Poemas : 

OS FANTASMAS!

 
Havia fantasmagóricas
e silentes vozes, e risos, e choros,
e saudosos amores, e desamores que ressoavam
por aqueles esquálidos corredores em que
me colocava a caminhar solitário
nas madrugadas;

e era como se eles tivessem
sendo obrigados a deixarem tudo para trás
– após apagados –, promiscuamente misturados
com as infindas e esplêndidas imagens
proliferadas pelos ainda incauto
andantes da vida;

e era como se quisessem
– mesmo ausentes das senciências vivas
e incapazes de com elas voltarem
a interagir de alguma forma –

continuar ainda,
agora de modo sempiternamente pueril,
como templos depositários
de comunhão, amor
e esperanças;

e era como se eu
os tivesse conhecido humanos e; agora,
estranha e fidedignamente, sentisse-os como anjos
em procissão e sofrimento em busca de alguma
purificação enquanto caminham
pelo espesso limbo.

Até que,
por não sei por qual razão,
fui novamente liberado de um tumor
que parecia definitivo,

e, ao regressar para casa,
a reparar pela viagem os movimentos
das árvores, dos carros, das carnes
e de invisíveis asas,

pus-me a lamentar
minha própria sina, qual seja não
lhes ser conveniente
que eu fale;

mas antevi
minha chegada entres os que esperavam
por distante e longa
ausência:

todos com as mesmas perguntas
e com semelhantes recomendações feitas
por enfermeiras, médicos e demais
transeuntes do hospital.

Ora, que da parte lume
não é difícil decifrar ao sapiens,
uma vez que ele enche as bochechas,
acentua as orelhas e aguça a visão,
foi certa a previsão, exceto
por uma coisa:

meus filhos diziam o tempo todo:
“Papai, papai, você não vais mais embora?
Você levar pra jogar bola?
Você vai me dar um presente?
Você me leva para nadar?”

Com o peito dolorido,
um pouco de morfina ainda correndo às veias
e a tosse insistindo em cutucar-me
os pulmões,

decidi que sim;
alheamente ao que falavam os visitantes adultos,
a mulher e a filha
já crescida.

E lá, enquanto nadavam,
– abrigado a uma sombra de palmeira –
Eu contemplava a puerícia e a sublimidade
do ainda não se saber ser.

E o vento – como há muito não sentia,
trancado que estava naquele prédio em que a morte
parecia caminhar desdenhando moucamente
dos moribundos –

confidenciava-me
aos ouvidos: “Enquanto os adultos
esqueceram, as crianças
sabem.

Sim
– talvez como também os fantasmas
que te visitaram à crina de suas peregrinações,
tenham redescoberto após
suas passagens por aí –;

as crianças,
em seus inconspurcos templos,
realmente ainda
sabem.


Péricles Alves de Oliveira (Thor Menkent)


 
Autor
Thor
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