Contos : 

O último movimento

 
Olhei imediatamente para o relógio, que marcava sete horas em ponto. Desviei o olhar para o copo à minha frente, contendo um viscoso líquido negro. Voltei a olhar para o relógio, cujos ponteiros agora exibiam sete horas e vinte minutos. Estranho, pensei comigo mesmo, vou tentar mais uma vez. Ao fazê-lo, tive a certeza que faltava – o relógio mostrava onze horas e trinta e cinco minutos. Muita calma, adverti a mim mesmo, não posso estragar tudo por um simples impulso. Ao olhar para frente, vi-me sentado diante de uma mesa quadrada, de madeira. A cadeira não era das mais confortáveis, e, tentando me levantar dela, senti que isso era uma impossibilidade, pois ali eu estava preso. Foi então que se abriu diante de mim um jogo de xadrez. Meu oponente estava trajado de preto, tendo uma aparência esquelética e olhos fundos. À minha direita, localizado no meio da mesa, encontrava-se um cronômetro com a capacidade de marcar até cento e vinte minutos. O que eu sabia a respeito do jogo era que todos queriam ficar o máximo de tempo possível nele, o que o tornava um pouco diferente dos jogos usuais de xadrez. Contudo, exceder o tempo máximo nesse jogo é impossível. Existem muitos que nem chegam a passar dos quarenta e cinco segundos iniciais e já são derrotados. Claro que o oponente é implacável e voraz. Agora, quanto à nossa querida platéia: na realidade, não havia uma torcida ao meu lado, somente os que entravam em cena e assentavam-se junto às mesas. Mas a situação era diferente para meu adversário: ele possuía uma grande platéia de espectadores inertes, que ficavam apenas deitados, olhando fixamente para as mesas de jogo, sem fazer qualquer expressão sentimental, não, sem sequer se mover – observadores inertes. Era também notável o local no qual encontrávamos, pois predominava um silencio descomunal. Dava até para ouvir – e esse era o único som audível – o ruído áspero das peças em movimento sobre os tabuleiros. Obviamente, eu não jogava sozinho, mas à minha esquerda e à minha direita havia inúmeras mesas, cada uma com jogadores diferentes, porém, seu oponente era igual ao meu, o mesmo em todas as mesas. Agora mesmo posso observar à minha esquerda um jogador ser derrotado; ele se levanta, caminha em direção da torcida, encontra um lugar vazio e deita-se, mantendo-se paralisado, e volta um olhar profundo e fúnebre às mesas. E assim permanece. Olhem só, o cronômetro de minha mesa é acionado. Como eu estou jogando com as peças brancas, efetuo o primeiro movimento. Meu adversário não toca as peças, apenas as movimenta com um olhar. O tempo parecia voar ali, e quando passei os primeiros quarenta e cinco minutos iniciais, respirei aliviado. Prossegui com mais um movimento. Percebi uma maneira sutil de meu oponente jogar, mas, ao mesmo tempo, quedei aborrecido, pois contra essa tática eu não estava preparado. Quando chegou a minha vez, fiz um movimento um pouco ofensivo. Nesse instante, parei para pensar em tudo aquilo e o qual a significação de todo aquele sistema, a saber, o tabuleiro, as peças, meu oponente e sua platéia, este lugar, até o que eu mesmo significava ali. Que sentido ou objetivo, afinal, haveria de existir naquele vai e vem de jogadores que do nada apareciam, assentavam-se e logo depois eram derrotados com o fim de se juntar àquela platéia que mais se assemelhava à uma natureza-morta, de mentes putrefeitas? Admito que, por alguns instantes, eu parecia desconsiderar meu inimigo, e pouco me importava sua existência, sem embargo, ás vezes, ocorriam certos lapsos e a sua imagem tornava a ser vívida em minha mente. O tempo de jogo atingiu noventa e dois minutos, contudo, mantinha-me confiante e com uma paz de espírito que devia provir dos deuses. Porém, olhei para trás e observei atentamente as jogadas que eu fizera, as peças capturadas, perdidas, movimentos calculados, outros não tão calculados, uns feitos por experiência, alguns por impulso, e ainda assim não conseguia entender o objetivo de toda aquela, essa, esta parafernália que deixava meus olhos quase surdos. De repente, voltei o olhar para frente, e recobrei a atenção para o jogo, quando meu adversário fez apenas um pequeno movimento, sim, um singelo ato na diagonal, este simples movimento trazendo o banimento sobre mim. Olhei imediatamente para o relógio. Cheque mate. Eu morto.
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Autor
Henry
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