Comentário a "Um tempo abstrato" de Idália |
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6/11/2007 15:11 Mensagens:
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A transcrição do poema pode ser lida no fim deste comentário. Este poema, estranhamente, submete-me para a “Balada da Neve” de Augusto Gil. A referência ao estado do tempo, altamente metaforizado, repete-se. Nada de igual na estação do ano, nada de igual em qualquer que seja o verso, Nada de igual. Há, contudo, o espanto. E a indecisão. Sobretudo, dos primeiros versos. Todo o tom em forma dissimulada de pergunta, que quase inebria. Aqui vai, para quem nunca leu: (da “balada da neve”) “Batem leve, levemente, como quem chama por mim. Será chuva? Será gente? Gente não é, certamente e a chuva não bate assim...” A autora, ao contrário de Augusto Gil, não obedece a formalismos, excepto, à quebra de verso e estrofe. Em verso livre, opta por espaçar os versos duma forma mais ou menos regular, mas que estende o poema. A mancha gráfica torna-se espaçosa. Uma vista desafogada. O primeiro verso é uma metáfora, num tom jovial, no qual o sujeito poético sugere aos leitores uma novidade que sente. “Há uma invisível roupagem de verão...” Apesar de não ser visível a olho nu, esse “...verão...” “...Há...”. O verbo haver é duma graça pegada. É o mesmo que existir, sem existir ser. É como aprendemos a escrever “à” sem agá. O com agá, se pudermos substituir por existe, leva. Então existe, não se vê. A roupagem aqui é mais um calção, que pode levar outros nomes como, estio, calor, morno, bafo... Ou outros sentidos, que se verão se aparecem. Pode nem ser o fim do inverno, mas o verbo ver, no futuro do indicativo, na terceira pessoa do plural. Quando se escrevia, com maiúscula, as estações do ano, havia menor ambiguidade. O segundo verso ajuda a clarificar. “...labirintos de folhagens novas...” As “...folhagens novas...” são típicas da primavera. Mas o verso ganha beleza, quando os “...labirintos...” fazem-nos perder, na explosão que a natureza exige. Eis, como ser poético. O resto da estrofe é bem conseguida, mas precisava do arranque que teve, para captar o leitor. O dístico que se segue, contraria a minha suposição, de um sujeito poético que (se) questiona. “...Não o questiono nem lhe pergunto de onde vem...” Apesar disso, creio haver alguma ironia suave em todo o poema, que se reflete bastante bem nestes dois versos. Ainda assim, é uma leitura, essencialmente, de gratidão. E na verdade, por muito que valorizemos o conhecimento e a ciência (que é uma das ferramentas mais fortes para o adquirir), é sempre saboroso manter algum segredo na vida. É dele que vêm as surpresas, as más e as boas. Mas continuando, e avançando para a última estrofe, o sujeito poético reafirma esse prazer, quando se refere ao “...mistério...”. E fazendo novamente uso das metáforas, os dois versos que iniciam a estrofe são referências canónicas à escrita, à inspiração poética, a um ardor pressentido: “...Será uma voz, um eco, um corpo o voo de um pássaro...” Muito belo este poema. Agrada-me muito a tua chegada ao site. Paro sempre para ler, e tenho de me esforçar para não favoritar a maioria dos teus textos. Tens esmero, respeito pela arte, e és esforçada sem forçar. Abraço irmã Um tempo abstrato Há uma invisível roupagem de verão labirintos de folhagens novas indefinidos porvires num tempo abstrato que se entranha e me acorda sentires. Não o questiono nem lhe pergunto de onde vem. Será uma voz, um eco, um corpo o voo de um pássaro que ateia mistérios no meu rosto.
Criado em: 18/5/2022 8:48
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Re: Comentário a "Um tempo abstrato" de Idália |
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sem nome
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Às vezes, sou tempo. Às vezes, sou um lugar. E, a dado momento, sou as histórias que invento, quando a imaginação quer voar.
E depois, existem os poetas. Aqueles que têm magia no olhar. E Rogério Beça, poeta, olhou o meu texto e viu nele poesia. Agradeço-te, Rogério, a análise minuciosa e a interpretação fiel, perfeita, deste meu texto, assim como agradeço a benevolência das tuas palavras. Muito obrigada por estares aqui e por seres o poeta e a pessoa que és. Um abraço, irmão.
Criado em: 23/5/2022 21:42
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