Comentário a "A estupidez em x-actos - acto 91" de Alemtagus

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6/11/2007 15:11
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O poema, na sua íntegra, estará legível após o comentário.

De vez em quando, quando me dá para ter a mania, gosto de citar uma ou outra figura eminente, quando a ocasião se põe.
Como a minha memória não se dá para muito, uma das citações que uso mais é atribuída a Albert Einstein que reza mais ou menos assim:

“Duas coisas são infinitas; o universo e a estupidez humana, mas em relação ao universo não tenho a certeza absoluta.”

Sendo infinita, também faz parte de mim. Estou certo.
Mas há humanos que abusam.
Refletir sobre algo infinito é aquilo que te tens proposto.
A primeira versão tinha o título ligeiramente diferente. Falava em cem actos.
Deves ter percebido que era pouco (comparando com o infinito, por exemplo). A mudança para X-actos tem engenho.
O x é uma representação matemática para incógnita. Ou n.
Já andas mais perto. O x pode representar qualquer valor. Logo infinito. Logo seguindo o silogismo, temos uma pescadinha de rabo na boca.
Se x=infinito e Estupidez=infinito, significa que x=estupidez (humana).
Há um pleonasmo disfarçado no título.

A estupidez, aparentemente, limita o Homem por baixo, chega-nos como próximo do irracional, do precipitado, do imoral, do mau. Ou será do mal?

E fraco.

Será apenas isso?
A vida tem-me ensinado que dá muito jeito, por vezes, fazer-me de parvo.
Acho que de estúpido, tem o mesmo efeito.
Algum suprassumo, convencido, desvia o olhar e lá levo a água ao meu moinho.
Outras vezes não é só teatro.
Quando o meu filho mais velho se põe e explicar-me as fórmulas matemáticas de Cálculo Integral e a resolução, sinto-me MESMO estúpido.

Quando tento explicar-lhe alguns poemas meus, faz a mesma cara.
Há ainda o X-acto, objecto cortante, lâmina sempre afiada, que estes poemas querem e conseguem ser.
Mas não posso continuar com o título, que me faz pensar desde o início, porque o que me trouxe-se ao comentário foram as sextilhas.

Sucumbo a este poema pela lírica carregada, pela língua bem usada e abusada, pelo tom amargo pleno de sarcasmo, muito violento, forte, (ma)duro.

Na primeira estrofe é-nos apresentado um sujeito poético cuja “vida de marinheiro” submete-me à canção dos Sitiados que tinha um refrão muito cantável, mas “raparaparaparaparim”.
O “...quarto vento que grita por fome de gente...” é desconcertante, por exemplo.
Esta relação entre o “...marinheiro...” e o “...mar...” tem também algo de destino, de sina agridoce já que há um “...embalo...”. Como qualquer uma, entre alguém e a sua própria sina. Coisas más e coisas boas (senão, muda-se quem está mal).

Apresentação feita na primeira, a segunda estrofe é ainda mais auspiciosa.
Fala-nos dum retorno. Dalguma redenção, e toda ela é de livro.
Teria que a transcrever, assim aconselho vivamente a ler e reler, pela beleza, articulação, humor, honestidade. Um “...doce saber do vinho...” sabe bem. Que sabor!

A última sextilha pode e deve ser dividida ao meio.
O primeiro terceto mantém o registo vocabular, a destreza na descrição de um estereótipo, uma reflexão crua, e cabal de uma certa faixa etária que sente o fim mais perto do que o começo.

O último terceto guarda em si o maior mal do mundo. A esperança.

Este é um poema denso, reflexivo, que me apraz muito ler aqui.

Um quebra-cabeças.

E pronto, já parei de pensar.
Mais se podia, contudo, dizer.

Sobre a estrutura e as silabas tónicas na silaba x, outro que fale...



Acto 91


Sou o marinheiro feito de um triste defeito
Onde me embalo em ondas de mar rábido
Quarto vento que grita por fome de gente
Poema cantado fado que me seduz o peito
No olhar sentido do nosso horizonte rúbido
Por lá onde a vida é sempre coisa diferente

Entre o céu que voo e a terra que caminho
Dou dois dedos de conversa em monólogo
Que grito entre a breve loucura e sã idade
Voltei para saborear o doce saber do vinho
E aquele ar freudiano de um sofá psicólogo
Onde as dores se contagiam de insanidade

O corpo velho já vendia a carne por quase nada
Desfalecia o andar perdido nesta selva humana
Num olhar que já moribundo degolava a solidão
Noutra existência o dia mantinha a noite calada
Por insistência a tua voz era pecadora e profana
A violência do silêncio sucumbia ao meu perdão

Leia mais: https://www.luso-poemas.net/modules/news/article.php?storyid=370685 © Luso-Poemas

Criado em: 28/1 12:15
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Re: Comentário a "A estupidez em x-actos - acto 91" de Alemtagus/ RB
Administrador
Membro desde:
15/2/2007 12:46
De Porto
Mensagens: 3598
olá,olá

é difícil comentar estes dois, fora de série, na minha perspectiva.

um porque poeta/comentador , eleva o conhecer da poesia ao expoente máximo. faz me entender pormenores que escapam quando leio, um e mais um, e mais outro poema, o autor. depois, apesar de ultimamente não nos brindar com postagens regulares, cada vez que o faz, faz da sua forma única, sui generis, a tocar ora o absurdo, ora a cruel realidade que se tocam e em osmose flui para meu contentamento. obrigada Rogério Beça.

o outro, para mim é o autor mais coeso dos últimos tempos que tenho o prazer de acompanhar, ler. na sua poesia é notória a evolução da escrita, o seu encontrar.se , posicionar.se num registo que não é fácil, transgredir através do rigor da escrita temas que são incomodos para a maioria dos leitores. para mim, é sinónimo de alguém que tem coragem para crescer, quer como ser humano, quer como autor. quem cresce dos dois mais? não sei. mas também que importa separar os dois. obrigada Alemtagus


atenciosamente
HC

Criado em: 2/2 16:47
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Re: Comentário a "A estupidez em x-actos - acto 91" de Alemtagus/ RB
Administrador
Membro desde:
22/11/2018 17:04
De RIO - Brasil
Mensagens: 1917
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...em completude tudo o que foi dito aqui sobre os dois; pessoal e obra. Fã!

Criado em: 3/2 11:52
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Re: Comentário a "A estupidez em x-actos - acto 91" de Alemtagus
Membro de honra
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24/12/2006 19:19
De Montemor-o-Novo
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Sois, todos vós, alguns pedaços de mim. Agradeço ao Beça e aos restantes as palavras, as leituras atentas e a capacidade crítica.

Criado em: 4/2 17:52
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