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Criado em: 6/1/2012 12:33
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Re: Para nunca esquecer o que é poesia - um pouco de T.S.Eliot
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Carlos Teixeira Luís,

Há uma edição do livro, The Waste Land, de T.S.Eliot, com o título de, A Terra Devastada, prefácio e tradução de Gualter Cunha, pela Relógio D'Água, em Agosto de 1999.

Não domino o inglês de forma a poder avaliar qual das traduções é a melhor, se a de Ivan Junqueira ou a de Gualter Cunha.

Do poema 1. O Enterro dos Mortos, deixo aqui os quatro primeiros versos:

"Abril é o mês mais cruel, gera
Lilases da terra morta, mistura
A memória e o desejo, agita
Raízes dormentes com chuva da Primavera."

Se houver alguém que domine o inglês e o português profundamente e tiver tempo e disponibilidade para cotejar as duas traduções e emitir um juízo de valor sobre as mesmas, gostaria de saber da sua avaliação.

Obrigado pela partilha,

Domingos da Mota

Criado em: 7/1/2012 18:00
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Re: Para nunca esquecer o que é poesia - um pouco de T.S.Eliot
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Tradução de poemas é sempre tarefa ingrata, posto que manter-se rigidamente fiel à tradução exata das palavras pode comprometer a semântica, estrutura ou sonoridade originais e uma tradução mais liberal pode soar mais como um poema de autoria do tradutor inspirada pelo original. É uma corda bamba de difícil equilíbrio. Por sorte, versos livres são bem mais fáceis.

Achei as duas traduções boas, a segunda mais sucinta, ambas extremamente fiéis ao texto original. Analisando, verso a verso:

APRIL is the cruellest month, breeding
Abril é o mais cruel dos meses, germina
Abril é o mês mais cruel, gera

Mera ordem reversa de expressões. "Germina" achei mais apropriado e poético. Eu deixaria no mesmo tempo verbal do original, isto é: "germinando".


Lilacs out of the dead land, mixing
Lilases da terra morta, mistura
Lilases da terra morta, mistura

Concordaram aqui.


Memory and desire, stirring
Memória e desejo, aviva
A memória e o desejo, agita

Achei a introdução dos artigos irrelevante. "to stir" é agitar, mas "avivar as raízes" é mais poético e condizente com o contexto, mantendo-se ainda fiel ao significado original em figura de linguagem.


Dull roots with spring rain.
Agônicas raízes com a chuva da primavera.
Raízes dormentes com chuva da Primavera.

"agônicas", taí uma palavra nova para meu vocabulário. Nota-se que o primeiro tradutor realmente se esmera no usado da língua, saindo do lugar-comum dos termos cotidianos. Numa era em que tudo deve ser fácil e simples de usar até por macacos, sem dúvida um pecado. Que seja santificado o homem!

Notem que aos verbos originais terminados em "ing" junta-se aqui "spring" (primavera), num esforço aliterativo final. Tal é perdido na tradução em ambos.

Enfim, gostei mais da primeira tradução, mas a segunda também é bastante fiel e direta, permitindo-se menos vôo de imaginação.

Criado em: 7/1/2012 21:07
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Re: Para nunca esquecer o que é poesia - um pouco de T.S.Eliot
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Umav,

Agradeço este seu excelente contributo.

Domingos da Mota

Criado em: 8/1/2012 0:16
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Re: Para nunca esquecer o que é poesia - um pouco de T.S.Eliot
Membro de honra
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De Lisboa (a bombordo do Rio Tejo)
Mensagens: 3755

A questão aqui colocada, parece-me de extrema importância, a tradução, até porque muitos dos tradutores (talvez todos) se tornam eles mesmo escritores, poetas. (caso de Ivan Junqueira)

Ivan Junqueira diz “T.S.Eliot - o poeta, o crítico, o ensaísta, o dramaturgo - encarna uma das mais estranhas e poderosas permanências literárias de nossa época. Estranha, porque foi ele, acima de qualquer outro, o escritor contemporâneo que mais conscientemente buscou, na tradição cultural do passado, o sentido de um tempo presente que, por estar sempre vindo a sê-lo, fosse também futuro; poderosa, porque sua obra, a um só tempo clássica e moderna, revolucionária e reacionária, realista e metafísica, está na própria raiz que informa e conforma a mentalidade poética de nossos dias, tendo exercido fecunda e duradoura influência sobre todas as gerações que se formaram a partir de 1930. “

e mais adiante “Esse encontro com Pound teria decisiva influência na vida e na carreira literária de Eliot, para quem o poeta de The Cantos era, além de il miglior fabbro, "um crítico maravilhoso, porque não transformava a obra alheia numa imitação dele mesmo." O acesso, ainda que breve e superficial, à correspondência de Pound permite-nos concluir, aliás, o quanto foi vertical e benéfica sua intervenção em alguns dos manuscritos de Eliot, sobretudo no de The Waste Land, que constitui uma verdadeira aula de poética. Ainda que em pólo totalmente distinto, é também curioso observar - como atestam depoimentos de alguns de seus contemporâneos em Harvard, entre os quais Stuart Chase e Walter Lippmann -, que, já nessa época, Eliot se distinguia pelo fato de comportar-se como "um inglês em tudo e por tudo, a não ser pelo sotaque e pela nacionalidade". Era como se o poeta já trouxesse dentro de si as matrizes espirituais e culturais de sua futura cidadania britânica e de seu visceral anglicismo.” (culturapara.art.br)

Sem dúvida estamos perante uma verdadeira aula de poética no “The Waste Land”, e como aula poética, o leitor, ou o tradutor, têm de ter a liberdade quer da leitura, quer da própria compreensão do que o poema lhe transmite. Reparo por exemplo que a tradução de Ivan Junqueira “corajosa” como refere o Poeta Carlos Teixeira Luís, em certos passos se torna perfeitamente “à la lettre”, cito o exemplo:
“Madame Sosostris, célebre vidente, 
Contraiu incurável resfriado; ainda assim, 
É conhecida como a mulher mais sábia da Europa, 
Com seu trêfego baralho. Esta aqui, disse ela, 
É tua carta, a do Marinheiro Fenício Afogado. 
(Estas são as pérolas que foram seus olhos. Olha!) 
Eis aqui Beladona, a Madona dos Rochedos, 
A Senhora das Situações. “,

Original

Madame Sosostris, famous clairvoyante,
Had a bad cold, nevertheless
Is known to be the wisest woman in Europe,
With a wicked pack of cards. Here, said she,
Is your card, the drowned Phoenician Sailor,
(Those are pearls that were his eyes. Look!)
Here is Belladonna, the Lady of the Rocks,
The lady of situations.
Here is the man with three staves, and here the Wheel,

Pareceu-me, no entanto que a tradução de Gualter Cunha se estende de uma forma mais perceptível, isto é o tradutor não arriscou em demasia.
Gualter Cunha refere na sua introdução ao poema The Waste Land de T. S. Eliot (A Terra Devastada, T. S. Eliot, Relógio d’Água, Agosto de 1999) que quando “(…) o interrogaram, numa entrevista, sobre as suas intenções em The Waste Land, Eliot, que para além de tudo foi um dos mais rigorosos e influentes críticos literários do seu tempo, respondeu: «Eu sei lá o que é que intenção quer dizer! Uma pessoa quer é ver-se livre de alguma coisa que lhe pesa no peito. Não sabemos que coisa nos pesa no peito antes de a conseguirmos tirar de lá.» (…)” Picasso afirmou o mesmo mas de outra forma: «(…) Se sabemos exatamente o que vamos fazer, para quê fazê-lo? Se sabemos, deixa de ter interesse. Mais vale fazer outra coisa! (…)”

Cada tradutor tem a sua própria interpretação do texto, sentimento, alma, o que lhe quiserem chamar, mas que este Poema é uma aula Poética, disso não tenho dúvida.
Por fim, não acho que uma tradução seja melhor ou pior que a outra, são em minha opinião leituras diferentes, sentires diferentes deste Poema.
Deixo aqui a minha leitura pessoal, um pouco diferente de ambos os tradutores.



O Enterro da morte

Abril é o mês mais cruel, gerando
Lilases fora da terra morta, misturando
Memória e desejo, estimulando
Encobertas raízes com a chuva da primavera
O Inverno manteve-nos quentes, cobrindo
A Terra da esquecida neve, alimentando
Uma pequena vida com secos tubérculos.
O Verão surpreendeu-nos ...


Original
APRIL is the cruellest month, breeding
Lilacs out of the dead land, mixing
Memory and desire, stirring
Dull roots with spring rain.
Winter kept us warm, covering
Earth in forgetful snow, feeding
A little life with dried tubers.
Summer surprised us, coming over the Starnbergersee
With a shower of rain; we stopped in the colonnade,
And went on in sunlight, into the Hofgarten,
And drank coffee, and talked for an hour.


"Para nunca esquecer o que é Poesia", Obrigado.

Abraço

Criado em: 8/1/2012 4:44
_________________
"Floriram por engano as rosas bravas
No inverno:veio o vento desfolha las..."
(Camilo Pessanha)

http://ricardopocinho.blogspot.com/
ricardopocinho@hotmail.com
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Re: Para nunca esquecer o que é poesia - um pouco de T.S.Eliot
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Aqui deixo o meu aplauso para esta excelente coluna e as primorosas intervensões registadas. Muito haceria que dizer sobre o tema, naturalmente, sendo certo que traduzir poesia não é nada fácil, havendo inevitavelmente perda de forma que não tanto de substância.
Recordo, ao fio da memória, o tradutor genial que foi o grande Camilo Castelo Branco e o quase enigma que continua a ser a tradução de As minas de Salomão, que Eça enjeitou.

Abraços a todos

Criado em: 8/1/2012 11:19
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Re: Para nunca esquecer o que é poesia - um pouco de T.S.Eliot
sem nome
Encontro aqui a essência que nutre um site cultural de qualidade. Um debate de excelente nível, com troca de opiniões e conhecimentos profícuos sobre poesia, traduções, escritores, poetas,etc...

Agradeço a partilha pois aprendi e parabenizo os Poetas.

Criado em: 8/1/2012 11:22
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Re: Para nunca esquecer o que é poesia - um pouco de T.S.Eliot
sem nome
Uma inspirada tradução, Transversal! :D

É, em versos livres, não há como evitar de eventualmente ter traduções literais de alguns versos: é a tradução óbvia e como não há rimas ou medidas para seguir, sai dessa forma mesmo. Mas já vi traduções para sonetos de Shakespeare que são definitivamente recriações.

Parabéns, Carlos, pelo tópico. Definitivamente mais condizente com a casa e melhor de se ler do que previsões do tempo e hortas regadas a choro.

Criado em: 8/1/2012 15:11
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