Comentário a "entre a justificação e a desculpa" de Horroriscausa

Membro desde:
6/11/2007 15:11
Mensagens: 1940
Este comentário também se encontrará disponível no perfil do utilizador na caixa de comentários do poema.
O poema, na sua íntegra, estará legível após o comentário.

Há um Dar meio escondido no título.
Dar uma "...justificação..." ou Dar uma "...desculpa...", é quase um sinónimo.
Se vai dar ao mesmo (entre aspas), significa que o espaço é muitíssimo pequeno, ou nulo.
Ou seja, não há "entre..."

Mas a "...justificação...", em que aJustamos, ou tornamos Justo é também um petisco para os meus miolos. Os justos devem andar apertados, bem limitados e claros.
A justiça tem muitas sombras e lados.

A "...desculpa..." também não se atrasa, já que tem um prefixo de negação (o des) e um nome bem giro que me ataca frequentemente, isso da Culpa.
A culpa é, em primeiro lugar, um sentimento. Uma ligação ao erro e à falha, em que o responsável tem um papel. E arrepende-se, sente remorso (outro petisco).
É, depois, uma atribuição social de responsabilidade. Sentença.
Como era bom ser culpado pela paz no mundo.
A culpa é também um polígono.

Isto antes que eu "entre" no corpo do texto.

Os primeiros dois versos situam o poema.
O "...longe..." nota-se que não se mede em quilómetros.
Mas nesse verso, "...as aspas dos olhos..." além da aliteração, colocam os "...olhos..." entre aspas. Como se fossem não-"...olhos...", ou "...olhos..." desusados. Parece uma avaria.
Imageticamente submete-me às pestanas, que os protegem, mas é uma sensação que passa depressa.
Acho que os "...olhos..." é que se destacam. E como é fácil de assumir que os olhos e os olhares mudam com o tempo. O que pensamos hoje podemos não pensar Amanhã. Nem é o que pensámos Ontem.

Imagem forte surge no "...relógio de parede parado..." e sorrio pela semelhança nas palavras "...parado..." e "...parede..." e no engenho que se procurou e conseguiu.
Mas, assim como os olhos são entre aspas, também é o "...relógio...".
Vejamos, um "...relógio de parede..." é decorativo, mas dará as horas? As horas serão para serem dadas?
Há quem diga que um "...relógio..." "...parado..." tem as horas certas duas vezes por dia (se for analógico).

O último verso da primeira estrofe é um pouco mais literal mas com uma metáfora la enfiada. Porque "...na cãibra do agora morto..." é uma forma de expressão em pleonasmo, mas sendo que na morte não há mais nada, também não há "...cãibra..." (a não ser que cãibra=nada e os filósofos vão voltar a filosofar). Assim reforçado o "... morto..." morreu mesmo.

"...Está tudo errado..."
E lá voltamos ao motivos para "...a desculpa...".
Errar é andar por aí, fazer. Bem e mal.
Somos todos errantes, ou não teríamos nascido.

O último dístico também me submete ao "o estranho caso de Benjamin Button", mas se bem me recordo, o final não é tão glamoroso como no do teu poema.
Era bom nascer a saber o que sabemos na idade da "...velha...". Havia menos lugar para tanto que podíamos ter feito melhor...


entre a justificação e a desculpa


chega de longe as aspas dos olhos
sem presença de tempo
no relógio da parede parado
o sarcasmos do antes jovem
na cãibra do agora morto.

está tudo errado

as marcas da vida do avesso

devia ter nascido velha
e morrer recém.nascida.

Leia mais: https://www.luso-poemas.net/modules/news/article.php?storyid=371333 © Luso-Poemas

Criado em: 7/2 7:10
Transferir o post para outras aplicações Transferir


Re: Comentário a "entre a justificação e a desculpa" / RogérioBeça
Administrador
Membro desde:
15/2/2007 12:46
De Porto
Mensagens: 3597
olá RogérioB.

vou pensar no que te dizer...

atenciosamente
HC

Criado em: 7/2 20:27
_________________
" An ye harm none, do what ye will "
Transferir o post para outras aplicações Transferir


Re: Comentário a "entre a justificação e a desculpa" de Horroriscausa
Membro de honra
Membro desde:
24/12/2006 19:19
De Montemor-o-Novo
Mensagens: 3101
A crítica da crítica ou uma análise paralela.

Suponho que estavas (tu e a artista) a falar de tempo e do tempo quando distingues como passíveis de serem sinónimos "justificação" e "desculpa", eu olho-os como passado e futura, mas pela ordem inversa... desculpa-se o passado, justifica-se o futuro e pelo meio, onde dizes que "não há "entre..."", discordo, há aquela cena efémera a que chamo presente. "Há um Dar meio escondido no título."? Há, é um dar pano para mangas.

Todo o corpo do poema é um labirinto de desejos, o paradigma do que é belo, porém difícil de encontrar no "id" de cada um, até no egoísta acto de escrever.

Os mortos também vivem.

Compreendo-vos

Criado em: 7/2 20:56
_________________
A Poesia é o Bálsamo Harmonioso da Alma
Transferir o post para outras aplicações Transferir


Re: Comentário a "entre a justificação e a desculpa" de Horroriscausa \Alemtagus

Membro desde:
6/11/2007 15:11
Mensagens: 1940
Boas,

Para mim Dar desculpas e Dar justificações para os actos feitos (não vamos chamar de erros ainda) é o mesmo.
Mas se os analisarmos como uma linha temporal, concordo com o tua afirmação.
Desculpamo-nos do que fizemos para justificar os resultados dessas acções.
O Agora (esse belo presente) está muito veloz no meio.
Há quem duvide que exista.

Mas este poema tem mais dessas linhas.

Entre o jovem e o morto é uma das maiores. Maior, na vida, podia ser entre o recém-nascido e o morto.
O sarcasmo, no que diz respeito aos sabores (ou aos saberes como costumas dizer) é entre o picante e o amargo. Fez-me lembrar os adolescentes sempre com uma resposta insolente na ponta da língua. É uma época tramada para a retórica e para a capacidade de resposta.
É, o sarcasmo, uma postura defensiva. Se não o dominares podes te magoar.
A cãibra, é uma dor pegada e incapacitante.
Mas se for a rigidez muscular completa, abre espaço à metáfora da falta de flexibilidade.

Sendo uma crítica, este poema mantém elegância, beleza (como bem reparaste), esmero.

"as marcas da vida do avesso"

têm espaço para angústias, para revoltas, para poesias.

Gostei o teu raciocínio.

Abraço

Criado em: 8/2 6:10
Transferir o post para outras aplicações Transferir


Re: Comentário a "entre a justificação e a desculpa" /anatomia de um comentário
Administrador
Membro desde:
15/2/2007 12:46
De Porto
Mensagens: 3597
olá

a" verdade literária" e é essa que interessa neste contexto, não é ojectiva, mas antes e "entre" construções criadas a partir de vários pontos de vista. todos bem.vindos. faz crescer.

atenciosamente
HC

Criado em: 9/2 12:43
_________________
" An ye harm none, do what ye will "
Transferir o post para outras aplicações Transferir







Links patrocinados