Céu de cal

Os lobos já se deitaram
Mastigam com os dentes uma morte íntima
Em redor a terra saturada
E a fértil noite, abraça-me,
Prenuncio-me às estrelas que pintaste no céu
As veredas abrem-se húmidas
Sacio-me no silêncio da tua boca
Enquanto engoles a sombra
E o choro das amoras.

A cicatriz roça-me os dedos
Incendeia-se antes do tocar dos corpos
Como duas folhas no meio da paisagem
À espera de um porto seguro
Prenuncio-me de novo,
Mas as estrelas já não estão lá,
Naquele imenso céu de cal
Ouço-me!
Ouço-me dentro de ti
Como um búzio a espalhar oceanos
No gume lunar dos sentidos,
E as pupilas entregam-se à solidão das glicínias
Aquecem o frio da adaga
Onde a minha ausência repousa

Conceição Bernardino - "in - semente de cal"


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Quando estava a escolher um dos muitos poemas de Conceição Bernardino (CB), quase fiquei receosa por esta escolha " Céu de cal"
é um poema que me toca e diz.me muito , pela sua riqueza de mensagem e pela sua riqueza estrutural.
Versos de uma suavidade incisiva "Os lobos já se deitaram
Mastigam com os dentes uma morte íntima..."
indiscritívelmente delicados e ásperos versos "Aquecem o frio da adaga
Onde a minha ausência repousa"

todo o poema é cura após cirurgia feita a sangue frio , sente.se o bisturi, doi,mas cura, aumenta e junta gotas de força, tão fortes versos com múltiplos recursos estilísticos e significados.
deixa nas mãos do leitor deabulações, ambiguidades tanto interiores como exteriores.

" Ouço-me !
Ouço-me dentro de ti
como um búzio a espalhar oceanos..."

figuras de pensamento: eufemismo, hipérbole.
figuras de palavras: comparação, imagem

sinestesia: " ...Enquano engoles a sombra
e o choro das amoras..."

muito mais teria a dizer em análise a esta composição, mas não quero nem devo ser exaustiva.

atenciosamente
HC

Bem-vinda a este espaço.
Não sei se me devo arrogar a falar por todos que já contribuíram, mas acho que é um acto de coragem.
Foi uma ideia do benjamin, que me cativou e já tinha estado ao encontro da minha forma de comentários.
Acho que cada um deve fazê-lo como sabe e gosta.

Acho os do benjamim eruditos e tão bem fundamentados.
Tive uma boa surpresa recentemente com o RicardoC.

De mim deixo outros para opinar.

No teu caso achei que foi sentido, bem lido. E deixaste-me a reler o poema da Conceição.

Obrigado

E venham mais, mas sem pressão nem pressas...

olá Rogério

desde o momento que colidi com este tópico logo deu.me vontade de participar, não sabia , nem sei como o fazer. já afirmei e confirmo não tenho engenho , arte e muito menos saber crítico.literário.

a minha escolha por a CB, aparentemente pode parecer uma escolha deveras pessoal e sem neutralidade necessária de análise e separação do eu.poético , do eu.autor que tão bem conheço os dois.

"não é um poema que faz um poeta"

mas minha análise ao poema " Céu de cal" foi muito além do sentir, foi levado ao microscópio e de enorme exigência da minha parte e também perrogativas.
sim, é verdade fico aquém das análises/críticas quer tuas ou benjamin
sim, é verdade que com a Conceição Bernardino posso fazer minha primeira experiência neste tópico sem pedir licença. em outras análises/ críticas terei, deverei fazer previamente?

é bom, muito bom estar aqui com vocês, benjamin, Rogério e que venham mais.

atenciosamente
HC

HC ter uma critica tua é uma honra, que posso eu dizer a um mestre, neste caso a ti, cresci na escrita a ti te devo, sou uma mera aprendiz em que a vaidade não entra.
sabes nunca soube fazer criticas literárias, talvez por não ter aptidões para classificar o ser poético de cada um. mas que adorei a tua critica...lá isso adorei.
obrigada

gosto.te

beijo