Diário de Maria Cura, de José Ilídio Torres, texto de apresentação
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17/7/2008 21:41
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Camaradas,

Partilho convosco o texto que serviu de base à minha apresentação do livro: Diário de Maria Cura, de José Ilídio Torres, que ocorreu ontem, 10 de Junho de 2009, na Feira do Livro de Barcelos, assim:

Muito boa tarde. E muito obrigado pela vossa presença.

Hoje, cumpre-me uma tripla tarefa: representar a editora, a Temas Originais; apresentar o autor, José Ilídio Torres; e a obra, este seu mais recente livro, Diário de Maria Cura que, em boa hora – naturalmente que sou suspeito em dizê-lo; a Temas Originais entendeu editar. O certo é que como leitor assim o considero.

Sobre a Temas Originais pouco há a dizer. É uma editora extremamente recente, tendo nascido no passado mês de Fevereiro, embora em Março, de facto, essa sua existência se tenha tornado visível. Nasceu no Porto, e, pouco tempo depois, mudou-se para a cidade de Coimbra, onde fixou a sua sede. Mas o mais curioso é que a maior parte da sua actividade é desenvolvida em Lisboa.

Até à data possui um catálogo com cerca de duas dezenas de títulos, o que nos surpreendeu. Esperávamos menos, sobretudo porque trabalhamos em part-time.

Quanto à distribuição dos nossos livros, temos optado por uma estratégia de proximidade, negociando directamente com os pontos de venda, isto porque queremos que todos, mas todos os autores estejam em todos os pontos onde a nossa editora está. É um ponto de honra do qual não abdicamos, nem abdicaremos. Como toda a regra tem uma excepção, há situações esporádicas, sobretudo quando o autor é de uma localidade onde o acesso às livrarias com quem temos acordos é difícil. Neste caso, optamos por colocar o livro desse autor num ponto de venda local.

Nesta feira de Barcelos podem encontrar os nossos títulos no stand da Associação Às Artes, que, amavelmente, nos desafiaram para este evento. Vindo de quem veio o convite, a nós só nos restava dizer que sim e agradecer.

E sobre a editora, no fundo, está tudo dito. Aliás, o que é uma editora para além de uma simples parte da ponte entre autor e leitor?

Estando fechado este dossiê, passemos para o próximo: o autor.

Se não tenho quaisquer dúvidas do local onde conheci o José Ilídio Torres, não me recordo se, quando colocámos a casa em pantanas, tal como se diz na minha terra, foi nesse local, no sítio da Luso Poemas ou se foi quando colaborava com uma outra editora.

Não me recordo, mas o certo é que isso tem pouco relevâncias. Conhecêmo-nos e pronto, o resto é conversa. E tanto assim é, que conversámos, discutimos, debatemos forte e feio. E é mesmo assim que se deve estar, na minha opinião, nestas coisas da Literatura. Ou se diz o que se pensa ou se fica calado.

José Ilídio Torres partilha dessa mesma opinião, pelo menos assim o penso e, menos uma dúvida, disso estou convicto. E acreditem que partimos mesmo a louça toda, mas, como somos ecologistas, enviámos esses cacos para a reciclagem, ou seja: do espaço antagónico, nasceu um profícuo diálogo que, estou em crer, nos fez e faz crescer.

É assim que eu, hoje, continuo a ver o José Ilídio Torres. Alguém que é avesso ao tão bonito gesto da palmadinha nas costas.

Tem custo?, tem. Mas nunca ninguém disse que crescer era uma tarefa fácil. Bem hajas por isso.

Quanto ao autor fico-me por aqui. A contracapa revela outros passos, o onde nasceu, o que fez e faz e o que editou até à data.

E mais um dossiê fechado.

A obra: Diário de Maria Cura.

Confesso-vos que sou um mau leitor de romances. Aprecio ao nível literário mais o género poético. No entanto, este livro tem condimentos capazes de prender, de cativar mesmo um leitor rezingão como eu.

E digo-o porque a dado instante me fez esquecer que estava perante um policial, aliás, já nem queria saber quem matou Maria Cura.

Debrucei-me mais sobre o que guardava em segredo a forte personalidade de D. Eugénia e o por quê, sobretudo este pormenor, do autor ter escolhido a vertente sexual como imagem, digamos, de marca para a sua Maria.

Este romance é, na minha opinião, não um policial, embora tenha todos os condimentos do género, inclusive estruturais, mas um alerta, uma janela aberta para a reflexão, dado constituir uma visão crua sobre a condição da mulher.

Talvez por isso o autor nos informe de uma forma curiosa a data de nascimento da sua personagem: o ano dos Jogos Olímpicos de Munique, 1972.

Ora bem, realizando-se os jogos, tal como o próprio nome indicia, de quatro em quatro anos, o que ocorrera de significativo na sociedade onde a personagem se movimenta relativo à condição da mulher?

Pois bem, quatro anos antes, em 1968, foi instituída formalmente a igualdade de direitos entre homens e mulheres (por mera curiosidade, no ano seguinte, é revogada a necessidade de autorização do marido para a saída do país das mulheres casadas).

No pólo oposto, quatro anos depois, ou seja: 1976, entra em vigor a nova constituição que estabelece a igualdade plena entre homens e mulheres em todos os domínios (também por curiosidade, no ano seguinte, em 1977, é feita a revisão do Código Civil que extingue a figura de “Chefe de Família” e atribui às mulheres, no âmbito do Direito de Família, um estatuto de igualdade com o homem).

Naturalmente que desconheço se este era o intuito do autor, mas o livro já não lhe pertence. Agora é de quem o lê.

Se o sexo e a morte são duas parcelas que cativam indiscutivelmente a atenção, elas são aqui utilizadas, repito, na minha leitura, como elemento quase diria de choque.

A morte, o trágico fim da personagem Maria Cura, é-nos relatado com beleza, como se nos dissesse que é necessário continuar, que o fim, de facto, não o é. Daí a opção de colocá-lo logo na abertura do romance.

O sexo, por seu turno, é retratado como algo do foro pessoal, como uma opção de liberdade, como símbolo dessa mesma liberdade.

Agora, pensemos nisto: e se a personagem Maria Cura fosse Manuel Cura?

Provavelmente o choque não existiria. Vendo bem, somos latinos e homem que se preze, já se sabe. Agora uma mulher, ainda por cima com tanta meia por coser, valha-nos deus.

Estamos, portanto, perante uma obra que nos desafia para a reflexão, que nos diz da diferença que há entre o administrativamente decidido e o plano dos valores que a sociedade impõe.

E há que refletir se de facto há igualdade. Pois bem, sejamos claros: não há. E este é um dos motivos por que este livro: Diário de Maria Cura, de José Ilídio Torres, merece uma leitura atenta e a melhor divulgação possível.

E, acreditem, embora eu seja suspeito, e sendo eu, como há pouco afirmei, um mau leitor de romances, pela arquitectura elaborada pelo autor, sabe bem e vale bem a pena descortinar quem matou Maria Cura, que segredo guarda D. Eugénia e que outras coisas se podem ler nas entrelinhas deste livro.

Muito obrigado.

Criado em: 11/6/2009 19:57
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Re: Diário de Maria Cura, de José Ilídio Torres, texto de apresentação

Membro desde:
2/3/2007 19:42
De Queluz
Mensagens: 3731
Não estive lá de corpo, mas estive em pensamento.
O José Torres merece-o e esta sua Maria Cura é a prova viva da sua enorme capacidade de argumentação e grande imaginação, capaz de cativar o leitor até ao fim sem se sentir enfadado em parte alguma do romance.
Li-o e recomendo-o vivamente!

Ah! já me esquecia... gostei imenso deste texto de apresentação!

Criado em: 11/6/2009 20:18
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