Comentário a "Quando o vento passa" de MarySSantos

Membro desde:
6/11/2007 15:11
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Que corrente de ar!
Deve ser das que aprisiona...

O vento é um símbolo, ou metáfora que cada vez tem mais força no meu gosto.
E o seu contrário, o in-vento.

O vento é um agente de erosão que está em todo o lado.

Na terra, moldando as dunas e as rochas.
No mar, fazendo isso com as ondas, aumentando-as, ou com as marés.
Na atmosfera, levando as nuvens para onde lhe apetece e permitindo, ou evitando a chuva.
Faz os moinhos se moverem, e antes com ele fazia-se farinha e pão.

Quando os "...traçados..." começam a escapulir, mudamos.
É o risco que se corre quando queremos arejar um espaço, como veio na primeira estrofe.

Há um provérbio que diz: Gato escaldado de água fria tem medo.
Este, submete-me à segunda estrofe. Há janelas que deviam ficar fechadas, a "...coragem..." para as abrir terá algum "...medo..." associado.
Acho que uma depende do outro. Enfrentar os desafios sem nunca ter "...medo...", não deve ser coragem.
Aprendi a gostar de gatos, tendo um.
Mais um motivo para gostar deste poema. São figuras que, simbolicamente, significam que têm a ajuda a passar para o reino dos mortos, ou só de etapa, se formos menos abrangentes.
Fugir estranho.
"...muros tombados..." soa a outra bela metáfora. Uma ruína que sugere sujeição. Um pouco derrotista. Depende de como tombaram os muros. Se não foi o próprio sujeito poético a os mandar a baixo.

Uma casa, com janelas (abertas), mas sem "...telhado..." "...nem paredes..." é o que nos aparece na terceira estrofe.
Sobra o chão.
Um chão corrido, como o "...vento..." que também é corrente, "...pela nudez...". Como se vem ao mundo. Sem disfarces, sem proteção do frio, do pó que anda em todo lado (andar? terá pernas?)...
Uma imagem de caos muito bem conseguida se somarmos o "... reinado..." como foi o caso.

Como se não bastasse esta enorme convulsão de imagens e movimento, surge mais uma personagem neste poema, que é tão forte como o vento, embora demasiado usada e explorada, como também é o amorzinho - o Sonho.
Esse, da Pedra Filosofal de Gedeão, que comanda a vida.
Muitas vezes entra no sono. O sonho.

O sonho (e a ambição, já agora) vai-se tendo, vai-se conquistando, vai vivendo, morre e é substituído por outro do mesmo nome.

O vento nem sempre traz furacões.
Às vezes, apenas alimenta o sonho, como levanta um vestido.


Quando o vento passa


cada janela que
abri escapuliu um
traçado de mim.

em fuga,
pelos meus muros tombados,
coragem e medo
foram gatos molhados

e
quando já não
havia telhado
nem paredes para
sustentar passado,
a nudez correu em
circulo querendo
fazer reinado

o tempo riscou
o vento chegou,
encontrando-me ali,
em pé,
pra balançar meu vestido de sonhos

Leia mais: https://www.luso-poemas.net/modules/news/article.php?storyid=371581 © Luso-Poemas

Criado em: 28/2 6:01
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Re: Comentário a "Quando o vento passa" de MarySSantos/ao Rogério

Membro desde:
6/6/2012 14:51
De Macapá/Amapá - Brasil
Mensagens: 5735
Gosto dos estudos que você faz nos poemas que por aqui se apresentam, Rogério. Suas análises nos levam sempre a esticar mais um pouco o entendimento, a compreensão, como também a aperfeiçoar a leitura.

O poema tem a ver com doação, entrega. Por mais que se negue
sempre há doação, independente de qual seja a intenção, e a percepção, por mais ilusória que seja, de que já não há mais nada no que investir, até mesmos nossos "gatinhos de estimação", se nos virem com um copo com água nas mãos, disparam para longe de nós. Surge a vontade de investir ainda em alguma coisa mas a coragem foge, mas precisamos insistir e o medo foge também e, ainda que pareçamos nus à mercê do tempo ainda estamos vestidos de sonhos... que venha o vento, ele irá balançar, mas arrancar esse vestido, ou roupa, jamais. (rs)

Criado em: 29/2 15:18
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Re: Comentário a "Quando o vento passa" de MarySSantos/ao Rogério
Administrador
Membro desde:
15/2/2007 12:46
De Porto
Mensagens: 3597
olá Mary, olá RB

quanto a mim e tenho ideia que a maioria dos luso.poetas pensam como eu, a MarySSantos é das presenças que mais cria o efeito que a poesia deve ter, "mexer com o leitor". muito obrigada Mary por esse chamamento, esse efeito que tua escrita provoca em mim.
o RB, bem, nunca me canso de me repetir, o quando estas análises são importantes no alargamento das perspetivas de interpretação que o leitor pode ter. muito obrigada por o fazeres.

atenciosamente
HC

Criado em: 2/3 12:41
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