Dizem que normal, o natural, é ouvir gente viva. Eu considero que o normal e natural, é ouvir gente viva e Almas mortas. As Almas mortas são mais sossegadas, falam mais devagar. Falam suavemente. Não levantam a voz, não viram as costas quando não são ouvidas e raramente se zangam. Só quando levadas ao extremo, e esse extremo quase não existe, aliás, não existe mesmo! Por isso são Almas maiores. Almas pequenas são as nossas, as dos vivos. Regra geral ninguém liga aos mortos. Mas eles também se sentem sozinhos, também têm sentimentos como todas as pessoas. Mas ninguém repara neles ou lhes presta atenção. E é para chamar a atenção que começam a habitar as casas e a mexer nas coisas durante a noite.
Não é para assustar, mas sim para que lhes prestem atenção, para que os ouçam. Não querem meter medo, apenas querem companhia. Tenho umas quantas Almas mortas a viver cá em casa. Só me irrito quando me escondem as chaves ou o comando da Tv, ou então quando começam com cantorias. Ao princípio atravessavam paredes e assustavam o papagaio, mas como nunca lhes dei grande importância deixaram de fazer isso. Querem, a todo o momento, a minha atenção. Habituei-os mal, julgam que tenho a vida deles. Três deles conheço-os porque fizeram parte da minha vida enquanto vivos, os outros foram chegando sem serem convidados.(Só podem ter sido convidados pelo Zé Pedro, já em vida aparecia lá em casa com gente que eu não conhecia de lado algum, e sem terem sido convidados. Enfim... Sempre que convidava o Zé P. tinha que contar com mais cinco ou seis pessoas) .
Como são boas Almas, não me incomodo, mas também convém não os incomodar, por isso uso apenas o candeeiro com a luz regulada no mínimo, para não tropeçar na sala, as Almas não gostam de muita luz. Sei, que se a Alma passar muito tempo na eternidade, triste, na solidão, constantemente ignorada, quando só o que quer é ser ouvida, ou que lhe resolvam um qualquer assunto inacabado, acaba, mais tarde ou mais cedo, por se tornar mal-humorada, e nessa altura, o melhor é sair-lhe da frente, melhor ainda é sair mesmo de lá para fora!, não vá alguma coisa cair-nos em cima da cabeça. Alguns são pura e simplesmente maus, mas não tanto como os vivos. Ouço gente viva, mas sobretudo Almas mortas...
Toze Ribeiro