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Re: Comentário a "Oitenta anos", de Beatrix / Benjamin Pó
Colaborador
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23/5/2024 2:48
Mensagens: 625
.

Olá, Benjamin.

Muito obrigada pela leitura atenta e pelo comentário aqui efetuado.
Gostei muito, mesmo muito.
Acho curiosa a "forma formal" como escreves Espaços Críticos. Mas acho-o positivo. Referências e citações bibliográficas são sempre bem-vindas, a não ser que sejam mal feitas, o que não é o caso.
Aliás, dos colegas que aqui escrevem não és caso único, embora sejas o mais "completo" a esse nível (não é requisito para fazer aqui comentários).
O Rogério Beça também o faz; e o Alemtagus que também comenta, fá-lo, muitas vezes, através de namedroping.
Não vou falar dos meus comentários que aqui faço, está claro. Nem do meu poema.
Queria apenas acrescentar que o texto que aqui apresentas é muito completo e bem interessante.

De novo, obrigada. E aparece mais vezes.


Ab
Beatrix

Criado em: 5/5 15:36
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Comentário a "Oitenta anos", de Beatrix
Administrador
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2/10/2021 14:11
Mensagens: 619
Link para o texto original

"Oitenta anos", de Beatrix

Oitenta anos
no meu pescoço nu
concebido por vós
raposa-do-ártico

belo animal
híbrido e cru
em hibernação
traçada de tule

anos sem
segundos matemáticos


-----------------------------

Percurso de leitura nº 27 (se quiser conhecer os anteriores, fica aqui o link)

Costumo prestar mais atenção a textos que fogem dos temas recorrentes da poesia. Amor, morte, destino, revolta, melancolia... continuam a inspirar muito do que lemos por aqui e não só; são dignos e merecedores de reflexão, com certeza, mas acabam, muitas vezes, por apenas dar mais uma demão de tinta quando a anterior ainda está a secar.

No caso do poema de Beatrix, temos dez versos muito originais, construídos de uma ambiguidade real, não aleatória, e limpos de qualquer elemento supérfluo, para irem direto ao centro da metáfora buscar alimento para subsistirem sem mais.

Aliás, esta poderia ser uma linha de leitura entre as múltiplas que "Oitenta anos" nos oferece: um instantâneo sobre a sobrevivência poética para além dos adornos e para além da procura de uma resposta sentimental dos leitores. Aliás, o número de leituras e de "pontos" à data deste comentário mostra bem a recetividade geral a poemas como este, que apresentam um "virar de costas sedutor" ao leitor -- para usar o título do belíssimo ensaio de Frederico Pedreira, acerca da predominância da teatralidade sobre a intimidade na poesia que vai tendo mais popularidade entre o público.

O texto de Beatrix fala-me de sobrevivência e da relatividade do tempo, sujeito a acelerações, a travagens e a derrapagens como se fosse um veículo fora de controlo. Mas vamos devagar, que o texto merece ser saboreado com calma.

O "eu" poético surge-nos, porventura, como filhote da raposa-do-ártico. Repare-se, a este propósito, na expressão "concebido por vós", que parece reminiscente da jaculatória "Ó Maria, concebida sem pecado, rogai por nós que recorremos a vós", como se houvesse algo de místico na crueza deste ser. Não por acaso, o adjetivo "cru" aparece acompanhado de "híbrido", que poderia muito bem ser uma referência à união hipostática da teologia cristã. Não fiquem impressionados: estava a pesquisar sobre a essência divina e humana de Cristo e, por uma casualidade, apareceu-me este conceito.

Nesta sequência, fica bem um momento National Geographic: com o nome científico "Vulpes lagopus", a raposa-do-ártico é um animal que obviamente está preparado para as asperezas do tempo gelado, com uma pele que ajuda à camuflagem para fugir aos predadores e que se satisfaz com tudo o que encontra: sejam roedores, insetos, fruta e até fezes. Hiberna e, num território tão agreste, dura pouco mais de um ano.

A voz do poema, "traçada de tule" como virgem pré-nubente, adquire oitenta anos no seu "pescoço nu", sem colares ou coleiras que a aprisionem. Os "anos sem / segundos matemáticos" determinam esse envelhecimento precoce, que lhe permite sobreviver e que lhe dá uma beleza dúplice: entre a imaturidade e a experiência, entre a ingenuidade e a sabedoria, entre o instante e a eternidade.
"Num' hora acho mil anos, e é de jeito / Que em mil anos não posso achar um' hora" (aqui, vai um piscar de olhos a Camões e ao nosso Alemtagus).

Uma última observação vai para a única rima do poema, entre os adjetivos "nu" e "cru", como que a afirmar que a poesia é essa realidade nua e crua, dissimulada sob o tule da metáfora, que permite sonhar com o infinito e com a sobrevivência a mil noites de despedida e de regresso – presente no título, já agora, da banda sonora deste poema, réplica roubada a "Romeu e Julieta". Afinal de contas, chego à conclusão que o amor não anda assim tão longe daqui...

Criado em: 4/5 16:07
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Re: A Música que nos inspira - Nº 13
Colaborador
Membro desde:
23/5/2024 2:48
Mensagens: 625



Pura inspiração, belíssima música de um grande compositor, Max Richter.

Já agora, a série Black Mirror é de ver, embora não aconselhe a pessoas mais sensíveis.

Criado em: 1/5 13:40
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Re: Comentário a “Desejo”, de gillesdeferre
Membro de honra
Membro desde:
24/12/2006 19:19
De Montemor-o-Novo
Mensagens: 3806

Diria que a alusão à atrevida ideia das tentações de Cristo é a que melhor se ajusta a este texto. Elogioso, diga-se, à condição do homem que teme ser homem por não nascer do Homem. Maria Madalena está aqui, também Maria, a temerosa mãe... estarão aqui talvez todas as mulheres da Bíblia, senão vejamos. O centro será sempre o momento da morte de Cristo, o silêncio que se faz reflexão.
Maria, mãe de Jesus, ciente do destino do filho e pura em todos os sentidos ("cheios" no sentido de pureza).
Maria Madalena, figura controversa, amiga ou amante, corajosa por ser a única discípula, figura sensual para o olhar masculino, importuna e tolda as mentes.
Ao terceiro verso chega-nos a confissão do desejo... são aqueles os seios, reais e palpáveis, mas inalcançáveis, não pela distância, mas pela promessa. Este é o Cristo ensinado, que não pode prevaricar na casa do Pai.
O acto de contrição, flagela-se o corpo e o espírito como se fosse uma actividade diária, pensar e/ou fazer lê-se pecado que precisa ser exorcizado.
A nudez é extensiva a toda a Bíblia, caminha a par da volúpia e consolida-se nesse pecado maior da luxúria, a carne.

Soberbo

Criado em: 29/4 20:44
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Re: Comentário a “Desejo”, de gillesdeferre
Da casa!
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14/6/2024 14:54
Mensagens: 393
Penetrante análise.
Obrigado
Gillesdeferre

Criado em: 26/4 21:48
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Re: ARTES QUE VERSAM - Fotografia 5
Colaborador
Membro desde:
23/5/2024 2:48
Mensagens: 625
Francisco, sozinho, de novo!
Nada mais a acrescentar.


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Fonte: Público de 27/03/2020, disponível em https://www.publico.pt/2020/03/27/foto ... raca-s-pedro-vazia-400854

Criado em: 26/4 15:55
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Comentário a “Desejo”, de gillesdeferre
Colaborador
Membro desde:
23/5/2024 2:48
Mensagens: 625
"Desejo", de gillesdeferre - Link para o texto original



Desejo

os teus seios lúcidos e cheios

os teus seios impertinentes

esses seios que beijaria, sôfrego, um dia

não fosse ter de regressar a casa onde me proíbo

num ímpeto inato de pecado e de cruz

numa voz que me impede a nudez





ANÁLISE Nº 3

O desejo do título deixa-nos curiosos sobre o tipo de desejo que o sujeito poético (s.p.) quer falar. Lendo o poema, vemos que o desejo é carregado de sensualidade e, em simultâneo, de proibição, timidez (?) e uma inibição próxima do pecado.
Mas vejamos por partes.

Os três primeiros versos falam de uns seios “cheios”, “impertinentes” que o s.p. anseia, ardentemente, beijar.
Poderíamos dizer só que é o desejo do título; no entanto, a referência repetida (três vezes) aos seios pode também ser vista como uma ânsia maternal, um desejo em que a figura materna se materializa nos seios “lúcidos”. Porquê lúcidos?

Esta alusão e os três primeiros versos lembram uma Madona longe da de Rafael e próxima da de Edvard Munch. Seriam os seios de uma Virgem Maria que o s.p. “beijaria, sôfrego, um dia”? Ou da mulher desejada?

não fosse ter de regressar a casa onde me proíbo
beijaria, não fosse a proibição auto infligida na sua própria casa,

num ímpeto inato de pecado e de cruz
“inata” e impetuosa de pecado e de cruz; isto é, os seios que se imaginaram antes são proibidos, são pecado, são a cruz. Ao mencionar a cruz, o s.p. diz-nos que o pecado é sério, não é um qualquer. E lembramo-nos, de novo, da Madona. É preciso penitência!

numa voz que me impede a nudez
Além disso, é a sua própria voz que o impede de concretizar o desejo do título. E é essa voz que impede a sua nudez. Ouve-se a si próprio. Imediatamente, nos surge a imagem de Jesus Cristo na cruz, nu. Será que o s.p. se vê como um mártir?
E assim a imagem dos seios da Madona fariam sentido.

Mas e se este é apenas um desejo sexual “normal”, reprimido por uma qualquer razão?
Ficamos com a dúvida.

Mérito do poeta!

Beatrix Blue


Criado em: 26/4 15:29
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Re: Comentário a "correntes de mar...não prendem horizontes", de Adeuses
Membro de honra
Membro desde:
24/12/2006 19:19
De Montemor-o-Novo
Mensagens: 3806
Uma análise que deve ser feita tendo em conta dois caminhos, este que aqui o Beça nos deixa, menos romântico, e o que nos dá o ponto de vista do marinheiro.

"correntes de mar ...não prendem horizontes"

As correntes de mar, não as atendendo por metálicas (aí soam-me a grilhetas, prisões) mas por liberdade, são um complemento ao vento ou ao desfraldar das velas, permitem-nos zarpar pelo imaginário do autor e, paralelamente, do leitor.

Na minha modesta opinião "banhando teus calcanhares" está a mais.

Os horizontes têm um múltiplo significado, mais por serem plurais, como os caminhos que a eles nos levam. O horizonte a que todos chegamos, o finito, é a morte. Há outros que serão sempre inalcançáveis, mas que nos garantem razões para vivermos e são esses que nos permitem derrubar obstáculos e alcançar certos objectivos. Os impossíveis existem para ser tentados, estão lá, como tais horizontes, para que os desmistifiquemos, são degraus.

Criado em: 13/4 15:43
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Comentário a "correntes de mar...não prendem horizontes", de Adeuses

Membro desde:
6/11/2007 15:11
Mensagens: 2262
Este comentário também se encontrará disponível no perfil do utilizador na caixa de comentários do poema.
O poema, na sua íntegra, estará legível após o comentário.

Gosto do teu poema.
A começar pelo título, que em si já é um poema.
Extremamente curto, é certo, mas autossuficiente, muito ao estilo da MarySsantos ou da Alma Mater.

“Correntes de mar…
não prendem horizontes”

Há correntes de vários tipos.
Imageticamente colocas-nos com a corrente feita com elos metálicos devido ao verbo prender, num ambiente típico de terra e de metal. A terra, aliás, donde o metal das correntes é extraído.
Mas o elemento água entra em força, porque a corrente é de mar, como podia ser dos rios ou de ar.
Ao contrário da supracitada, esta corrente sugere movimento, vida e liberdade.
Podemos então deduzir que correntes de mar libertam horizontes.

Há ainda o detalhe, interessantíssimo, de também associarmos o mar ao horizonte.
Então a ambiguidade e versatilidade da palavra corrente colocou-me um sorriso.
Além do expresso soar a uma verdade universal ou a um aforismo.

A primeira estrofe é muito boa. Um dístico que tem tudo para entrar no lamechas e no lugar comum, mas que foge porque é a primeira ideia a seguir àquele bendito título.
Afinal a corrente tinha um aloquete.
As três voltas, simbolicamente tem várias fontes. Desde a trindade à assunção de certas “correntes”, como sendo o número da perfeição. Pode ser apenas a forma como a maioria das pessoas tranca a própria casa, em segurança.

Começa a prece
“… mas por amor…” aqui não sei se não faltou o “de deus” propositadamente, ou se é “devido ao amor”.
Mas até a dupla interpretação me agrada.
Pessoalmente, não gosto da palavra amor, mas para os devidos efeitos, convenceu-me.
“… na janela virada a sul…” é uma metáfora bem conseguida, porque é a janela que tem a luz do sol com mais duração, sendo nesse caso uma alusão ao afastamento das trevas, do mal, do desamor.

“…a esperança
que o vento norte
me empurre…”
tem algo de triste, porque coloca do lado da natureza e dos elementos exteriores ao sujeito poético a possibilidade dum desejo notório. Um milagre.

A promessa da última estrofe fecha o poema com chave de ouro.


correntes de mar ...não prendem horizontes


trancaste o coração
com três voltas de chave

mas por amor
não coloques grades
na janela virada para sul
tenho ainda a esperança
que o vento norte
me empurre

vou chegar …
seja como mar gigante banhando teus calcanhares ou a simples brisa que acorda o olhar [ sabendo que a brisa não passa de uma lágrima impossível de chorar ]

Leia mais: https://www.luso-poemas.net/modules/news/article.php?storyid=341496 © Luso-Poemas

Criado em: 13/4 12:38
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Comentário a "primavera de um dia" de Gillesdeferre

Membro desde:
6/11/2007 15:11
Mensagens: 2262
Este comentário também se encontrará disponível no perfil do utilizador na caixa de comentários do poema.
O poema, na sua íntegra, estará legível após o comentário.

O título deixou-me um pouco perplexo.
De certa forma submetia-me a duas possibilidades:
1. a fugacidade dos acontecimentos, ou das coisas que nos agradam, uma vez que a primavera tem geralmente 90 dias.
2. os adventos fora de sítio, e lembrei-me do verão de S. Martinho, do qual esta "primavera de um dia" seria uma versão.

Estruturalmente este poema tem duas estrofes. Uma quadra e um terceto.

A quadra tem a métrica em crescendo de verso para verso.
O poema, na sua aparência, vai crescendo.
O terceto, passa por uma certa simetria, sendo que o segundo verso tem apenas duas palavras.
Duas estrofes bem diferentes.

Na primeira quadra começamos a ler uma antítese suave: afinal, há pouca mansidão na corrida, na minha opinião.
A passagem do tempo é a primeira constatação que nos é colocada.
A seguir é-nos servida uma redundância subtil: "...parece disfarçada...".
Gosto muito dos dois versos que fecham a quadra. Voltamos ao disfarce com o fingimento.
Talvez esteja a ignorar a metáfora do poeta.
Seremos todos os que arrogamos a escrever, demónios?

O terceto é uma afirmação de esperança que me agrada.
A "...manhã sem sinónimos..." é também uma bela metáfora, que, para mim, declara claridade, verdadeira, que não carece de tradução.

Resumindo, a primavera não dura sempre, essa jovialidade, renascimento, fim das agruras do inverno.
E se for apenas por um dia, bem, é melhor do que nada...


primavera de um dia


os dias correm mansos
numa primavera que parece disfarçada
simulando as aprazíveis manhãs de pássaros madrugadores
capturados pelo demónio transparente de umas asas fingidas.

louvo a primavera que há de vir
de novo
em manhãs sem sinónimos


Leia mais: https://www.luso-poemas.net/modules/news/article.php?storyid=377530 © Luso-Poemas

Criado em: 8/4 21:50
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