O HUMOR E ALEGRIA DO MANECO (MANUEL ANTÔNIO ÁLVARES DE AZEVEDO - 1831/1852) |
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26/7/2009 18:46 De Rio de Janeiro - RJ.
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SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO..............................................03 HUMOR I. Ai Jesus!....................................................07 II. A cantiga do sertanejo................................08 III. Vagabundo.................................................12 IV. A lagartixa...........................................14 V. Luar de verão..........................................15 VI. É ela! É ela! É ela! É ela!...........................16 VII. Namoro a cavalo......................................18 VIII. Dinheiro..................................................20 IX. Toda aquela mulher tem a pureza.......................21 ALEGRIA X. No mar.......................................................23 XI. Amor......................................................25 XII. Na várzea....................................................28 XIII. Meu desejo..........................................32 XIV. Terza rima...........................................33 XV. Soneto....................................................34 XVI. Soneto....................................................35 XVII. Fui um doudo em sonhar tantos amores................36 XVIII. Cismar....................................................37 APRESENTAÇÃO Manuel Antônio Álvares de Azevedo (nascido a 12 de setembro de 1831 em São Paulo e falecido em 25 de abril de 1852 no Rio de Janeiro – Maneco – como era chamado em família) é o poeta do mal do século, do spleen (melancolia), do cemitério, do sepulcro, da morte, do cadáver, do Ultrarromântismo (pessimismo em relação à vida). Foi assim que o jovem poeta (morto antes de completar vinte e um anos) passou à literatura brasileira, acreditamos que este fato carece revisão. Para que esta pequena análise literária seja compreendida em seu cerne, precisamos apreender o significado das palavras humor no sentido de graça, ironia e alegria como euforia, contentamento. Todos os poemas pertencem ao livro “Lira dos vinte anos” (1853), obra máxima do Autor. Podemos dividi-los, para este trabalho, em poemas que mostram humor e ironia: e poemas que mostram euforia e contentamento. Segundo Álvares de Azevedo, os poemas estão divididos em duas “faces”, que representam a contradição existente entre o Bem (face Ariel – 1ª e 3ª partes – poemas ingênuos, castos, inocentes de Lira de vinte anos) e o Mal (face Caliban - 2ª parte). Assim teremos: Ai Jesus! A cantiga do sertanejo (1ª parte: face Ariel – poemas ingênuos e inocentes), Spleen e charutos: Vagabundo, A lagartixa e Luar de verão (2ª parte: face Caliban – poemas irônicos e sarcásticos), É ela! É ela! É ela! É ela! Namoro a cavalo, Dinheiro e Toda aquela mulher tem a pureza (como determinam os ensinos literários, toda a vez que o Autor não nomear o poema o primeiro verso será o nome do mesmo). Em alegria teremos: No mar (1ª parte – face Ariel), Amor (3ª parte: face Ariel), Na várzea (3ª parte: face Ariel), Meu desejo (3ª parte: face Ariel), Terza rima (influência de A divina comédia de Dante Aliguiere – 1350 a 1412 – 3ª parte: face Ariel), Soneto “Um mancebo no jogo se descora” (3ª parte – face Ariel), Soneto “Ao sol do meio-dia eu vi dormindo” (3ª parte: face Ariel), Fui um doudo em sonhar tantos amores (3ª parte: face Ariel) e Cismar (3ª parte: face Ariel). Com esse olhar sobre a obra de Álvares de Azevedo, principalmente sobre as poesias de Lira dos vinte anos (1853), obra máxima do autor, tencionamos dizer o contrário, ou seja, o jovem não é somente “sepulcral”, aproximado aos cemitérios, aos cadáveres, ao lado negro da vida, em suma, podemos também, encontrar em sua obra humor, divertimento e alegria. Em outras poesias o jovem é divertido, mas exatamente no final, retorna ao seu estado “depressivo”, não servindo então, para esse estudo (Ex.: Cantiga – Lira dos vinte anos – 1ª parte). Aqui apresentamos dezoito poesias, que devem (esta é a nossa tentativa) reabilitar esse interessante autor brasileiro. Esperamos que este pequeno estudo “produza” outros trabalhos e ajude a desmistificar e destruir a “aura negra” que envolve o jovem Álvares e possa revelar, também, a sua face humorística e alegre. HUMOR AI JESUS! Ai Jesus! não vês que gemo, Que desmaio de paixão Pelos teus olhos azuis? Que empalideço, que tremo, Que me expira o coração? Ai Jesus! Que por um olhar, donzela, Eu poderia morrer Dos teus olhos pela luz? Que morte! que morte bela! Antes seria viver! Ai Jesus! Que por um beijo perdido Eu de gozo morreria Em teus níveos seios nus? Que no oceano dum gemido Minh’alma se afogaria? Ai Jesus! A CANTIGA DO SERTANEJO Love me, and leave me not. SHAKESPEARE, Merch. Of Venice. Donzela! Se tu quiseras Ser a flor das primaveras Que tenho no coração: E se ouviras o desejo Do amoroso sertanejo Que descora de paixão!... Se tu viesses comigo Das serras ao desabrigo Aprender o que é amar... — Ouvi-lo no frio vento, Das aves no sentimento, Nas águas e no luar!... Ouvi-lo nessa viola, Onde a modinha espanhola Sabe carpir e gemer!... Que pelas horas perdidas Tem cantigas doloridas, Muito amor, muito doer... Pobre amor! o sertanejo Tem apenas seu desejo E as noites belas do val!... Só o ponche adamascado, O trabuco prateado E o ferro de seu punhal!... E tem as lendas antigas E as desmaiadas cantigas Que fazem de amor gemer!... E nas noites indolentes Bebe cânticos ardentes Que fazem estremecer!... Tem mais... na selva sombria Das florestas a harmonia, Onde passa a voz de Deus, E nos relentos da serra Pernoita na sua terra, No leito dos sonhos seus! Se tu viesses, donzela, Verias que a vida é bela No deserto do sertão: Lá têm mais aroma as flores E mais amor os amores Que falam do coração! Se viesses inocente Adormecer docemente À noite no peito meu!... E se quisesses comigo Vir sonhar no desabrigo Com os anjinhos do céu! É doce na minha terra Andar, cismando, na serra Cheia de aroma e de luz, Sentindo todas as flores, Bebendo amor nos amores Das borboletas azuis! Os veados da campina Na lagoa, entre a neblina, São tão lindos a beber!... Da torrente nas coroas Ao deslizar das canoas É tão doce adormecer!... Ah! Se viesses, donzela, Verias que a vida é bela No silêncio do sertão! Ah!... morena, se quiseras Ser a flor das primaveras Que tenho no coração! Junto às águas da torrente Sonharias indolente Como num seio d’irmã!... — Sobre o leito de verduras O beijo das criaturas Suspira com mais afã! E da noitinha as aragens Bebem nas flores selvagens Efluviosa fresquidão!... Os olhos têm mais ternura E os ais da formosura Se embebem no coração!... E na caverna sombria Tem um ai mais harmonia E mais fogo o suspirar!... Mais fervoroso o desejo Vai sobre os lábios num beijo Enlouquecer, desmaiar!... E da noite nas ternuras A paixão tem mais venturas E fala com mais ardor!... E os perfumes, o luar, E as aves a suspirar, Tudo canta e diz — amor! Ah! vem! amemos! vivamos! O enlevo do amor bebamos Nos perfumes do serão! Ah! Virgem, se tu quiseras Ser a flor das primaveras Que tenho no coração!... VAGABUNDO Eat, drink and love; what can the rest avail BYRON Eu durmo e vivo no sol como um cigano, Fumando meu cigarro vaporoso, Nas noites de verão namoro estrela; Sou pobre, sou mendigo, e sou ditoso! Ando roto, sem bolsos nem dinheiro; Mas tenho na viola uma riqueza: Canto à lua de noite serenatas, E quem vive de amor não tem pobreza. Não invejo ninguém, nem ouço a raiva Nas cavernas do peito, sufocante, Quando à noite na treva em mim se entornam Os reflexos do baile fascinante. Namoro e sou feliz nos meus amores; Sou garboso e rapaz... Uma criada Abrasada de amor por um soneto Já um beijo me deu subindo a escada... Oito dias lá vão que ando cismado Na donzela que ali defronte mora. Ela ao ver me sorri tão docemente! Desconfio que a moça me namora!.. Tenho por meu palácio as longas ruas; Passeio a gosto e durmo sem temores; Quando bebo, sou rei como um poeta, E o vinho faz sonhar com os amores. O degrau das igrejas é meu trono, Minha pátria é o vento que respiro, Minha mãe é a lua macilenta, E a preguiça a mulher por quem suspiro. Escrevo na parede as minhas rimas, De painéis a carvão adorno a rua; Como as aves do céu e as flores puras Abro meu peito ao sol e durmo à lua. Sinto me um coração de lazzaroni; Sou filho do calor, odeio o frio; Não creio no diabo nem nos santos. Rezo à Nossa Senhora, e sou vadio! Ora, se por aí alguma bela Bem doirada e amante da preguiça Quiser a nívea mão unir à minha Há de achar me na Sé, domingo, à Missa. A LAGARTIXA A lagartixa ao sol ardente vive E fazendo verão o corpo espicha: O clarão de teus olhos me dá vida Tu és o sol e eu sou a lagartixa. Amo te como o vinho e como o sono, Tu és meu copo e amoroso leito Mas teu néctar de amor jamais se esgota, Travesseiro não há como teu peito. Possa agora viver: para coroas Não preciso no prado colher flores; Engrinaldo melhor a minha fronte Nas rosas mais gentis de teus amores. Vale todo um harém a minha bela, Em fazer me ditoso ela capricha; Vivo ao sol de seus olhos namorados, Como ao sol de verão a lagartixa. LUAR DE VERÃO O que vês, trovador?—Eu vejo a lua Que sem lavor a face ali passeia; No azul do firmamento inda é mais pálida Que em cinzas do fogão uma candeia. O que vês, trovador?—No esguio tronco Vejo erguer se o chinó de uma nogueira. Além se entorna a luz sobre um rochedo Tão liso como um pau de cabeleira. Nas praias lisas a maré enchente S'espraia cintilante d'ardentia Em vez de aromas as doiradas ondas Respiram efluviosa maresia! O que vês, trovador?—No céu formoso Ao sopro dos favônios feiticeiros Eu vejo—e tremo de paixão ao vê las— As nuvens a dormir, como carneiros. E vejo além, na sombra do horizonte, Como viúva moça envolta em luto, Brilhando em nuvem negra estrela viva Como na treva a ponta de um charuto. Teu romantismo bebo, ó minha lua, A teus raios divinos me abandono, Torno me vaporoso, e só de ver te Eu sinto os lábios meus se abrir de sono. É ELA! É ELA! É ELA! É ELA! É ela! é ela!—murmurei tremendo, E o eco ao longe murmurou—é ela! Eu a vi—minha fada aérea e pura— A minha lavadeira na janela! Dessas águas furtadas onde eu moro Eu a vejo estendendo no telhado Os vestidos de chita, as saias brancas; Eu a vejo e suspiro enamorado! Esta noite eu ousei mais atrevido Nas telhas que estalavam nos meus passos Ir espiar seu venturoso sono, Vê la mais bela de Morfeu nos braços! Como dormia! que profundo sono! . . . Tinha na mão o ferro do engomado. . . Como roncava maviosa e pura!. . . Quase caí na rua desmaiado! Afastei a janela, entrei medroso: Palpitava lhe o seio adormecido... Fui beijá la. . . roubei do seio dela Um bilhete que estava ali metido. . . Oh! de certo. . . (pensei) é doce página Onde a alma derramou gentis amores; São versos dela. . . que amanhã de certo Ela me enviará cheios de flores. Tremi de febre! Venturosa folha! Quem pousasse contigo neste seio! Como Otelo beijando a sua esposa, Eu beijei a a tremer de devaneio. . É ela! é ela!—repeti tremendo; Mas cantou nesse instante uma coruja... Abri cioso a página secreta. . . Oh! meu Deus! era um rol de roupa suja! Mas se Werther morreu por ver Carlota Dando pão com manteiga às criancinhas, Se achou a assim mais bela,—eu mais te adoro Sonhando te a lavar as camisinhas! É ela! é ela! meu amor, minh'alma, A Laura, a Beatriz que o céu revela. . . É ela! é ela!—murmurei tremendo, E o eco ao longe suspirou—é ela! NAMORO A CAVALO Eu moro em Catumbi. Mas a desgraça Que rege minha vida malfadada Pôs lá no fim da rua do Catete A minha Dulcinéia namorada. Alugo (três mil réis) por uma tarde Um cavalo de trote (que esparrela!) Só para erguer meus olhos suspirando A minha namorada na janela... Todo o meu ordenado vai se em flores E em lindas folhas de papel bordado Onde eu escrevo trêmulo, amoroso, Algum verso bonito. . . mas furtado. Morro pela menina, junto dela Nem ouso suspirar de acanhamento. . . Se ela quisesse eu acabava a história Como toda a comédia—em casamento. Ontem tinha chovido. . . que desgraça! Eu ia a trote inglês ardendo em chama, Mas lá vai senão quando uma carroça Minhas roupas tafuis encheu de lama... Eu não desanimei. Se Dom Quixote No Rocinante erguendo a larga espada Nunca voltou de medo, eu, mais valente, Fui mesmo sujo ver a namorada. . . Mas eis que no passar pelo sobrado Onde habita nas lojas minha bela Por ver me tão lodoso ela irritada Bateu me sobre as ventas a janela... O cavalo ignorante de namoros Entre dentes tomou a bofetada, Arrepia se, pula, e dá me um tombo Com pernas para o ar, sobre a calçada. .. Dei ao diabo os namoros. Escovado Meu chapéu que sofrera no pagode Dei de pernas corrido e cabisbaixo E berrando de raiva como um bode. Circunstância agravante. A calça inglesa Rasgou se no cair de meio a meio, O sangue pelas ventas me corria Em paga do amoroso devaneio! D I N H E I R O Oh! argent! Avec toi on est beau, jeune, adoré; on a consideration, honneur, qualités, vertus. Quand on n'a point d'argent, on est dans la dépendance de toutes ces choses et de tout le monde. CHATEAUBRIAND Sem ele não há cova—quem enterra Assim gratis a Deo? O batizado Também custa dinheiro. Quem namora Sem pagar as pratinhas ao Mercúrio? Demais, as Dánaes também o adoram. Quem imprime seus versos, quem passeia, Quem sobe a Deputado, até Ministro, Quem é mesmo Eleitor, embora sábio, Embora gênio, talentosa fronte, Alma Romana, se não tem dinheiro? Fora a canalha de vazios bolsos! O mundo é para todos.... Certamente, Assim o disse Deus—mas esse texto Explica se melhor e doutro modo. Houve um erro de imprensa no Evangelho: O mundo é um festim—concordo nisso, Mas não entra ninguém sem ter as louras. TODA AQUELA MULHER TEM A PUREZA Toda aquela mulher tem a pureza Que exala o jasmineiro no perfume, Lampeja seu olhar nos olhos negros Como, em noite d’escuro, um vagalume... Que suave moreno o de seu rosto! A alma parece que seu corpo inflama... Simula até que sobre os lábios dela Na cor vermelha tem errante chama... E quem dirá, meu Deus! que a lira d'alma Ali não tem um som — nem de falsete! E, sob a imagem de aparente fogo, É frio o coração como um sorvete! ALEGRIA NO MAR Les étoiles s’allument au ciel, et la brise du soir erre doucement parmi les fleurs: rêvez, chantez et soupirez.GEORGE SAND Era de noite: — dormias, Do sonho nas melodias, Ao fresco da viração, Embalada na falua, Ao frio clarão da lua, Aos ais do meu coração! Ah! que véu de palidez Da langue face na tez! Como teus seios revoltos Te palpitavam sonhando! Como eu cismava beijando Teus negros cabelos soltos! Sonhavas? — eu não dormia; A minh’alma se embebia Em tua alma pensativa! E tremias, bela amante, A meus beijos, semelhante Às folhas da sensitivas! E que noite! que luar! E que ardentias no mar! E que perfumes no vento! Que vida que se bebia Na noite que parecia Suspirar de sentimento! Minha rola, ó minha flor, Ó madresilva de amor, Como eras saudosa então! Como pálida sorrias E no meu peito dormias Aos ais do meu coração! E que noite! que luar! Como a brisa a soluçar Se desmaiava de amor! Como toda evaporava Perfumes que respirava Nas laranjeiras em flor! Suspiravas? que suspiro! Ai que ainda me deliro Entrevendo a imagem tua Ao fresco da viração, Aos ais do meu coração, Embalada na falua! Como virgem que desmaia, Dormia a onda na praia! Tua alma de sonhos cheia Era tão pura, dormente, Como a vaga transparente Sobre seu leito de areia! Era de noite — dormias, Do sonho nas melodias, Ao fresco da viração; Embalada na falua, Ao frio clarão da lua, Aos ais do meu coração. AMOR Quand la mort est si belle, Il est doux de mourir. V. HUGO Amemos! quero de amor Viver no teu coração! Sofrer e amar essa dor Que desmaia de paixão! Na tu’alma, em teus encantos E na tua palidez E nos teus ardentes prantos Suspirar de languidez! Quero em teus lábios beber Os teus amores do céu! Quero em teu seio morrer No enlevo do seio teu! Quero viver d’esperança! Quero tremer e sentir! Na tua cheirosa trança Quero sonhar e dormir! Vem, anjo, minha donzela, Minh’alma, meu coração... Que noite! que noite bela! Como é doce a viração! E entre os suspiros do vento, Da noite ao mole frescor, Quero viver um momento, Morrer contigo de amor! MINHA MUSA Minha musa é a lembrança Dos sonhos em que eu vivi, É de uns lábios a esperança E a saudade que eu nutri! É a crença que alentei, As luas belas que amei E os olhos por quem morri! Os meus cantos de saudade São amores que eu chorei, São lírios da mocidade Que murcham porque te amei! As minhas notas ardentes São as lágrimas dementes Que em teu seio derramei! Do meu outono os desfolhos, Os astros do teu verão, A languidez de teus olhos Inspiram minha canção... Sou poeta porque és bela, Tenho em teus olhos, donzela, A musa do coração! Se na lira voluptuosa Entre as fibras que estalei Um dia atei uma rosa Cujo aroma respirei... Foi nas noites de ventura, Quando em tua formosura Meus lábios embriaguei! E se tu queres, donzela, Sentir minh’alma vibrar, Solta essa trança tão bela, Quero nela suspirar! E dá repousar-me teu seio... Ouvirás no devaneio A minha lira cantar! NA VÁRZEA Como é bela a manhã! Como entre a névoa A cidade sombria ao sol clareia E o manto dos pinheiros se aveluda... E o orvalho goteja dos coqueiros... E dos vales o aroma acorda o pássaro... E o fogoso corcel no campo aberto Sorve d’alva o frescor, sacode as clinas, Respira na amplidão, no orvalho rola, Cobra em leito de folhas novo alento E galopa nitrindo! Agora que a manhã é fresca e branca E o campo solitário e o val se arreia... Ó meu amigo, passeemos juntos Na várzea que do rio as águas negras Umedecem fecundas... O campo é só: na chácara florida Dorme o homem do vale e no convento Cintila a medo a lâmpada da virgem, Que pálidas vestais no altar acendem! Tudo acorda, meu Deus, nestas campinas! Os cantos do Senhor erguem-se em nuvens, Como o perfume que evapora o leito Do lírio virginal! Acorda, ó meu amigo: quando brilha Em toda a natureza tanto encanto, Tanta magia pelo céu flutua E chovem sobre os vales harmonias, É descrer do Senhor dormir no tédio, É renegar das santas maravilhas O ardente coração não expandir-se E a alma não jubilar dentro do peito! Lá onde mais suave entre os coqueiros, O vento da manhã nas casuarinas Cicia mais ardente suspirando, Como de noite no pinhal sombrio Aéreo canto de não vista sombra, Que enche o ar de tristeza e amor transpira... Lá onde o rio molemente chora Nas campinas em flor e rola triste... Alveja, à sombra, habitação ditosa, Coroa os frisos da janela verde A trepadeira em flor do jasmineiro E pelo muro se avermelha a rosa. Ali quando a manhã acorda a bela, A bela, que eu sonhei nos meus amores... Ao primeiro calor do sol d’aurora Entorna-se da flor o doce aroma, Inda mais doce em matutino orvalho, Nas tranças negras da donzela pálida, Mais bela que o diamante se aveluda, Camélia fresca, inda em botão, tingida De neve e de coral... no seio dela Não reluz o colar... em negro fio A cruz da infância melhor guarda o seio, Que o amor virginal beija tremendo E os ais do coração melhor perfuma... Vem comigo, mancebo: aqui sentemo-nos... Ela dorme: a janela inda cerrada Se enche de rosas e jasmins, à noite... E as flores virgens com o aberto seio Um beijo da donzela ainda imploram. Mais doce o canto foge de mistura Co’as doces notas do violão divino! Anjo da vida te verteu nos lábios O mel dos serafins que a voz serena, Que a transborda de encanto e de harmonia E faz no eco propulsar meu peito! Suspire o violão: nos seus lamentos Murmura essa canção dos meus amores, Que este peito sangrento lhe votara, Quando a seus pés, acesa a fantasia, Em doce engano derramei minh’alma! Quando a brisa seus ais melhor afina, Quando a frauta no mar branda suspira, Com mais encanto as folhas do salgueiro Debruçam-se nas águas solitárias E deixam, gota a gota, o argênteo orvalho Como prantos nas folhas deslizar-se. Quando a voz do cantor perder-se, à noite, Na margem da torrente, ou nas campinas, Ou no umbroso jardim que flores cobrem... Mais doce a noite pelo céu vagueia, Melhor florescem as noturnas flores... E o seio da mulher, que a noite embala, Pulsa quente e febril com mais ternura! Se o anjo de meus tímidos amores Pudesse ouvir-te os cândidos suspiros, Que a minha dor de amante lhe revelam... Se ela acordasse, nos cabelos soltos Inda o semblante sonolento e pálido E o seio seminu e os ombros níveos E as trêmulas mãos cobrindo o seio... Se esta janela num instante abrisse A fada da ventura, embora apenas Um instante... sequer... Meus pobres sonhos, Como saudosos vos murchais sedentos! Flores do mar que um triste vagabundo Arrancou de seu leito umedecido E grosseiro apertou nas mãos ardentes, Eu morro de saudade! e só me nutre Inda nas tristes, desbotadas veias O sangue do passado e da esperança! MEU DESEJO Meu desejo? era ser a luva branca Que essa tua gentil mãozinha aperta, A camélia que murcha no teu seio, O anjo que por te ver do céu deserta... Meu desejo? era ser o sapatinho Que teu mimoso pé no baile encerra... A esperança que sonhas no futuro, As saudades que tens aqui na terra... Meu desejo? era ser o cortinado Que não conta os mistérios de teu leito, Era de teu colar de negra seda Ser a cruz com que dormes sobre o peito. Meu desejo? era ser o teu espelho Que mais bela te vê quando deslaças Do baile as roupas de escumilha e flores E mira-te amoroso as nuas graças! Meu desejo? era ser desse teu leito De cambraia o lençol, o travesseiro Com que velas o seio, onde repousas, Solto o cabelo, o rosto feiticeiro... Meu desejo? era ser a voz da terra Que da estrela do céu ouvisse amor! Ser o amante que sonhas, que desejas Nas cismas encantadas de langor! TERZA RIMA E, belo de entre a cinza ver ardendo Nas mãos do fumador um bom cigarro, Sentir o fumo em névoas recendendo, Do cachimbo alemão no louro barro Ver a chama vermelha estremecendo E até perdoem respirar lhe o sarro! Porém o que há mais doce nesta vida, O que das mágoas desvanece o luto E dá som a uma alma empobrecida, Palavra d'honra, és tu, ó meu charuto! SONETO Um mancebo no jogo se descora, Outro bêbedo passa noite e dia, Um tolo pela valsa viveria, Um passeia a cavalo, outro namora. Um outro que uma sina má devora Faz das vidas alheias zombaria, Outro toma rapé, um outro espia... Quantos moços perdidos vejo agora! Oh! não proíbam, pois, no meu retiro Do pensamento ao merencório luto A fumaça gentil por que suspiro. Numa fumaça o canto d'alma escuto... Um aroma balsâmico respiro, Oh! deixai-me fumar o meu charuto! SONETO Ao sol do meio-dia eu vi dormindo Na calçada da rua um marinheiro, Roncava a todo o pano o tal brejeiro Do vinho nos vapores se expandindo! Além um espanhol eu vi sorrindo, Saboreando um cigarro feiticeiro, Enchia de fumaça o quarto inteiro... Parecia de gosto se esvaindo! Mais longe estava um pobretão careca De uma esquina lodosa no retiro Enlevado tocando uma rabeca!... Venturosa indolência! não deliro Se morro de preguiça... o mais é seca! Desta vida o que mais vale um suspiro? FUI UM DOUDO EM SONHAR TANTOS AMORES Dorme, meu coração! Em paz esquece Tudo, tudo que amaste neste mundo! Sonho falaz de tímida esperança Não interrompa teu dormir profundo! Tradução do Dr. Octaviano. Fui um doudo em sonhar tantos amores... Que loucura, meu Deus! Em expandir-lhe aos pés, pobre insensato, Todos os sonhos meus! E ela, triste mulher, ela tão bela, Dos seus anos na flor, Por que havia de sagrar pelos meus sonhos Um suspiro de amor? Um beijo — um beijo só! eu não pedia Senão um beijo seu E nas horas do amor e do silêncio Juntá-la ao peito meu! CISMAR Fala-me, anjo de luz! és glorioso À minha vista na janela à noite Como divino alado mensageiro Ao ebrioso olhar dos frouxos olhos Do homem, que se ajoelha para vê-lo, Quando resvala em preguiçosas nuvens, Ou navega no seio do ar da noite. ROMEU Ai! quando de noite, sozinha à janela Co’a face na mão te vejo ao luar, Por que, suspirando, tu sonhas, donzela? A noite vai bela, E a vista desmaia Ao longe na praia Do mar! Por quem essa lágrima orvalha-te os dedos, Como água da chuva cheiroso jasmim? Na cisma que anjinho te conta segredos? Que pálidos medos? Suave morena, Acaso tens pena De mim? Donzela sombria, na brisa não sentes A dor que um suspiro em meus lábios tremeu? E a noite, que inspira no seio dos entes Os sonhos ardentes, Não diz-te que a voz Que fala-te a sós Sou eu? Acorda! Não durmas da cisma no véu! Amemos, vivamos, que amor é sonhar! Um beijo, donzela! Não ouves? no céu A brisa gemeu... As vagas murmuraram... As folhas sussurram: Amar! Augusto de Sênior. (Amauri Carius Ferreira) (FERREIRA, A. C.)
Criado em: 20/8/2013 1:12
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Augusto de Sênior (Amauri Carius Ferreira) (FERREIRA, A. C.) |
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