem rima sinto-me obrigado a relê-lo por três, quatro vezes para lhe retirar as imagens que a escrita pode (e deve, sublinho) proporcionar ao leitor, bem como a musicalidade, caso não as tenha não será mais que uma folha em branco ou uma pauta sem colcheias. Leio por aqui milhentos bons poemas sem rima, o que confere ao autor o epíteto de poeta, mas também leio aqui dezenas de milhar de textos ditos poéticos que provam a existência de escritocínio (se me é permitido alterar o termo). Há muitos aqui que praticam essa arte de "matar a escrita" (incluo-me em alguns textos). Mas que mais será isso se não uma aventura num mundo complicado, num universo paralelo feito de caracteres desarrumados e de palavras abstractas?
o problema que reside por aqui tem um outro nome, chama-se "crítica", e são muitos, demasiados até, que a confundem com ofensa. A escrita não morre, é imortal por muito que tentem assassiná-la.
Criado em: 14/1/2023 11:40
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A Poesia é o Bálsamo Harmonioso da Alma |
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A escrita também morre quando a matam |
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sem nome
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"Passo sem explicações, Se for preciso meto portas adentro ... (Fd.Pa) Sentir total e plenamente um poema envolve uma passividade religiosa e uma satisfação endógena que está para além da que recolhemos fisicamente através da pele ou do simples acto sexual, perceber é um esforço e a explicação não se aplica à poesia mas a envolvência de quem procura sentir mais do que em qualquer outra manifestação ou a faculdade de experenciar doutras percepções sensoriais, espartilhar a escrita é forçá-la a comportamentar-se, a contingentar artificialmente o que pode ser fluído, sensível e belo, supremo até, aprendamos a sentir não no cérebro mas no centro sensorial do espírito, no centro da alma como que com a respiração e o respirar, sintamos aumentar em nós o desejo, o fluxo, a paz imensa da faculdade de gozar sensações místicas e a poesia será bem mais glorificante que meras explicações explicativas que se podem prever e/ou explicar por normais normativas como se fosse uma epigrafe de aparente "rigor mortis"
Criado em: 14/1/2023 17:35
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