Poemas : 

o poeta da lua 8 - 9 - 10

 
Agora o cristal quebrava-se sem que pudesse fazer algo para o impedir. Assistia como espectador ao desenrolar da comédia do futuro cada vez mais inseguro e enigmático. Procurava nos confins da culpa uma mácula que justificasse aquele drama. Passava a fio os slides da vida. Enumerava as diversas ocasiões em que os contrariara. Nada justificava a situação presente. A conclusão mais certa já que o desinteresse manifestado por si era constante ao ponto de nem evitarem discutir na sua presença, era que tinham deixado de o amar e como não sabiam que fazer com ele separavam-se. Cada vez mais afastados um do outro, e de si, não compreendiam o sofrimento que lhe ardia no peito nem a dor profunda e calada que lhe doía nas entranhas até ao insuportável. Separaram-se de facto. As águas de Março levaram o pai. Do vazio deixado germinou a revolta contra o mundo e contra si. Tudo era péssimo, mau, pesado! Urgia aliviar a dor que lhe rasgava por dentro como um bisturi afiado. Punha-se em bicos de pés a gritar baixinho por eles… não o ouviam.
Perdeu o interesse pelos estudos. As brincadeiras inocentes, os jogos, arrumou-os na prateleira da infância. A escola passou a ser o terrível algoz onde se sentia supliciado dia após dia. Deixou de se rever nos companheiros de turma, alegres e despreocupados sem razão para sê-lo. O mundo tornou-se problemático, adulto, aterrador!
Conheceu por essa altura dois rapazes matriculados no mesmo ano que raramente iam às aulas. Fizeram-se amigos antes de ribombar um relâmpago. Descobriu que partilhavam os mesmos medos, inseguranças e angústias: Todos eles eram formigas sem carreiro. A liberdade, o incumprimento das regras, conferia-lhes uma sensação de evasão à realidade. Entre as faltas consecutivas às aulas e as eternas corridas pelos descampados começou a fumar. Passavam o tempo à procura de crias nos ninhos. Apanhavam e vendiam-nas. Com o dinheiro apurado compravam tabaco. Quando a caça era boa, festejavam com cerveja. Consumavam a boda da anarquia até se saciarem por um dia.
A escola convocou os pais. Só Maria dos Anjos compareceu ainda debilitada pela separação. A depressão levara-a para o quarto cujas cortinas nem corria com medo que o sol entrasse e a magoasse. Não queria ver nem ouvir ninguém. Raras vezes se levantava para ir às compras ou preparar uma refeição para o filho. Assistia-lhe uma vizinha que tentava ajudar como podia, inclusive financeiramente. Esta atitude mudou quando os recursos falharam e as contas acumuladas já se tornavam preocupantes. Com o apoio da amiga consultou ao psiquiatra. Lentamente conseguiu recuperar a vontade de viver e trabalhar. Informaram-na da gravidade da situação do filho. As notas tinham sido negativas e as faltas ultrapassavam os limites. O ano estava definitivamente perdido! Culpou João José. Desde que saíra de casa nunca mais soubera dele nem ele do filho. Era como se um eclipse o tivesse apagado do caminho. Não fora Alexandre e daquele homem nem a sombra restaria. Levou as mãos ao rosto redondo como a lua e cobriu os lindos olhos castanhos que agora choravam. Os cabelos compridos e negros debruçavam-se sobre as lágrimas. Decidiu tomar uma atitude.
Sentados no sofá da pequena sala Maria dos Anjos pediu-lhe que rompesse o silêncio e falasse com o pai.
- Não posso… Vê bem se tenho o azar dele atender!? – Defendeu-se com ironia das súplicas da mãe.
Tomou uma postura mais enérgica.
- Ele é teu pai, Alexandre!
Levantou-se e fixou-a.
- Pois é… Vê lá como são as coisas. E eu sou o filho!
A resposta foi seca e a discussão ficou-se por ali.
Os novos amigos eram cada vez mais a admiração do seu doce olhar de mel. As saídas depois do jantar outrora esporádicas sucediam-se com maior frequência. As brincadeiras estendiam-se até de madrugada. A vida daquele franzino e esguio rapaz de onze anos era um barco à deriva no alto mar da despreocupação. Nada tinha, nada lhe interessava, nada ambicionava.
Um dia cansada desta desordem esperou-o sentada na cozinha. Quando Alexandre entrou em casa estranhou a luz acesa àquela hora.
- Senta-te! – A voz metálica da mãe suou aos seus ouvidos firme e ríspida. – Vamos conversar.
Preparou-se para mais uma habitual reprimenda. Estava cansado e lamentou o discurso não acontecer no dia seguinte.
- Não sei que mais fazer. O teu estilo de vida entristece-me… Sei que pretendes chamar a atenção e que essa foi a forma que encontraste. A maneira como reagi a todos os acontecimentos também não foi a melhor. Aceito que nem te interesses pelo que sinto por ti… Alexandre, tu deixaste de me ouvir. Decidi que preciso dividir a tua educação com alguém. Sozinha não estou a conseguir… Vou falar com o teu pai e pedir-lhe ajuda.
A testa franziu. Que queria ela dizer com “vou pedir-lhe ajuda”?
- Vais passar uns dias com ele.
Deu um salto da cadeira como se vislumbrasse um fantasma e arregalou os olhos.
- Viver com o meu pai?! – Gritou. – Estás doida? Nunca! Ainda não reparaste que ele não quer saber de mim? Também não quero saber dele! Nem dele nem da tipa que vive com ele. Será que também já te fartaste de mim?
Maria dos Anjos fitou-o compassiva.


 
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