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Correspondência de guerra 06

 
Brest, 4 de Fevereiro de 1917

Minha adorada Ana

Espero que esta te encontre bem e de saúde, continuo sem receber novas tuas. A saudade é quase insuportável e encontro no árduo trabalho que estamos a ter a única forma de me ausentar desse sentimento que me plantaste.
Ontem recebemos do exército inglês o material para equipar a CAPI, Corpo de Artilharia Pesada Independente que ficará sobre as ordens do comando operacional francês. As peças de artilharia destinam-se a equipar 25 baterias de artilharia pesada que ficará num comando superior português que será composto por três grupos mistos de artilharia pesada e equipadas com canhões ferroviários de 320 mm e com peças de 190 e 240 mm, por isso imaginas o trabalho de logística que estou a enfrentar neste momento. Não pára de chover, os terrenos todos enlameados, uma confusão meu amor!
Hoje pela manhã estiveram a vistoriar o equipamento o General Tamagnini de Abreu e Costa comandante do corpo expedicionário e o General Richard Haking, Comandante do 11º corpo de exercito britânico do qual estamos dependentes hierarquicamente. Como podes perceber são visitas ilustres e que nos deram trabalho acrescido ao nível do protocolo.
Por isso me sinto extenuado agora que me recolhi e te posso escrever estas singelas letras e que espero te dêem a extensão do amor que te sinto, do quão almejo a visão do teu rosto sereno ainda que difusa nesta confusão de loucura e pressa de combater.
Perdoa nada mais te dizer mas preciso descansar meu amor, repousarei com o doce sabor dos teus lábios de veludo. (perdoa o atrevimento!).

Beijo-te as mãos

Teu João da Nóbrega

 
Autor
João_Alberto
 
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Enviado por Tópico
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Publicado: 05/10/2011 03:24  Atualizado: 05/10/2011 03:25
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 Re: Correspondência de guerra 06
"Perdoa nada mais te dizer
com o doce sabor dos teus lábios de veludo
repousarei (perdoa o atrevimento)"

Tenho seguido a sua "Correspondência de Guerra", com algum interesse, principalmente as cartas. Aqui e ali algo de Lobo Antunes "D'Este viver aqui neste papel descripto", mesmo relatando situações da I Grande Guerra. Do Corpo de Artilharia Pesada Independente, instalado em França, dizem as estatísticas que ninguém morreu (dos 1.328 praças e oficiais). Interessante que o Ministro da Guerra Português era na altura Norton de Matos (que mais tarde se candidataria a Presidente de Portugal e reivindicaria a liberdade de propaganda no regime fascista de Salazar)

Estou a gostar bastante.

Abraço-te