Poemas : 

Poema de Contrabando

 
Bágoas no olhar e um tiro certeiro
Que ali lhe deixou a vida marcada
Dois montes e uma ribeira a salto
Pão mais água para um dia inteiro
Campo para deitar a vida cansada
À mercê da noite caída de assalto

Na lembrança três sorrisos tristes
Bágoas no olhar e um tiro certeiro
Trémulos medos que dão coragem
Aquela voz a dizer que tu resistes
Onde dois se olham no frio rueiro
Onde fusco t'esgueiras à margem

Do horizonte um destino tão longe
Que te arrasta esse corpo a passo
Bágoas no olhar e um tiro certeiro
Chuva que afoga a dor que punge
Num dito não d'outro sim escasso
D'exigentes farsas de muambeiro

Leva de ti o que te morre primeiro
A dor de orgulho ou medo de fome
Mulher e filhos ou o dia de amanhã
Bágoas no olhar e um tiro certeiro
Porque se a saudade nunca dorme
Será a nobre liberdade quimera vã


A Poesia é o Bálsamo Harmonioso da Alma

 
Autor
Alemtagus
Autor
 
Texto
Data
Leituras
111
Favoritos
3
Licença
Esta obra está protegida pela licença Creative Commons
46 pontos
12
5
3
Os comentários são de propriedade de seus respectivos autores. Não somos responsáveis pelo seu conteúdo.

Enviado por Tópico
João Marino Delize
Publicado: 04/04/2025 14:27  Atualizado: 04/04/2025 14:29
Membro de honra
Usuário desde: 29/01/2008
Localidade: Maringá-
Mensagens: 2020
 Re: Poema de Contrabando
Gostei muito, só não sei o que é bágoas.


Enviado por Tópico
AlexandreCosta
Publicado: 04/04/2025 15:47  Atualizado: 04/04/2025 15:47
Colaborador
Usuário desde: 06/05/2024
Localidade: Braga
Mensagens: 727
 Re: Poema de Contrabando
numa leitura bruta:
Muitos fizeram vida assim, nos tempos difíceis da ditadura, quando a fome apertava, no estômago colado às costas.

por outro lado...:
procurei-te nos montes inversos, como alma que parte em jornadas de luta, para trazer à praça as palavras que definem a liberdade de ser, poeta sem grilhões... houve um tempo, das bágoas e dos tiros de não o deixarem ser!

um abraço e bom fim de semana


Enviado por Tópico
rosafogo
Publicado: 05/04/2025 14:11  Atualizado: 05/04/2025 14:11
Usuário desde: 28/07/2009
Localidade:
Mensagens: 11009
 Re: Poema de Contrabando
Caro Poeta

Faltam-me as palavras para lhe dizer da minha admiração pela sua poesia.
Este poema traz à memória dos mais idosos, esse tempo arriscado em que se atravessava a fronteira para poder sobreviver, era muito pequena, mas recordo o quanto sofriam os pobres que partiam à sorte para a França, ou buscavam mantimentos para aguentar a vida, dói só de lembrar, e a dor era também para quem ficava sem notícias, às vezes anos a fio.
Espero que os mais novos não tenham que enfrentar os mesmos pesadelos.

Bom fim de semana para o Poeta.


Enviado por Tópico
Vania Lopez
Publicado: 05/04/2025 23:49  Atualizado: 05/04/2025 23:49
Membro de honra
Usuário desde: 25/01/2009
Localidade: Pouso Alegre - MG
Mensagens: 19080
Online!
 Re: Poema de Contrabando
Retratou a dor vívida, vivida e a que ainda se vive. Bágoas, li como mágoas. Disse tudo, de modo que o poema nos olha fundo, como a roupa dos ausentes. Fez curva na história com beleza, precisão. Bjs


Enviado por Tópico
Rogério Beça
Publicado: 06/04/2025 08:58  Atualizado: 06/04/2025 08:59
Usuário desde: 06/11/2007
Localidade:
Mensagens: 2257
 Re: Poema de Contrabando
Pois, reli...

Os meus pais são do distrito de Vila Real.
Vieram, sem ser a salto (ou será afinal a assalto?), para Lisboa, cá se conheceram e constituíram família.
Engraçado encontrar um regionalismo transmontano num alentejano de gema.
A fronteira entre Portugal e Espanha tem muitos km sem postos de controle.
Há picos de serra a separar-nos, ou searas magníficas, alguns rios - natureza.
Mas foi a miséria que empurrou milhares por essa linha imaginária, durante décadas, onde num momento se fala português e no outro já se fala castelhano, ou galego.

Há caricaturas, feitas por franceses, do emigrante português, bem decadentes. Tal era a nossa falta de tudo, até e sobretudo, de instrução.
Restava-nos a abnegação que nos tinha trazido à terra dos avecs.

Neste Poema de Contrabando, acho que o produto mais caro é o poema em si. Ele está cheio de taninos bem fortes, árduos de engolir.

há um verso que se repete:

Bágoas no olhar e um tiro certeiro

de estrofe para estrofe, ele surge, primeiro no primeiro verso, depois no segundo, depois no terceiro...
E fico com a impressão que, se houvessem mais estrofes ele continuaria a descer.
Como as "...Bágoas..." no rosto.

Pergunto-me, se todos os que leram, leram como como eu, um ponto de interrogação no verso final...

Abrilada forte


Enviado por Tópico
DiogoCosmo∞
Publicado: 15/04/2025 11:42  Atualizado: 15/04/2025 11:57
Muito Participativo
Usuário desde: 02/02/2025
Localidade:
Mensagens: 59
 Re: Poema de Contrabando
Boas tardes meu caro. Para que as memórias nunca se percam dos: avós, pais, filhos. De tantas e tantas aldeias fronteiriças que tombaram para dar de comida aos seus. Era na altura uma forma de vida, por vezes a única forma de sustento. Por momentos fez-me viajar no tempo, (tempo que quiçá, ainda não acabou). Obrigado pela memória. Para que esta, e muitas outras memórias (tal como as minhas) nunca se percam, temos que as contar, passe o tempo que passar. Para que TALVEZ um dia, alguém aprenda com isto. Muito Obrigado!