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"A HORA DO ENCONTRO DOS NÁUFRAGOS"

 
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"A HORA DO ENCONTRO DOS NÁUFRAGOS"

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CONFIDÊNCIAL

MINISTÉRIO DE CONTROLE E DEPURAÇÃO DE SUJEITOS E ACTIVIDADES ANTI-SOCIAIS

RELATÓRIO "PERFIL PSICOLÓGICO DO SUJEITO ENKY, COGNOME POETA DA ALMA"

Proc.: KY 2983 - 0164


Diagnostico no sujeito Enky (AKA "Poeta da Alma") o Síndrome “Abre Madrugadas”.

Enky apresenta todos os sintomas de alguém que já nem quer fazer parte do “lado certo” da noite.

Entenda-se por "lado certo" , aquela noite feérica em que ainda se vive, se degusta, se ri, se dança, se seduz com todos os sentidos ainda despertos.

O sujeito Enky prefere subverter o sistema, e entrar em cena, quando as pessoas já se descaracterizaram, baixaram a guarda e as máscaras, e com o cansaço e os sentidos alterados, já só são o que sobrou da noite, são elas próprias, na noite. São elas próprias, mas nas suas facetas emergentes de seres usados, sofridos, vazios, que não vão dormir, enquanto não chegar o dia, porque preferem a companhia dos despojos da noite ao retorno de uma vida que algo tem (ou não tem), que os angustia quando as máscaras caem!

É com estes “náufragos”, com bóias em formas de copos de álcool adulterado, em últimos momentos de pequenos prazeres reles e solitários, que o sujeito sob análise, Enky, prefere abrir, já não a noite, mas as suas “madrugadas”, pois como eles, os “despojos”, também respira, mas está morto por dentro, vazio, e quando se abre a vida, com o dia, Enky “apaga-se”, em torpor, ou estupor letárgico, hibernando até que de novo venha aquela hora do encontro dos náufragos da noite!

Enky não vive, sobrevive, animal vegetal, num ciclo paralelo que artificialmente cria para “existir”, enquanto não terminar a sentença a qual se condena a si próprio todas as noites, seja então renascendo para uma qualquer espécie de vida, ou “oficializando” a morte da sua alma, com a morte do seu corpo.

Recomendo vigilância controlada deste sujeito subversivo , passivo-agressivo, apesar da gravidade dos sintomas típicos da Síndrome diagnosticada não representarem , por enquanto uma ameaça ao "status quo",por não ter ainda evoluído para a fase terminal da patologia indicada, consumando-se esta em engajamento em actividades conspiratórias contra a Nomenklatura instalada, mantendo-se ainda o sujeito na fase intermédia em que representa um perigo apenas para si próprio!


Nível Atribuido : Código de Vigilância LIL


FIM DO RELATÓRIO .


Fica dissolvido o Comité de Auxiliares de Diagnóstico deste Processo.

Mantêm-se o mesmo Agente de Vigilância.

Ass.:

O Director de Sanidade do Sector.

HIPÉRION

*

EM ANEXO :

PROVA RECOLHIDA NO BAR " OSTRA_CISMUS" , NO DIA SOLAR 263, DO ANO 5.032 , MERCÚRIO :


“EU ABRO MADRUGADAS”

Por mim não se abra o dia.
Morra o astro em agonia.
Porque eu abro madrugadas
Entre fado e guitarradas.


Por mim não construam estradas.
Não vou a lado nenhum.
Entre fado e guitarradas
Morrem dias, um a um.


Porque morto já eu sou.
Mataram-me, e inda aqui estou
Noite após noite, em veladas.


E quando se fecha a noite
Fecho a minha porta ao dia
E apago-me, em alforria.

::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::PRODUCÇÂO FICCIONAL DE ANA C. ( OBRA SOB_VERSIVA )


Esquece todos os poemas que fizeste. Que cada poema seja o número um.
*Mário Quintana*

 
Autor
SOB_VERSIVA
 
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