Comentário a “como são as vossas lágrimas?” de Mimus-triurus |
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6/11/2007 15:11 Mensagens:
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Este comentário também se encontrará disponível no perfil do utilizador na caixa de comentários do poema.
O poema, na sua íntegra, estará legível após o comentário. Um homem não chora. É um preconceito fácil que podia ser ouvido em décadas anteriores. Ainda não estou certo da dimensão do h. Nem das vozes que o prenunciaram. Uma letra muda. Ironias à parte, é interessante que o título do poema surja em forma de pergunta. O autor parece procurar o diálogo e permitindo, também, ao leitor, a introspeção. “Como são as vossas lágrimas?” Se excetuarmos as lágrimas de felicidade e dos atores, que são possíveis e registadas, são geralmente associadas à mágoa, nas mais variadas formas. Esse confronto, seguindo esta lógica, tem algo de desconforto. Como se nos perguntassem como são as nossas dores. E íntimo. Serão como um rio, em catadupa? Ou escassas e singulares? Serão quentes, frias, arderão no rosto? Serão sempre iguais, ou sempre diferentes? Se não soubermos responder, já terá valido a pena ter sido feita. Se depois nos afastarmos desse incómodo que nos causa o título, entramos nas sete estrofes de forma muito agradável. Há no primeiro verso a sugestão de movimento que o “...retrovisor...” sempre me provoca. A poética entra em acção na utilização da metáfora “...retrovisor do tempo...” como alusão ao recordar. Nos dois primeiros versos da primeira estrofe aparecem várias referências à visão, no supracitado retrovisor e também no “olho...” e depois no “...observo...”. Na transição do primeiro para o segundo verso há um apuramento da acção. Um convite à atenção. A atenção tem um objecto que podemos acompanhar em todo o poema. A “..menina...” , sem nome, é um sujeito poético maior e forte que é caracterizado com fragilidade. Na primeira estrofe a alusão a magreza é pungente, quer nos “...palitos...” como no “...fininho...”. Primeira estrofe amarga. Não que a fragilidade se esfume nas outras. Na segunda estrofe surge a primeira alusão ao quotidiano do sujeito poético, sem nos livrarmos do tom trágico. A ligação à anterior mantém-se com o “...vejo-a...” e estabelece uma engraçada tríade (olhar, observar e ver). “...os olhos em pedra...” e “...a nítida lágrima...” repartem-se entre o leitor, o sujeito poético e a menina, deixando uma doce confusão no ar. “...Os olhos em pedra...” dão uma certa dureza que parece quase contrária ao acto de chorar, ou lacrimejar se quisermos. Além disso, num só verso o “...[orvalhada]...” há também a ideia de contenção e escassez, apesar da nitidez. A comparação com “...a erva...” parece-me menos clara, e talvez seja o único ponto fraco. Um nó na garganta esta estrofe. Que não se desfaz na seguinte, onde acho que se atinge o ponto alto. Estranha e macabra “...lancheira...” que leva “...pão com toucinho...”. Metáforas ricas, um parênteses recto que procura uma ironia sem piada mas muita graça. A descrição duma realidade de violência, triste e deprimente. Os sorrisos fingidos podem ser como lágrimas. Uma estrofe com cheiro. Os meninos em escolas de adultos são uma verdade ainda actual, mas que fez parte da história de inúmeras famílias. Reflexo de famílias carenciadas onde grassa a ignorância e outros tipos de miséria. As estrofes finais trazem algum alívio à leitura, apesar de se verificar que tal apenas acontece porque o ambiente familiar apagava o fingimento. No final, o facto do “...olhar.” ser o que persiste, submete a leitura mais uma vez ao título, uma vez por ser pelos olhos que saem as lágrimas. Então, o que podemos responder? Tive algumas hesitações na decisão de fazer este comentário. Gosto de ler mais textos do autor antes de arriscar fazê-lo. Contudo, acho que este primeiro e único poema até esta data, tem qualidade para que me tivesse debruçado sobre ele. Um tema difícil, uma poética com figuras de estilo variadas e bem construídas. Alguns versos muito bons, sem existirem outros que estraguem a construção. Espero que o autor nos brinde com outros de semelhante valor. Ou melhores. Bela calhandrice... Como são as vossas lágrimas? Olho no retrovisor do tempo E observo aquela menina Com dois palitos Segurando O fininho corpo Vejo-a Saindo de casa Com os olhos em pedra Não o suficiente Para a nítida lágrima Parar de escorrer [Orvalhada] Como a erva Gelada Na cara Aquela menina Todas as manhãs Levava um soco no estômago Um pão com toucinho E sorrisos [Tão bem ensaiados] Na lancheira Aquela menina ia para escola dos adultos não dos meninos No fim do dia Chegava a casa E o telhado desabava Era Uma dádiva Esvaziar o transbordar De todas as tristezas [Empilhadas] Com a idade Tudo se transformou Naquela menina Menos o olhar
Criado em: 16/12/2022 20:03
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São como nossas, as lágrimas |
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sem nome
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![]() São como nossas, as lágrimas São como gente, as nossas lágrimas Lentes criadas inevitável esculpidas Em vida em almas são, como só elas ... Joel Matos
Criado em: 17/12/2022 21:00
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Re: Comentário a “como são as vossas lágrimas” de Mimus-triurus |
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6/11/2007 15:11 Mensagens:
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Era este o outro mimo...
Criado em: 8/10/2023 17:52
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Sou fiel ao ardor, amo esta espécie de verão que de longe me vem morrer às mãos e juro que ao fazer da palavra morada do silêncio não há outra razão. Eugénio de Andrade Saibam que agradeço todos os comentários. Por regra, não respondo. |
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Re: Comentário a “como são as vossas lágrimas” de Mimus-triurus/R.Beça |
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Administrador
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15/2/2007 12:46 De Porto
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olá
confesso que não conheço o autor, não conheço seus escritos. desta análise, por influência fui pesquisar mais e...?? encontrei apenas " o esvoaçar da tartaruga" com muita pena minha, pois tua análise espicaçou.me a curiosidade de conhecer mais atenciosamente HC
Criado em: 9/10/2023 16:36
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" An ye harm none, do what ye will " |
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Re: Comentário a “como são as vossas lágrimas” de Mimus-triurus - HC |
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6/11/2007 15:11 Mensagens:
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O "como são as vossas lágrimas" foi o primeiro que publicou aqui.
O autor deve ter apagado. O que acho pena também, uma vez que me inspirou e levou a comentar, pelos motivos que declarei. Também tenho essa curiosidade, mas em casos destes de sites de escrita, há que respeitar as escolhas do autor. Espero que publique mais. Pelo menos parece ter vindo para ficar. Beijinho HC
Criado em: 10/10/2023 6:43
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Sou fiel ao ardor, amo esta espécie de verão que de longe me vem morrer às mãos e juro que ao fazer da palavra morada do silêncio não há outra razão. Eugénio de Andrade Saibam que agradeço todos os comentários. Por regra, não respondo. |
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