(um poema uma tumba)


morreu
quem lhe acode
quem lhe vestiu
a mortalha
quem a sacode
e lhe põe epitáfio
à cabeceira
da morte
creio
à segunda feira
em nome da sorte
só a maralha

libertou-se um poema
logo pela manhã
a meio da
agitação normal
estrábico o olhar
sobre a livre vontade
de beber da seiva matinal

descasco uma laranja
para o pequeno almoço
e satisfaço os desejos
de beber o suco
e a sede de
me lambuzar
no fruto proibido
matutino

há o café, e o leite
e os bolos
e o pão com manteiga
há os croissants
com creme
mas o sumo da laranja
é prodígio
para quem chega
estafado com passos
incertos e madrugadores
do árido deserto



Abraços e boa semana

Imperfeição senil
Acidental velhice
Confiante na distância
Que se percorre entre
Dois lugares

Etapa inflexível
Deleite entre mundos
Num vai-e-vem da mente
O antro do desconhecido

Informe o espírito
Que não acredita
Nas ameias
Intensificadas e reais
Da beleza humana

Lamechas os crentes
Que tentam fazer
Chorar as pedras
Da calçada

Confissões caricatas
Comovedoras
E castradoras
Da simples existência
A Vida

Que são as palavras?
São simples metáforas
Que os racionais utilizam
Para comunicarem-se

Que são as palavras?
Uma linguagem
Que tenta (des)velar
Todas as linguagens

Que são as palavras?
São os paradoxos
O bem e o mal
O certo e o errado

Que são as palavras?
São a única salvação
Ou a veloz destruição
Das coisas da vida

Que são as palavras?
São flores ou pedras
Que me atiram
Na face todos os dias

Que são as palavras?

Um poema
Será pouco
Para dizer
Do quanto...

No entanto
Talvez seja
Em dobro
O que o poeta
Escreve
Sendo que o pouco
Será tanto
Daquilo que sente

E afinal
Será quanto?
Não existe
A medida certa...

Agora já é tanto
Que tudo é pouco
Para dizer o quanto!

(soneto questionado)



que é do branco que cinzela o espaço
entre as palavras por dentro da mente
que faz um sonho já velho e que sente
a dor de artrite em que andou o meu passo

que é do som que me fere o ouvido
dito por ti só com meias palavras
e nos sussurros da rima em que lavras
toda a ideia que pões no sentido

que é da cor que tu pintas no ar
e do calor que acendes no lume
visto ao espelho da calma do mar

que é da flor que irradia o perfume
e do poema e de quem (o) escutar
que é de mim que me ardo em queixume

[ entrelinhas... ]


Sou mas não sou
Sou recipiendária
Do tudo do nada
Abraço antíteses
Sempre sendo...

Muitos me condenam

Acusam me de ser
Dupla ou ambígua
Os compreendo
Eles não sabem me
Olhar nas entrelinhas...

Caro Carlos,

as idéias são os começos. Gostei destas que estão te sussurrando odes coletivos...rs. Caso o projeto seja viável podes contar comigo.

Um abraço

(estudo em redondilhas sobre mote de alice luconi)



muitos me condenam
outros veem nisso
apenas esquisso
dos que me desprezam
muitos me condenam

outros veem nisso
todos os meus sonhos
que são enfadonhos
que me sou omisso
muitos me condenam

apenas esquisso
do que nunca fui
nem sequer um ui
muito menos isso
muitos me condenam

dos que me desprezam
não contei nenhum
eu que sou comum
na estória não rezam
muitos me condenam

muitos me condenam
por não ser assim
mais além de mim
p’ra que todos vejam
muitos me condenam



ps - Proposta para o título da coletânea:

lusopoética aplicada
(noves fora nada)
ensaio estético de teoria literária

(lamento em branco prosaico)



eu só sou a poesia
do papel em branco
sou um mocho
sou um banco
sem o ocupante
onde ninguém se chante

sou a poesia
que nem tem fim
nem principia
não nasce
não morre
dentro de mim

eu sou a poesia
de um lamento só
sem piedade nem dó
sou a folha em branco
a tábua rasa
um carpinteiro sem enxó