Poemas : 

Era necessário

 
Era necessário. Era preciso. Era urgente. Só que eu não sabia o que isso era. Cercado de mil livros, caminhante de inúmeros caminhos estava ali – sem saber qual a próxima estrada. Que o intervalo que me sustava a ação se desdobrara em dez anos era um bom álibi para continuar inerte, mas eu cansara. Queria algo novo.

Minha vida, ah... Tão longa já. Tantos lugares, tantas paragens, tantas pradarias, tantos tantras, mas tão pouco ainda. Queria mais. Só não sabia o que esse mais traria. Perdido de tudo, de mim, dos outros e da verdade, era premente recomeçar. Vive-se sem a verdade? Era dela que nostalgizara, assim meio de soslaio, meio sem saber.

Recente, tivera notícia de um tal verídico meio dito. Um semialudir, que fazia as vezes de terceiro caminho. Esperança renovada ante a um super-homem para sempre adiado. Não, a receita de Nietzsche tinha solado e a estrela bailarina não despontara no firmamento. Ao menos um... Menos, na impossibilidade do dois. Uma verdade sem sua própria verdade, sem seu esteio, sem manjedoura, sem estribo, sem estrebaria, mas ainda assim veraz.

À cavalariça e ao presépio – como chegáramos aqui? Pororamelhorera: calar-se... Que me deem licença os loucos e os Rosas Guimarães Joões – veradeiros artífices da não-palavra, mas será que também posso? M’emposso? Para falar desde palavra meio-dita, sussurrada das algibeiras, para além das gorjetas do sentido, é preciso apoderar-se.

Me ouvirão os que têm se contentado com as dicotomias? Ou logo cansarão e me atirarão ao lado, à côté de, à cota de fazer sempre um? Abrir um livro é abrir ideias, folhear suas páginas é colhê-las, mas nem todos pendem à jardinagem... E adormecem. Aos acordados, portanto, aos despertos, convido-os a uma empreitadanova. Estaremos acompanhados por aqueles que nos saram, quais magos. Saramagos. Estes que se reinventaram por terem pesquisadas as recônditas raízes do dizer, dos discursos, das nomeações, e sabem que restará sempre uma espessidade.

Mas é justamente de restos que nos faremos escribas. Restos derivados das aporias, dos dejetos, dos ilogicismos, dos frios cantos antissêmicos. Aonde ninguém tem interesse algum em chegar, buscaremos ali as respostas. Com as nossas próprias sombras, procuraremos cingir o que nos escapa. Sem esperanças, pois, desde a partida, intuímos que aludir é já eludir e que não há como elidir o elusivo. Sem esperanças, pois, caminhemos.

“De primeiro, eu fazia e mexia, e pensar não pensava. Não possuía os prazos. Vivi puxando difícil de difícel, peixe vivo no moquém: quem mói no asp’ro, não fantaseia. Mas, agora, feita a folga que me vem, e sem pequenos dessossegos, estou de range rede. E me inventei neste gosto, de especular ideia.”





Citação de Grande Sertão: Veredas/ João Guimarães Rosa. - Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.
 
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RCFJ
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