A correnteza leva a barca.
Corta as águas, um rastro de meu caminho.
Eu sigo da margem, pés no chão.
Você sentada, teu cabelo trançado.
Segue para casa, junto a teus pais.
Abandona aqui um índio velho.
Seus olhos contemplam o alto das árvores.
Encontro-me oculto, mas a observo.
Onde estarão teus pensamentos?
Nunca peguei-me tão curioso.
Deixo pegadas, lento, sem querer voltar.
Que Mboi Tu'i a proteja, Aisó.
Agora não a terei sob a proteção de minha flecha.
Como se percebesse minha presença.
Vagueia os olhos de céu por toda a margem.
Tiro os galhos do meu caminho e deixo que me veja.
Um imenso sorriso ilumina teu rosto.
E meu peito contrai, acemira, mal posso respirar.
O que fez a mim? Jogo-me no rio, cinco braçadas a alcanço.
"És louco, Cauarê"
Ela estende a mão e toca meu rosto...
"Desce, desce minha Clara, desce pra mim"
Imploro, mais para os espíritos do que para ela.
"Não posso, sabe que não posso"
Seguro-me na embarcação.
Que leva meu corpo.
Que deixa outro rastro.
Ela se debruça em minha direção.
Abandona seu guarda-sol, e faz um grande mal.
Tem os lábios sobre os meus.
Tudo que tinha descoberto.
Os homens que venci.
As terras que conquistei.
Todo sofrimento que passei.
As mulheres... Como deixaram de existir em um momento?
Meus olhos se abriram em susto. Meus lábios...
Um riso preso, escapou de sua garganta.
Ela piscou ainda próxima de mim.
Tocou meu nariz com o seu.
Loucura. Eu conhecia a loucura.
"Não podemos ficar junt..."
Ela tentou dizer.
Impulsionei meu corpo e rodeei sua cintura.
A trouxe comigo, caímos os dois no fundo do rio.
Ela se debatia, mas era tarde.
Meu coração nunca mais me perdoaria.
A joguei sobre meu ombro, enquanto gritava, enquanto me batia.
"Eu a roubo para mim"
Um grito ecoa pela floresta.
Ando mil pés e meu povo se assusta.
Confusos não perguntam, mas sabem.
"O resto de sua vida será ao meu lado."
Ela se levanta e avança sobre mim.
"Meu pai irá matá-lo!"
Mostro os dentes, rugindo sem arrependimento.
"Você fará isso por ele... Maracaimbara!"